27.2.18

Ana Margarida de Carvalho (Lugares comuns)






(Lugares comuns)



Não consentia que os mesmos adjectivos andassem incestuosamente casados com os mesmos substantivos.

Os areais imensos/ As bases fundamentais/ Os horizontes longínquos/ Os banhos retemperadores/ As árvores frondosas/ O silêncio sepulcral…

Já não podia mais com o ‘grande manto branco’ que era a neve, com os cataclismos que ‘deixam atrás de si um rasto de destruição’.

Gostava demasiado de palavras para permitir que elas se transformassem em cuspo (como dizia Sophia), repugnantes, viscosas, pouco higiénicas de tão usadas, a saírem da boca de toda a gente.

Ou para as deixar tornarem-se estafadas, triviais, consensuais e neutras, de tanto usar sem agitar. (10)




ANA MARGARIDA CARVALHO
Que importa a fúria do mar
(2013)


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