30.11.12

João Araújo Correia (Pontos Finais - Vocabulário)





andurriais (paragens remotas)

argau (canudo, pipeta)

auge (apogeu, cume, circunstância extrema / fora desses auges)

beber azeite (ser esperto)

chichelões*

cômoro (arreto, socalco)

de juro e herdade (1)

eido (quintal, quinteiro, rossio, aido, pátio anexo a casa)

escanifrada (magra, escanzelada, desengonçada / curaria num instante a esposa...)

força (à fina força)

impontar (despedir, fazer sair, empurrar)

maninho (estéril, sem fruto / ...como as fragas do Marão)

num pronto (num repente) (2)

num rufo (num repente) (3)

relheira (sulco / ...dos carros, na estrada)

______________________________________________

(1) Fórmula incorrecta, mas popular, do latim ‘de jure et hereditate’ (i.e. 'de direito', não apenas 'de facto', e com faculdade  de transmitir aos sucessores).
(2) O mesmo que ‘num fósforo’ (o tempo de acender e arder um fósforo =lume ‘pronto’, assim dito para distinguir dos ‘lumes’ (fósforos) anteriores, que eram chamados de ‘espera galego’, de ignição retardada.
(3) Num rufo (o tempo de um rufo de tambor?).
(*) N/ encontrado nos dicionários.

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Pepe Ramos (Anúncio)





POR PALABRAS



Joven poeta
busca voluntarios
para darle muerte
el día en que
se convierta en
un burgués
autoconvencido
de su propia valía
y haya olvidado que
una vez
puso este anuncio.


Pepe Ramos



Jovem poeta
busca voluntários
para o matarem
no dia em que
se converter
em burguês
auto-convencido
da sua própria valia
e se esquecer que
em tempos
pôs este anúncio.


(Trad. A.M.)

.

29.11.12

Raymond Carver (O teu cão morre)




YOUR DOG DIES


It gets run over by a van.
you find it at the side of the road
and bury it.
you feel bad about it.
you feel bad personally,
but you feel bad for your daughter
because it was her pet,
and she loved it so.
she used to croon to it
and let it sleep in her bed.
you write a poem about it.
you call it a poem for your daughter,
about the dog getting run over by a van
and how you looked after it,
took it out into the woods
and buried it deep, deep,
and that poem turns out so good
you’re almost glad the little dog
was run over, or else you’d never
have written that good poem.
then you sit down to write
a poem about writing a poem
about the death of that dog,
but while you’re writing you
hear a woman scream
your name, your first name,
both syllables,
and your heart stops.
after a minute, you continue writing.
she screams again.
you wonder how long this can go on.


Raymond Carver




Foi atropelado por uma carrinha,
encontraste-o na berma
e enterraste-o.
sentes-te mal,
quer por ti mesmo,
quer pela tua filha,
que o tinha por mascote
e gostava tanto dele,
até lhe arrulava baixinho
e deixava-o dormir na cama dela.
fazes um poema sobre o caso,
que designas poema para a filha,
sobre o atropelamento do cão
e como o cuidaste,
como o levaste para o bosque
e o enterraste fundo, fundo,
e esse poema fica tão bom
que tu quase ficas contente
por o cão ser atropelado, porque senão
nunca escreverias esse poema.
então sentas-te e pões-te a escrever
um poema sobre a escrita de um poema
sobre a morte do cão,
mas enquanto escreves
ouves gritos de mulher que te chamam
pelo nome, pelo nome próprio,
as duas sílabas,
e pára-te o coração.
depois, continuas,
ela grita de novo
e tu perguntas-te até onde irá a coisa.


(Trad. A.M.)


> Outra versão: Do trapézio (L.P.)

.

28.11.12

Joaquín Giannuzi (Pondo a gravata)





PONIÉNDOME LA CORBATA



Cuando J. O. G. se pone la corbata
su mueca ante el espejo no interpreta el mundo.
Más bien es una distorsión desesperada
de un rostro que está allí sin saber cómo.
Ojos espantados que preguntan cuándo acabará todo.

Piedad para todos aquellos que como J. O. G.
aprietan el nudo de la corbata cada mañana
y nunca terminan por ahorcarse.
Sentimentales y astutos como moribundos
que olfatean el límite y retroceden a tiempo.


Joaquín Giannuzi


[Emma Gunst]



Quando J.O.G. põe a gravata
o seu gesto ao espelho não interpreta o mundo.
É antes uma torção desesperada
de um rosto que está ali sem saber como.
Olhos espantados a perguntar quando tudo acabará.

Piedade para aqueles que, como J.O.G.,
apertam o nó da gravata em cada manhã
e não acabam por se enforcar.
Sentimentais e astutos como moribundos
que farejam o limite e retrocedem a tempo.


(Trad. A.M.)



>>  Violín Obligado (PDF) / Emma Gunst (6p) / La estafeta del viento (entrevista) / Wikipedia

.


27.11.12

Um verso (112)





Um verso do Assis
(Modela, Assis, o teu verso – dizia ele):




não tenho nada contra a poesia mas é mais útil a limpeza a seco




Fernando Assis Pacheco


.

Andrés Neuman (Abraço inútil)





Abrazo inútil
busca la joven hiedra
en el cemento.


Andrés Neuman




Abraço inútil
busca a hera jovem
no cimento.


(Trad. A.M.)


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26.11.12

Almada Negreiros (Coimbra)





Coimbra
Coimbra universitária, bem entendido!
Odeio-te!
finges de cabeça
e não és senão o lugar dela.
A única vez que me referi a Coimbra disse:
os palermas de Coimbra
É a minha opinião.
A única pessoa de interesse que conheci em Coimbra
foi a dona de uma casa de mulheres
todos os outros eram cultos
admiravam os grandes vultos
e desconheciam os pequenos
como se estes não fossem uma projecção dos grandes.
Coimbra
Coimbra universitária, bem entendido!
Tu consegues não ser estúpida
nem inteligente
és Coimbra.
Tamanha identificação urbana
jamais no mundo se viu.


Almada Negreiros


[Edições 5oKg]


.

25.11.12

Pedro Sevilla (Para José Mateos)





PARA JOSE MATEOS



Una imagen antigua, de mi infancia,
me acompaña por siempre como emblema
de la amistad: mi abuelo en una Feria
de San Miguel, borracho y abrazado a otro viejo,
llora feliz, se ríe y pide otra media botella.
Con los abrazos, con la borrachera,
tienen los ternos sucios y las gorras torcidas,
las botas embarradas de la lluvia
primera de septiembre.


Esta imagen, José, no es nada edificante,
pero siempre que pienso
en este sentimiento que nos une,
distinto de las tristes
miserias del amor y sus crueldades,
recreo en mi memoria a aquellos viejos
aturdidos de vino y de alegría
-hay charcos de agua azul
en el barro pisado por las bestias:
la amistad es dos hombres
que vuelven de la feria, o de la vida,
(que vuelven de la feria que es la vida),
hermanados, riéndose, llorando
con los brazos al hombro y con los ternos sucios.


Pedro Sevilla



Uma imagem antiga, da infância,
acompanha-me para sempre como emblema
da amizade: meu avô numa Feira
do São Miguel, borracho e abraçado a outro velho,
chora feliz, ri-se e pede mais meia garrafa.
Dos abraços, da borracheira,
têm os fatos sujos e as boinas torcidas,
as botas enlameadas da primeira
chuva de Setembro.


Esta imagem, José, não é nada edificante,
mas sempre que penso
neste sentimento que nos une,
tão diferente das tristes
misérias do amor e das suas crueldades,
recrio esses velhos na memória
aturdidos de vinho e de alegria
- há charcos de água azul
na lama calcada pelos animais:
a amizade é dos homens
que voltam da feira, ou da vida
(que voltam da feira que é a vida),
como irmãos, a rir, a chorar,
os braços nos ombros e com os fatos sujos.


(Trad. A.M.)

.

24.11.12

João Araújo Correia (A minha etnografia)





Numa das lojas subjacentes à moradia, andavam aos chichelões duas memórias do tempo das meadas – uma dobadoira e um sarilho.

Tinham pertencido à minha avó paterna, muito amiga de bragais de linho.

Deixou, em baús de coiro, lençóis que sempre me lembram o melhor soneto de Camilo Pessanha.

Mulher asseada...

No armazém, que dava para um eido e um pequeno jardim, havia pipas assentes em malhais de pinho ou castanho, uma corrente de ferro para lavar as pipas, uma chave de bronze para abrir ao vinho, uma selha para se não perder nem uma gota, uma balsa para encuba ou trasfega, cálices de prova e um jogo de letras, abertas em zinco, para marcar os cascos.

Se mais havia, não me lembra agora.

Só se for um argau de folha e uma boa verruma para tirar amostras.


- JOÃO DE ARAÚJO CORREIA, Pontos Finais (A minha etnografia).




>>  Wikipedia / Grémio (perfil bio) / aPágina (perfil crítico / Serafim Ferreira)

Aquilino Ribeiro, Homenagem nacional (Sociedade Portuguesa de Escritores), 1960:

- Não é o mestre da Régua, como se dizia da pintura, no obscuro século de Quinhentos, o mestre de Ferreirim ou de Linhares. Mas o mestre de nós todos, que andamos há cinquenta anos a lavrar nesta ingrata e improba seara branca do papel almaço...

.

Pedro A. González Moreno (Quando estiver tudo escrito)





Cuando todo esté escrito
y resulten inútiles todas las palabras,
entonces, trazo a trazo, con las sílabas de humo
escribiré tu sombra
y te leeré en la noche.
Te iré deletreando a la luz de algún verso
que alumbrará tu casa;
tu casa, que de pronto
se quedó sin recuerdos y como detenida
en mitad de un abrazo.


El aire todavía se estremece
cuando se oye algún ruido de puertas que se abren,
lo mismo que los muebles también se estremecían,
sin notarlo nosotros,
al ver que regresábamos, cada tarde, del mundo.


Esos muebles que ahora, a la luz de algún verso,
tal vez aún nos sigan esperando
con la misma impaciencia con que esperan los muertos
que alguien cierre la noche
de sus ojos sin nadie.


Pedro A. González Moreno


[Literatura y poesia]




Quando estiver tudo escrito
e forem inúteis as palavras,
traço a traço, então, escreverei tua sombra
com sílabas de fumo
e ler-te-ei no escuro da noite.
Hei-de soletrar-te à luz de um verso
que alumiará tua casa;
tua casa, que de repente
ficou sem lembranças, como que detida
a meio de um abraço.


O ar estremece ainda
com o barulho de portas que se abrem,
tal como os móveis também estremeciam,
sem nós repararmos,
ao ver, cada tarde, que regressávamos do mundo.


Esses móveis que agora, à luz de um verso,
nos esperam ainda talvez
com a mesma impaciência com que os mortos esperam
que alguém feche a noite
de seus olhos sem ninguém.


(Trad. A.M.)

.

23.11.12

Alberto de Lacerda (Longe)





Longe
Hei-de acabar por me sentir longe
Longe de tudo

Hei-de pertencer cada vez mais
Ao horizonte

Hei-de ficar ao longe

Barco
Conscientemente afastado
De si próprio


Alberto de Lacerda

.

22.11.12

Paz Hernández (Às vezes não me importa)





A veces no me importa nada,
si la vida te trae, o me lleva
si nos aleja

A veces no se si soy viento
o lluvia
o solo hojarasca de otoño

No importa lo que dices,
ni tan siquiera las más bellas caricias
sólo un silencio compartido
sólo saberte
sólo

Desdibujarte
la magia de cada sonrisa
con un beso dulce

Saberme
libre y efímera



Paz Hernández


[El blog de Calipso]





Às vezes não me importa nada,
se a vida te traz, ou me leva,
se nos afasta

Às vezes não sei se sou vento
ou chuva
ou apenas folhagem de Outono

Não importa o que dizes,
nem sequer as mais belas carícias
só um silêncio partilhado
só saber-te


Desfazer-te
a magia do sorriso
com um beijo doce

Saber-me
livre e efémera


(Trad. A.M.)

.

21.11.12

Ver (121)








(Robert Frank)*



(*) Mão amiga (Cómo cantaba mayo) assinala-me que a foto de cima (Candy cigarete, 1989)       pertence sim a Sally Mann (n. 1951).
      A conferir: MoCP.

Pablo Neruda (Os teus pés)





OS TEUS PÉS



Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.


Pablo Neruda

(Trad. Albano Martins)

.

20.11.12

A.M.Pires Cabral (Fechou a escola em Grijó)





FECHOU A ESCOLA EM GRIJÓ



Dantes ouviam-se as crianças a caminho da escola
e eram como pássaros de som nas manhãs de Grijó.
Não eram muitas, mas as vozes joviais
davam sinal de que a aldeia resistia,
continha à distância o deserto que a ronda.


Agora as crianças, todas as manhãs,
são acondicionadas como mercadorias
numa viatura com vocação de furgoneta.
Lembram judeus em vagões jota
a caminho de Auschwitz.
Vão aprender em terra estranha o que os seus pais
e os pais dos seus pais aprenderam em Grijó.


Só se voltam a ouvir ao fim da tarde
quando a viatura as despeja no largo da aldeia
como artigos que ficaram por vender.
Mas ouvem-se pouco, porque vêm cansadas.
Ouvem-se pouco e triste porque o seu dia
– que devia ser dia de Grijó –
foi deportado para outra terra onde
não se lhe firmam as raízes.


O senhor ministro das Finanças está contente,
porque poupa meia dúzia de euros
com a violenta trasfega da infância.


Mas está triste Grijó, porque já não ouve
as suas aves de manhã a caminho da escola
– e por isso pode dizer-se que a aldeia encolheu,
ficaram uns metros mais perto as areias de amanhã.


Caladas as vozes tagarelas das crianças,
nos dias de Grijó poucas mais se ouvem
do que as de alguns velhos que antecipam
em palavras raras, conformadas,
o dia em que o silêncio cobrirá com estrondo
o (des)povoado definitivamente.


O senhor ministro das Finanças terá poupado
mais alguns euros com a instauração
deste opressivo silêncio final,
e ficará contente. Grijó não.


A.M.Pires Cabral


(‘Repórter do Marão’, Set. 2012, p.22)

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19.11.12

Jordi Doce (Celebração)





CELEBRACIÓN



Quisiera otro lenguaje para hablar de estos días, otra voz
cuyo acento imitara el embate del mar contra tu cuerpo,
el reguero de gotas como una pupila multiplicada
sobre la sal inscrita de tu piel, sobre la piel escrita por la sal,
sobre la simple página que no espera a mis dedos
para mostrarse. Ven. La mañana es un largo balbuceo
de sí misma, un derroche de azul y de fulgores, un asombro
que no duda o remite en su afán de admirarse,
mientras la luz devora el aire y atraviesa las gaviotas
sobre el aplauso de las olas. Quisiera otro lenguaje
para hablar de la vida que esconde cada instante,
para hablar de tu voz sin que parezca mía, para hablar
de tu cuerpo que viene tuyo, maduro, con el ritmo
secreto de las aguas, del viento en los pinares, de la noche
que esconde toda luz, mientras cancelo la conciencia,
desnudo el pensamiento (te desnudo), mientras fijo el instante
al olvidarme de él, me abandono a la única certeza
que es no tener ninguna, mas desear tenerla,
junto a este mar antiguo que escribe y borra páginas
de un libro aun más antiguo, que es olas y es arena y es azul,
que entreveo únicamente cuando tú estás conmigo,
cuando tú, dura espuma, clara luz, permaneces.


Jordi Doce





Queria outra língua para falar destes dias, outra voz
cuja pronúncia imitasse o embate do mar no teu corpo,
o rasto de gotas como pupila multiplicada
no sal da tua pele, na pele do sal,
na página simples que não espera meus dedos
para mostrar-se. Vem. A manhã é um longo balbuceio
de si mesma, um mar de azul e de fulgores, um assombro
que não teme nem abranda em seu afã de admirar-se,
enquanto a luz devora o ar e atravessa as gaivotas
sobre o aplauso das ondas. Queria outra língua
para falar da vida que cada instante esconde,
para falar da tua voz sem parecer a minha, para falar
do teu corpo que aparece teu, maduro, com o ritmo
secreto das águas, do vento nos pinheiros, da noite
que esconde toda a luz, enquanto encerro a consciência,
e desnudo o pensamento (te desnudo), enquanto firmo o instante
ao esquecer-me dele, entrego-me à única certeza
que é não ter nenhuma, mas querer tê-la,
à beira deste mar antigo que escreve e apaga páginas
dum livro mais antigo ainda, ondas e areia e azul,
que só entrevejo quando tu estás comigo,
quando tu, dura espuma, clara luz, permaneces.


(Trad. A.M.)

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18.11.12

Fernando Namora (O Verão terminava)





O Verão terminava quase abruptamente.

Logo que a cidade, saída do letargo estival, se sacudia para cumprir o ciclo agitado das suas metamorfoses, as tardes tornavam-se breves e suaves, fundindo-se na neblina que, rasando o rio, anunciava a mudança de estação.

A vida ia começar.

E os dias velados traziam o sabor de coisas interrompidas pela lânguida e deserta flacidez do Verão.

A cidade ligara o seu destino a essa periódica revoada da juventude coincidindo com o Outono, e era pois no Outono que de todos os lugares desaguavam rios de febre, milhares de rapazes que vinham procurar os liceus e a Universidade e que, quando partiam de novo, aves de arribação, a deixavam uma vez mais suspensa e acabrunhada.



- FERNANDO NAMORA, Fogo na Noite Escura, 1.ª-XII.



(Fernando Namora-Fogo na noite escura-1943)


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Patricio Rascón (Pássaros)





PÁSSAROS



Os entiendo perfectamente
Enigmáticos pájaros libres
Que trináis antes de la madrugada

Me indicáis el camino
Me decís
Vamos ¿a qué esperas?
Lárgate
Escapa

Pero vosotros no me entendéis a mí
No comprendéis que yo
Soy un animal doméstico

Que perecería fuera de mi jaula


PATRICIO RASCÓN
Olvidar el olvido
Ed. Baile del Sol
(2012)


[Voces del extremo]




Entendo-vos perfeitamente
Enigmáticos pássaros livres
que trinais antes da madrugada


Indicais-me o caminho
Dizeis-me
Anda, que esperas?
Parte
Foge


Mas vós a mim não me entendeis
Não compreendeis que eu
Sou um animal doméstico


Que morreria fora da jaula


(Trad. A.M.)



>>  Ocurre mientras dormimos (blogue) / Riepa (página) / Facebook

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17.11.12

Jorge de Sena (De passarem aves)





DE PASSAREM AVES



Das aves passam as sombras,
um momento, no chão, perto de mim.
No tardo Verão que as trouxe e as demora,
por que beirais não sei
onde se abrigam piando
como ao passar chilreiam.


Um momento só. Rápidas voam!
E a vida em que regressam de outras terras
não é tão rápida: fiquei olhando
as sombras não, mas a memória delas,
das sombras não, mas de passarem aves.


Jorge de Sena


[Luz & sombra]


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16.11.12

Isabel Pérez Montalbán (Viviendas Fundación)



VIVIENDAS FUNDACIÓN BENÉFICO-SOCIAL
(Sector Sur, Córdoba, 1961-1965)
Arquitecto: Rafael de la Hoz



Teníamos un tiesto con claveles,
las coplas dedicadas por la radio
y un corazón de periferia
con vistas a la diáspora y al tizne.


Yo contaba dos años, tan blanca la memoria
que no recuerdo nada, pero he visto mi barrio
en una exposición de arquitectura
que muestra las vanguardias y el enjambre moderno.


La vivienda social era una huida
de los asentamientos marginales.
Así, pensando en los más pobres
y en nuestra natural inclinación
al revoltijo y a la bronca,
nos construyó el franquismo un polígono
de casas protegidas, de refugios al margen,
como nidos aislados de hipoteca.


En medio de un solar sin jardineras,
ni césped verde inglés ni toboganes,
se edificó una urdimbre de bloques tan idénticos,
con sus cubiertas de teja a dos aguas,
como idénticas jaulas de tristeza
para pájaros torpes o vidas que no logran
alzarse, y a ras de asfalto se mueven
con sus muros de carga paralelos.


Viviendas solidarias, dijeron los ministros.
No dijeron más dignas que nosotros,
criaturas sin modales ni costumbre,
casi bestias del campo a la intemperie.
Porque un techo no basta. Porque no hay dignidad
ni en la pobreza ni en el hambre.


Teníamos un cielo lapislázuli,
igual que en las películas.
Y un corazón a dos aguas de cauce turbulento,
y un corazón a dos lavas de volcán siciliano,
y un corazón a dos sangres fluyendo por los días.


Teníamos un arte de realismo puro:
fachadas de ladrillo visto,
polvaredas del natural,
secuencias al estilo de Vittorio de Sica.
Y un corazón al revés, a dos aguas.
Pero con una sola muerte.


Isabel Pérez Montalbán




Tínhamos um vaso de cravos,
os discos pedidos na rádio
e um coração de periferia
com vista para a diáspora e a fuligem.


Eu tinha dois anos, a memória tão branca
que não recordo nada, mas vi o meu bairro
numa exposição de arquitectura
sobre as vanguardas e o enxame moderno.


A vivenda social era uma fuga
das barracas marginais.
Donde, pensando nos mais pobres
e na nossa inclinação natural
para a revolta e a desordem,
o franquismo construiu-nos um polígono,
de casas protegidas, de refúgios à margem,
como ninhos isolados de hipoteca.


No meio de um lote sem jardins,
nem relvado inglês nem tobogãs,
edificou-se uma teia de blocos tão idênticos,
com seus telhados de duas águas,
como idênticas jaulas de tristeza
para pássaros torpes ou vidas que não conseguem
erguer-se e movem-se ao rés do asfalto
com seus muros de carga paralelos.


Vivendas solidárias, disseram os ministros.
Não disseram mais dignas do que nós,
criaturas sem modos nem tradição,
quase bestas do campo à intempérie.
Porque um tecto não basta. Porque não há dignidade
nem na fome nem na pobreza.


Tínhamos um céu lápis-lazuli
tal como nos filmes.
E um coração de duas águas de leito turbulento,
e um coração de duas lavas de vulcão da Sicília,
e um coração de dois sangues a escorrer pelos dias.


(Trad. A.M.)

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15.11.12

Ver (120)







(Robert Frank)

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Pablo García Casado (Rec)





REC



estás llamando al tres siete cuatro uno dos uno en este
momento no estoy en casa he cogido la maleta las llaves
del coche me voy por algún tiempo quizá para siempre

puedes hablar decir lo que nunca dijiste ahora que seguro
no voy a escucharte delante de tus labios tiene el teléfono
la soledad el silencio todo el silencio del mundo puedes hacerlo

una vez que suene la señal gracias_____________


PABLO GARCÍA CASADO
Las Afueras
(1997)


[Lugares Mal Situados]




ligaste para o três sete quatro um dois um neste
momento não estou em casa peguei na mala nas chaves
do carro vou-me embora por um tempo talvez para sempre

podes falar dizer o que nunca disseste agora que de certeza
não vou escutar diante de teus lábios tem o telefone
a solidão o silêncio todo o silêncio do mundo podes fazê-lo

depois de soar o sinal obrigado___________


(Trad. A.M.)

.

14.11.12

Valter Hugo Mãe (A importância absoluta)





A IMPORTÂNCIA ABSOLUTA DE ENCONTRAR UM AMIGO



no início o bruno era o
verbo, depois, veio do fundo
da paisagem e depositou-se em
movimento por toda a parte, apenas
a seguir se criaram os animais e
as plantas e toda a evolução das
espécies aconteceu


VALTER HUGO MÃE
Contabilidade
Poesia 1996-2010
Alfaguara (2010)

.

13.11.12

Pablo Casares (Agora)





AHORA



Ahora
que han acabado
las noches de júbilo,
las largas tardes apostado
tras el humo de un pitillo
observando cómo
se esfuman las horas;
la universidad y sus novias;
el coqueteo y el posterior
estertor de las drogas;

ahora
unos años después,
nos parapetamos en la normalidad
de un trabajo, de un hogar,
o tras el lánguido pentagrama
de un tema de Jimmy Scott.

Aun así, sentimos con toda certeza
que la ansiedad sigue latiendo en nosotros
como una pantera enjaulada:

Todavía alerta.
Todavía al acecho.


Pablo Casares


[El blog de Enrique Ortiz]




Agora
que acabaram
as noites de júbilo,
as longas tardes postado
atrás do fumo dum cigarro
a ver como
se esfumam as horas;
a universidade e suas noivas;
o engate e o posterior
estertor das drogas;

agora
passado uns anos,
debruçamo-nos na normalidade
de um trabalho, de um lar,
ou da pauta lânguida
dum tema de Jimmy Scott.

Mesmo assim, sentimos de certeza
que a ansiedade continua a pulsar em nós
como uma pantera enjaulada:

Ainda alerta.
Ainda à espreita.


(Trad. A.M.)

.

12.11.12

Fernando Namora (O vizinho Dr. Patarreca)





Era o vizinho Dr. Patarreca.

Um pobre tolo, gordo, imenso, que, na definição pitoresca dos estudantes que lhe conheciam a crónica, era “possivelmente o único médico da história a quem se pagava uma tença para não exercer a profissão”, visto que o Dr. Patarreca tinha sido reformado poucos anos depois de ter chegado à África, quando se verificou que uma inquietante percentagem dos negros da sua área eram inválidos.

Ele, de métodos drásticos, curava definitivamente uma chaga, uma entorse, um inocente furúnculo, de serrote em punho.

Nada mais eficaz para eliminar a raiz da doença do que uma amputação.



- FERNANDO NAMORA, Fogo na Noite Escura, 1.ª-XVIII.


.

Pedro Salinas (Serás, amor - II)





¿Serás, amor
un largo adiós que no se acaba?
Vivir, desde el principio, es separarse.
En el primer encuentro
con la luz, con los labios,
el corazón percibe la congoja
de tener que estar ciego y sólo un día.
Amor es el retraso milagroso
de su término mismo:
es prolongar el hecho mágico
de que uno y uno sean dos, en contra
de la primer condena de la vida.
Con los besos,
con la pena y el pecho se conquistan,
en afanosas lides, entre gozos
parecidos a juegos,
días, tierras, espacios fabulosos,
a la gran disyunción que está esperando,
hermana de la muerte o muerte misma.
Cada beso perfecto aparta el tiempo,
le echa hacia atrás, ensancha el mundo breve
donde puede besarse todavía.
Ni en el llegar, ni en el hallazgo
tiene el amor su cima:
es en la resistencia a separarse
en donde se le siente,
desnudo, altísimo, temblando.
Y la separación no es el momento
cuando brazos, o voces,
se despiden con señas materiales.
Es de antes, de después.
Si se estrechan las manos, si se abraza,
nunca es para apartarse,
es porque el alma ciegamente
siente
que la forma posible de estar juntos
es una despedida larga, clara.
Y que lo más seguro es el adiós.


Pedro Salinas




Serás, amor,
um longo adeus interminável?
Desde o início, viver é separar-se.
Ao primeiro encontro com a luz e os lábios,
o coração percebe a angústia
de um dia estar cego e só.
Amor é o milagre do protelar
do seu próprio termo:
é prolongar o facto mágico,
de um mais um serem dois, contra
a sentença primeira da vida.
Com beijos,
com a pena e o peito se conquistam,
em afanosas lides, entre gozos
parecidos com brincadeiras,
dias, terras, espaços fabulosos,
furtados à separação que nos espera,
irmã da morte ou a morte mesma.
Cada beijo perfeito afasta o tempo,
atira-o para trás, alarga o mundo breve
em que é permitido ainda beijar.
Não é na chegada ou na descoberta
que tem o amor o seu cume:
é na resistência à separação que o sentimos,
desnudo, altíssimo, a estremecer.
E a separação não é o instante
em que braços, ou vozes,
se despedem com gestos visíveis:
é antes, é depois.
Se estreitamos as mãos, se abraçamos,
não é por nos apartarmos,
mas porque a alma cegamente sente
que a forma possível de estar juntos
é uma despedida longa, clara.
E que o mais certo é o adeus.


(Trad. A.M.)


> 2.ª versão, partindo desta /1.ª/
e passando por esta /1.ª-A/ (J.E.Simões)

Comparar com esta /3.ª/ (José Bento, s.e.), só acessada depois

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10.11.12

Óscar Hahn (No túmulo do soldado desconhecido)





EN LA TUMBA DEL SOLDADO DESCONOCIDO



Con qué alegría marchan los hombres a la guerra
Con qué entusiasmo limpian y cargan sus fusiles
Con qué fervor cantan sus himnos de combate
Con qué ansiedad toman su puesto en la trinchera
Con qué inquietud oyen el ruido de las bombas
Con qué insistencia silban las balas en el aire
Con qué lentitud corre la sangre por su frente
Con qué estupor miran sus ojos el vacío
Con qué rigidez yacen sus cuerpos en el barro
Con qué premura son arrojados en la fosa
Con qué rapidez son olvidados para siempre


Óscar Hahn


[Hasta los gatos acaban por suicidarse]




Com que alegria marcham os homens para a guerra
Com que entusiasmo limpam e carregam espingardas
Com que fervor cantam hinos de combate
Com que ansiedade tomam lugar na trincheira
Com que inquietação ouvem o ruído das bombas
Com que insistência as balas assobiam pelo ar
Com que vagar lhes corre o sangue pela testa
Com que estupor seus olhos fitam o vazio
Com que rigidez jazem seus corpos na lama
Com que pressa são arrojados para a fossa
Com que rapidez são olvidados para sempre


(Trad. A.M.)

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9.11.12

Olhar (118)






(Campos de Coimbra)


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Oliverio Girondo (Tudo é amor)





TODO ES AMOR



Todo es amor, amor
No hay nada más que amor
En todas partes se encuentra amor
No se puede hablar mas que de amor.

Amor pasado por agua
Amor al portador
Amor a plazos
Amor analizable, analizado
Amor ultramarino
Amor ecuestre
Amor de cartón piedra
Amor con leche
Amor con una gran M
Con una M mayúscula
Chorreando de merengue
Cubierto de flores blancas.
Amor con sus accesorios,
Con sus repuestos,
Con sus faltas de puntualidad,
De ortografía
Con sus interrupciones cardíacas
Y telefónicas.

Amor que incendia el corazón de los orangutanes
De los bomberos
Amor que exalta el canto de las ranas
Bajo las ramas
Que arranca los botones
De los botines
Que se alimenta de encelo
Y ensalada.
Amor impostergable
Y amor impuesto
Amor incandescente
Y amor incauto
Amor indeformable
Amor desnudo
Amor, amor
Que es simplemente amor
¡Y nada más que amor!


Oliverio Girondo


[Marcelo Leites]




Tudo é amor, amor
não há nada mais que amor
em todo o lado se encontra amor
não se pode falar senão de amor.

Amor passado por água
amor ao portador
amor a prestações
amor analisável, analisado
amor ultramarino
amor equestre
amor de brincadeira
amor com leite
amor com um grande M
com M maiúsculo
pingando de merengue
coberto de flores brancas.

Amor com seus acessórios,
com suas reposições,
com suas faltas de pontualidade e
de ortografia
com suas paragens cardíacas
e telefónicas.

Amor que incendeia o coração dos orangotangos e
dos bombeiros
amor que exalta o canto das rãs
sob os ramos
que arranca os botões
do calçado
que se alimenta de ciúme
e salada.
Amor impostergável
e amor imposto
amor incandescente
e amor incauto
amor indeformável
amor nu
Amor, amor
que é simplesmente amor
e nada mais que amor!


(Trad. A.M.)

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7.11.12

Andrés Neuman (É como mergulhar)





Se parece a bucear, no tengas miedo.
Al fondo de las olas transparentes
hallarás más descanso que dolores.
Vibrarás en la nota de las aguas
y, como el diapasón de tu minuto,
podrás enumerar cada concepto.
Verás lo que no has hecho y sí deseaste
y eso perturbará la travesía.
Verás cuanto ofreciste o te ofrecieron
y todo volverá a dormir despacio
como el mar que te invade y se retira,
como el mar que se mueve y nunca pasa.


Andrés Neuman


[Marcelo Leites]




É como mergulhar, não tenhas medo.
No fundo das ondas transparentes
acharás mais descanso do que dores.
Vibrarás na toada das águas e,
tal como o diapasão do teu minuto,
poderás enumerar cada conceito.
Verás o que não fizeste e, se o desejaste,
isso há-de perturbar a travessia.
Verás quanto deste ou te deram a ti
e tudo adormecerá devagar,
como o mar que te invade e se retira,
como o mar que se move e nunca passa.


(Trad. A.M.)



>> Andres Neuman (sítio: tudo+algo) / Andres Neuman (blogue) / Facebook (pag/fan) / Wikipedia / Revolver Cali (10p)


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6.11.12

Ver (119)








"When people look at my pictures I want them to feel the way they do when they want to read a line of a poem twice."

- Robert Frank, Life (26 November 1951), p. 21



(Robert Frank)

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Octavio Paz (Destino do poeta)





DESTINO DEL POETA



¿Palabras? Sí, de aire,
y en el aire perdidas.

Déjame que me pierda entre palabras,
déjame ser el aire en unos labios,
un soplo vagabundo sin contornos
que el aire desvanece.

También la luz en sí misma se pierde.


Octavio Paz




Palavras? Sim, de ar,
e perdidas no ar.

Deixa-me perder no meio de palavras,
deixa-me ser o ar entre os lábios,
um sopro errante sem contornos
que se desvanece no ar.

Também a luz em si mesma se perde.


(Trad. A.M.)

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5.11.12

Pedro Mexia (As gavetas)





AS GAVETAS




Não deves abrir as gavetas
fechadas: por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio que tu.
Há um mês ou um século, não importa.


Pedro Mexia



[Poedia]

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4.11.12

Nicanor Parra (Epitáfio)





EPITAFIO



De estatura mediana,
Con una voz ni delgada ni gruesa
Hijo mayor de un profesor primario
Y de una modista de trastienda;
Flaco de nacimiento
Aunque devoto de la buena mesa;
De mejillas escuálidas
Y de más bien abundantes orejas;
Con un rostro cuadrado
En que los ojos se abren apenas
Y una nariz de boxeador mulato
Baja a la boca de ídolo azteca
- Todo esto bañado
Por una luz entre irónica y pérfida -
Ni muy listo ni tonto de remate
Fui lo que fui: una mezcla
De vinagre y aceite de comer
¡Un embutido de ángel y bestia!


Nicanor Parra




Meão de estatura,
com voz nem fina nem grossa,
filho primeiro de um professor
e de uma modista caseira;
magro de nascença,
mas devoto da boa mesa;
de face esquálida,
mas com orelhas avantajadas;
com um rosto quadrado
em que mal se lhe abrem os olhos,
e um nariz de pugilista mulato,
descida a boca de ídolo azteca
- tudo isto banhado
por uma luz entre irónica e pérfida -
nem muito sagaz nem tonto acabado.
Fui o que fui, uma mistura
de azeite e vinagre,
um enchido de anjo e de besta.


(Trad. A.M.)


>  Outra versão: Antologia do esquecimento (HMBF)

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3.11.12

Um verso (111)




Um verso de Sena
(às vezes sai sena, repetido, já sabemos):




A carne espera, incerta, mas tranquila




Jorge de Sena

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Miriam Reyes (Quando muito)





A lo mejor era tu cuerpo
lo que me unía a ti
y no algo más abstracto.

A lo mejor imaginé todo lo demás.


Miriam Reyes


[Emma Gunst]





Quando muito era o teu corpo
o que a ti me prendia
e não algo mais abstracto.

Quando muito
imaginei tudo o resto.


(Trad. A.M.)

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2.11.12

Paulo Leminski (M de memória)





M. DE MEMÓRIA



Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.


Paulo Leminski

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1.11.12

Carlos Marzal (A febre)





LA FIEBRE



Fue demasiado tarde desde siempre.
La bala de tu muerte está en camino.
No te ilumina el sol que te ilumina.
Ya has vuelto de los viajes no emprendidos.
Principio y fin están igual de lejos.
El orden y el desorden son lo mismo.
Debajo de la tierra sientes vértigo.
Esta calle te lleva a ningún sitio.
De lo que nunca has hecho tienen pruebas.
La fiebre es un certero sinsentido.

Anochece. Es de día. Y todo esto
otros, mucho mejor, ya lo han escrito.


Carlos Marzal


[O melhor amigo]





Foi sempre demasiado tarde.
Está a caminho a bala da tua morte.
Não te alumia o sol que te alumia.
Estás de regresso das viagens que não fizeste.
Princípio e fim estão à mesma longe.
Ordem e desordem são a mesma coisa.
Debaixo da terra sentes vertigens.
Esta rua conduz-te a lado nenhum.
Do que jamais fizeste existem provas.
Um absurdo certeiro, eis a febre.

Anoitece. É de dia. E isto tudo,
muito melhor, outros já o disseram.


(Trad. A.M.)

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