24.7.23

Manuel António Pina (Carta a Mário Cesariny)




CARTA A MÁRIO CESARINY NO DIA DA SUA MORTE 

 

Hoje soube-se uma coisa extraordinária,
que morreste. Talvez já to tenham dito,
embora o caso verdadeiramente não
te diga respeito, e seja assunto nosso, vivo. 

Algo, de facto, deve ter acontecido
porque nada acontece, a não ser o costume,
amor e estrume; quanto ao resto
tudo prossegue de acordo com o Plano. 

Há apenas agora um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável. 

Depois, de gato para baixo, mortos
(lembrei-me disto de repente
agora que voltaste malevolamente a ti)
estamos todos. A gente vê-se um dia destes por Aí.
 

Manuel António Pina

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