31.7.23

Federico Gallego Ripoll (Minha sombra)




MI SOMBRA

 

Dudó mi sombra y eligió seguirte,
¿qué podía yo hacer sino seguirla a ella?
Un hombre sin su sombra poco respeto infunde.
No es alguien de fiar quien no lleva bolsillos,
ni envés, ni torcedura
de gesto, ni sombra 
en que se aquieten las palabras más tiernas. 
Yo cruzaba la plaza como quien cruza un río,
no quería quererte:
nunca estuvo en mis planes; fue mi sombra
quien decidió.
Pídele a ella cuentas
de por qué ya no dudo,
y la sigo dichoso para seguirte a ti.
 

Federico Gallego Ripoll

 

  

Minha sombra hesitou e resolveu seguir-te,
que podia eu fazer senão segui-la a ela?
Um homem sem sombra não infunde respeito.
Nem é de fiar quem não tem bolsos,
nem avesso, nem gesto
requebrado, nem sombra
em que se abriguem as palavras mais ternas.
Eu atravessava a praça como quem atravessa um rio,
não queria querer-te,
nunca esteve nos meus planos, foi minha sombra
que decidiu.
Pede-lhe contas a ela
de eu já não hesitar
e ditoso segui-la para te seguir a ti.


(Trad. A.M.)

.

29.7.23

Billy Collins (Sem tempo)




SEM TEMPO 

 

Com pressa na manhã deste dia de trabalho,
buzino ao passar veloz pelo cemitério
onde os meus pais estão sepultados
lado a lado sob uma laje de granito liso. 

Depois, o dia todo, penso nele a erguer-se
para me deitar aquele olhar
de sábia reprovação 
enquanto calmamente a minha mãe lhe diz para se voltar a deitar.
 

Billy Collins 

(por fjcc)

 .

27.7.23

Federico García Lorca (Romance sonâmbulo)




ROMANCE SONAMBULO

 

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
¿Pero quién vendra? ¿Y por dónde...?
Ella sigue en su baranda,
Verde carne, pelo verde,
soñando en la mar amarga.

—Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo per su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los puertos de Cabra.
—Si yo pudiera, mocito,
este trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
—Compadre, quiero morir
decentemente en mi cama.
De acero, si puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
—Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
—Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas;
¡dejadme subir!, dejadme,
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.

Ya suben los dos compadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal
herían la madrugada.

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo viento dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
¡Compadre! ¿Donde está, díme?
¿Donde está tu niña amarga?
¡Cuántas veces te esperó!
¡Cuántas veces te esperara,
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el água.
La noche se puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.


Federico García Lorca

 

 

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramos.
O navio sobre o mar,
o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cinta
ela sonha na varanda,
verde carne, trança verde,
uns olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
À luz da lua cigana,
as coisas olham para ela
e ela não pode olhá-las.

Verde que te quero verde.
As estrelas do orvalho
vêm com o peixe de sombra
abrindo o caminho da aurora.
A figueira açoita o vento
com a lixa de seus ramos
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras bravas.
Mas quem virá? E por onde?...
Ela lá está na varanda,
verde carne, trança verde,
sonhando com o mar amargo.
 

- Compadre, eu quero trocar
o cavalo por tua casa,
meu arreio por teu espelho,
meu punhal por tua manta.
Compadre, eu venho a sangrar
lá desde a portela de Cabra.
- Ah, pudesse eu, meu mocinho,
e fechávamos contrato.
Mas eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
- Compadre, eu quero morrer,
com decência, em minha cama.
De ferro, podendo ser,
e com lençóis de cambraia.
Estás a ver a ferida aberta
que eu tenho do peito à garganta?
- Trezentas rosas morenas
tens na tua camisa branca;
e teu sangue ressuma e cheira
à volta da tua faixa.
Mas eu não sou já eu,
nem a casa é minha casa.
-Deixai-me subir ao menos
até às altas varandas,
deixai-me subir, deixai,
até às verdes varandas.
Parapeitos da lua,
donde a água retumba.

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rasto de sangue,
deixando um rasto de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramos.
Os dois compadres subiram,
o longo vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, diz-me,
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
cara fresca, negras tranças,
aqui na verde varanda!
 

Sobre a boca da cisterna
balançava-se a cigana.
Verde carne, trança verde,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
a mantém à tona de água.
A noite pôs-se tão íntima
como uma pequena praça.
E guardas borrachos lá fora
davam pancadas na porta.
Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramos.
O navio sobre o mar,
e o cavalo na montanha.


(Trad. A.M.)

 .

26.7.23

Fabio Morábito (Os cães ladram)

 



Los perros ladran a lo lejos.
Junto con ellos soy
el único sin sueño en el planeta.
Me ladran a mí,
despiertos por mi culpa.      
Mi estar despierto los encoleriza                                  
y su cólera me espanta.                       
Somos los únicos                                 
que no dudan                                        
de la redondez de la tierra.                  
 Los otros, los dormidos,
han renegado de Copérnico,
por esta única vez
se han reclinado sobre un mundo plano.
Por esta única vez, todas las noches,
y así amanecen,
creyendo que la tierra no da giros
y ellos se han dormido en sus laureles.
No pueden conciliar el sueño
sobre una superficie triste,
sobre un planeta equis.
Mejor oír ladrar los perros
que amanecer neolíticos.                    
Más vale no pegar el ojo
que claudicar del universo.


Fabio Morábito 

 

Os cães ladram ao longe.
A par deles sou
o único sem sono do planeta.
Ladram para mim,
despertos por culpa minha.
O meu estar desperto
irrita-os
e a sua cólera espanta-me.
Somos os únicos
a não duvidar
de que a terra é redonda.
Os outros, os que dormem,
renegaram Copérnico,
reclinando-se por agora
sobre um mundo plano.
Por agora, como todas as noites,
e assim amanhecem,
crendo que a terra não gira
e eles descansando sobre os louros.
Não conseguem conciliar o sono
sobre uma superfície triste,
num planeta xis.
Antes ouvir os cães a ladrar
que amanhecer neolíticos.
Mais vale não pregar olho
do que claudicar do universo.


(Trad. A.M.)

.

24.7.23

Manuel António Pina (Carta a Mário Cesariny)




CARTA A MÁRIO CESARINY NO DIA DA SUA MORTE 

 

Hoje soube-se uma coisa extraordinária,
que morreste. Talvez já to tenham dito,
embora o caso verdadeiramente não
te diga respeito, e seja assunto nosso, vivo. 

Algo, de facto, deve ter acontecido
porque nada acontece, a não ser o costume,
amor e estrume; quanto ao resto
tudo prossegue de acordo com o Plano. 

Há apenas agora um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável. 

Depois, de gato para baixo, mortos
(lembrei-me disto de repente
agora que voltaste malevolamente a ti)
estamos todos. A gente vê-se um dia destes por Aí.
 

Manuel António Pina

 .

22.7.23

Fabián Casas (Música)





MÚSICA 

 

Mi tía concilia el sueño a los ochenta años
escuchando viejas canciones en su radio portátil.
En su pieza, en lo oscuro,
el éter se ha transformado en algo vital.
Supongo que estas cosas pasan
y me pasarán también a mí.
Sobre el final de la vida
la única música que existe
está fuera de nosotros.
 

Fabián Casas 

 

Minha tia concilia o sono aos oitenta anos
escutando velhas canções num rádio portátil.
No quarto, no escuro,
o éter transformou-se em algo vital.
Suponho que estas coisas acontecem
e hão-de acontecer-me também a mim.
Sobre o final da vida
a única música que existe
está fora de nós.


(Trad. A.M.)

 .

21.7.23

Estela Figueroa (Florência sai de casa)




FLORENCIA SE VA DE CASA



Lloré en silencio.
Luego en voz alta
pero sin lágrimas.
Grave error: ante los abandonos
no hay que mendigar
hay que mostrarse magnánimo.
Cuando la pequeña terminó de acomodar su ropa
y deslizó el cierre del bolso
sentí que me cerraba la garganta
y que todas mis acciones serían vanas
estúpidas.


Estela Figueroa

 

Pus-me a chorar em silêncio,
depois alto, mas sem lágrimas.
Erro grave, perante o abandono
não há que mendigar, antes
dar mostras de magnânimo.
Quando a pequena acabou de arrumar a roupa
e correu o fecho do saco,
senti apertar a garganta
e que qualquer gesto da minha parte
seria estúpido e em vão.


(Trad. A.M.)

.

19.7.23

Rui Pires Cabral (Qual é a tua razão de ser)

 



QUAL É A TUA RAZÃO DE SER?

 

À vinda do supermercado
 diz-me o pequeno monstro
que às vezes me faz companhia:
 «E qual é a tua razão de ser?»

 Na rua, a tarde rola devagar
entre prédios murchos — e ele
 acrescenta: «Não me digas
que são os versos.»

 E ri-se .

 Rui Pires Cabral

.

17.7.23

Antonio Gala (Inimigo íntimo)




ENEMIGO ÍNTIMO

 

Hay tardes en que todo
huele a enebro quemado
y a tierra prometida.
Tardes en que está cerca el mar y se oye
la voz que dice: “Ven”.
ero algo nos retiene todavía
junto a los otros: el amor, el verbo
transitivo, con su pequeña garrad
de lobezno o su esperanza apenas.
No ha llegado el momento. La partida
no puede improvisarse, porque sólo
al final de una savia prolongada,
de una pausada sangre,
brota la espiga desde
la simiente enterrada. 

En esas largas
tardes en que se toca casi el mar
y su música, un poco
más y nos bastaría
cerrar los ojos para morir. Viene
de abajo la llamada, del lugar
donde se desmorona la apariencia
del fruto y sólo queda su dulzor.
Pero hemos de aguardar
un tiempo aún: más labios, más caricias,
el amor otra vez, la misma, porque
la vida y el amor transcurren juntos
o son quizá una sola
enfermedad mortal. 

Hay tardes de domingo en que se sabe
que algo está consumándose entre el cálido
alborozo del mundo,
y en las que recostar sobre la hierba
la cabeza no es más que un tibio ensayo
de la muerte. Y está
bien todo entonces, y se ordena todo,
y una firme alegría nos inunda
de abril seguro. Vuelven
las estrellas el rostro hacia nosotros
para la despedida.
Dispone un hueco exacto
la tierra. Se percibe
el pulso azul del mar. “Esto era aquello”.
Con esmero el olvido ha principiado
su menuda tarea... 

Y de repente
busca una boca nuestra boca, y unas
manos oprimen nuestras manos y hay
una amorosa voz
que nos dice: “Despierta.
Estoy yo aquí. Levántate”. Y vivimos.
 

Antonio Gala

[Poetas andaluces] 

 

Há tardes em que tudo
cheira a Janeiro queimado
e a terra prometida.
Tardes em que o mar está perto e uma voz
se ouve, a dizer: Vem.
Mas algo nos retém ainda
junto aos outros: o amor, o verbo
transitivo, com sua garra de lobato
ou sua esperança apenas.
Não é chegado o momento. A partida
não pode improvisar-se, porque só
no fim de uma seiva prolongada,
de um pausado sangue, a espiga
brota da semente enterrada.

Nessas longas tardes
em que se toca quase o mar
e a sua música, um pouco mais
e bastaria fechar os olhos para morrer.
Vem de baixo a chamada, do lugar
onde se desmorona a aparência
do fruto e fica só o seu doce.
Mas temos de aguardar
um tempo ainda, mais lábios, mais carícias,
o amor outra vez, a mesma, porque
vida e amor transcorrem juntos
ou são talvez
uma só doença mortal.

Há tardes de domingo em que se sabe
estar-se algo consumando no cálido
alvoroço do mundo,
em que recostar a cabeça na erva
não é mais do que um tíbio ensaio da morte. E está
bem tudo então, tudo em ordem
e uma alegria nos inunda
de Abril seguro. Voltam as estrelas
o rosto para nós, a despedir-se.
Oferece um lugar exacto,
a terra. Sente-se
o pulso azul do mar. ‘Isto era aquilo’.
Esmerado, o olvido começou
sua mesquinha tarefa…

E de repente
busca uma boca nossa boca, e umas
mãos estreitam nossas mãos e há
uma amorosa voz
a dizer-nos: ‘Desperta,
estou aqui, eu. Levanta-te’.
E lá vamos, nós.


(Trad. A.M.)

.

16.7.23

José Agustín Goytisolo (Não tem rosto)

 



NÃO TEM ROSTO

 

A ingenuidade nunca foi um dom
que tivesses. Diante do café
e dos jornais do dia,
desconfias das palavras
que escondem vários sentidos,
duvidas ao ler Democracia
pois recordas que viste muitas
e todas eram diferentes
e nenhuma te convencia.
Liberdade, para o extermínio?
Igualdade, só na miséria?
Fraternidade, quem é teu irmão?
Pela rua rostos perdidos,
estamos todos condenados,
e o verdugo não tem rosto.


José Agustín Goytisolo

(Trad. A.M.)

.

14.7.23

Billy Collins (Introdução à poesia)





INTRODUCTION TO POETRY

 

I ask them to take a poem
and hold it up to the light
like a color slide

or press an ear against its hive.

I say drop a mouse into a poem
and watch him probe his way out,

or walk inside the poem's room
and feel the walls for a light switch.

I want them to waterski
across the surface of a poem
waving at the author's name on the shore.

But all they want to do
is tie the poem to a chair with rope
and torture a confession out of it.

They begin beating it with a hose
to find out what it really means.

Billy Collins

 

Peço-lhes para pegarem num poema
e o segurarem à luz
como um slide colorido 

ou encostarem o ouvido à sua colmeia. 

Digo-lhes soltem um rato num poema
e vejam-no a procurar a saída 

ou andem dentro do espaço do poema
e apalpem as paredes à procura de um interruptor. 

Quero que esquiem
na superfície de um poema
e acenem ao nome do autor na margem. 

Mas o que eles querem fazer 
é amarrar o poema a uma cadeira com uma corda
e torturando obter uma confissão. 

Começam a dar-lhe com uma mangueira
para descobrirem o que realmente quer dizer.
 

(por fjcc)

 

>>  Poetry foundation (107p) / Poem hunter (52p)
.


12.7.23

Ernesto Pérez Vallejo (Muitas vezes)




Muchas veces todavía nos duelen
aquellos trenes que pasaron de largo.
Y nos quejamos en silencio de nuestra suerte.
Otras ya en el interior del vagón
maldecimos al reloj
por haber llegado a tiempo a sus raíles.

Los que no sabemos ser felices,
lo único que necesitamos
es un culpable.

Ernesto Pérez Vallejo

 

Muitas veces ainda nos doem
aqueles trens que passaram ao largo.
E queixamo-nos da sorte, em silêncio.
Outras, já dentro do vagão,
maldizemos o relógio
por termos chegado a tempo aos carris.

Nós, que não sabemos ser felizes,
só precisamos
é de um culpado.


(Trad. A.M.)

.

11.7.23

Mario Montalbetti (Objecto e fim do poema)




OBJETO Y FIN DEL POEMA

 

Es de noche y tiene que aterrizar
antes de que se acabe el combustible.
Así terminan todos sus poemas,
tratando de expresar con un lenguaje
público un sentimiento privado.

Su ambición es el lenguaje del piloto
hablándole a los pasajeros
en medio de una situación desesperada:
parte engaño, parte esperanza, parte verdad.

Todos los poemas terminan igual.
Hechos pedazos contra un cerro obscuro
que no estaba en las cartas.

Luego hayan los restos: el fuselaje,
la cola como siempre, intacta,
el olor a cosa quemada consumida por el fuego.

Pero ninguna palabra sobrevive.

Mario Montalbetti 

 

É noite e tem de aterrar
antes de acabar o combustível.
Assim lhe terminam rodos os poemas,
tratando de expressar com uma linguagem
pública um sentimento privado.

A sua ambição é a linguagem do piloto
a falar aos passageiros
a meio de uma situação desesperada:
parte engano, parte esperança, parte verdade.

Todos os poemas terminam igual,
feitos em pedaços contra um cerro escuro
que não estava nas cartas.

Depois sobram os restos, a fuselagem,
a cauda como sempre, intacta,
o cheiro a queimado de coisa ardida.

Mas nenhuma palavra sobrevive.


(Trad. A.M.)

.

9.7.23

Manuel Alegre (As mãos)

 



AS MÃOS



Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.


Manuel Alegre

.

7.7.23

Eloy Sánchez Rosillo (Cheguei, quando)




Llegué cuando acababa de morir,
y era un misterio
ver tan de cerca la muerte
en aquel cuerpo amado.
Aún conservaba
el calor de la vida,
y puse yo mis labios
sobre su rostro inmóvil.
Al besarla,
pude atisbar en ella
y escuchar todavía
unas puertas cerrándose,
y un viento que de súbito arrasaba
la casa de amor y no sé que despojos
de mi niñez remota.

Eloy Sánchez Rosillo

[Sureando]

 

Cheguei, quando acabava de morrer
e era um mistério
ver tão de perto a morte
naquele corpo amado.
Conservava ainda
o calor da vida
e eu pus os lábios
no seu rosto imóvel.
Ao beijá-la,
pude vislumbrar nela
e escutar ainda
umas portas a fechar-se,
e um vento de repente arrasando
a casa de amor e não sei que despojos
da minha infância remota.


(Trad. A.M.)

.

6.7.23

José María Zonta (Não entres como turista)




No entres como turista en el corazón de una mujer

haciendo fotos
dejando latas de cerveza
buscando sólo catedrales inmensas
y estatuas transparentes

con la mochila llena de mapas
y haciendo comidas rápidas

hay un país
siete ciudades
una cordillera y un invierno
en el corazón de mujer

no bebas sólo un vaso de mar allí

no entres en avión
toma el tren de media luna

no reveles allí tus fotos en una hora

si no hace demasiado frío entra desnudo

no lleves paraguas

y sobre todo no tales árboles en el corazón de una mujer

no acostumbran volver a crecer.
 

José María Zonta

 

Não entres como turista no coração de uma mulher

a bater fotos
a deixar latas de cerveja
buscando só imensas catedrais
e estátuas transparentes

com a mochila cheia de mapas
e fazendo refeições ligeiras

há um país
sete cidades
uma cordilheira e um inverno
no coração duma mulher

não bebas aí só um copo de mar

não entres no avião
toma o comboio da meia-lua

não reveles ali tuas fotos na hora

entra nu se não fizer muito frio

não leves chapéu-de-chuva

e sobretudo não cortes árvores no coração duma mulher

não costumam voltar a crescer.


(Trad. A.M.)

.

4.7.23

Luís Veiga Leitão (A manhã é uma concha)




A manhã é uma concha de água azul,
onde o sol mergulha e flutua. 

 

Luís Veiga Leitão

.

2.7.23

Efraín Huerta (Machadiana)




MACHADIANA 

 

La
Primavera
Se ha
Venido

        Nadie
        Sabe
        Como
        Ha
        Sido

Efraín Huerta 

 

A Primavera
chegou

    Ninguém
    sabe
    como
    foi


(Trad. A.M.)

.

1.7.23

Antonio Gala (Passa-me hoje o amor)




Hoy me pasa el amor de parte a parte.
Temo encontrarte y no reconocerte.
Temo extender la mano y no tocarte.
Temo girar los ojos y no verte.
Temo gritar tu nombre y no nombrarte...
Temo estar caminando por la muerte.

Antonio Gala



Passa-me hoje o amor de parte a parte, 
temo encontrar-te e não te reconhecer,
estender a mão e não te tocar,
voltar os olhos e não te ver,
gritar teu nome e não te nomear.
Temo estar caminhando pela morte.

(Trad. A.M.)

 .