MALTA
REVISITADA
Eu podia
falar de muitas terras. Escolho Malta.
A ela
torno meus passos afluentes.
Percorro
a quelha única, observo
um homem
lavrando em falso na encosta defronte.
Converso
com um velho. Agita no ar uma mão seca
– um
trôpego utensílio –
e
explica resignado por que Malta é pequena,
as casas
negras e o chão de lama.
Examino
o adro tosco, o túmulo da lenda.
Imagino
cobra e homem coabitando
– em
tempos muito antigos, quando Malta
nunca se
envergonhava da sua pequenez.
Entro à
capela, passo-lhe em revista
os
temidos carcomidos santos,
as
gratas tábuas de milagres, os livros
do
culto, com cheiro a rato e a sacristia;
Maravilho-me
da arte elementar
que
pintou tais anjos, tais demónios,
e dos
excessivos azulejos
que de importuna
cor vibram no ar fechado.
Visto a
escola, com prévio arrepio. Tenho que subir
a um
pardieiro nu e perfurado.
No
quadro em férias, uns restos de deveres.
Sobre a
mesa da mestra, um cachecol.
Das
crianças, sinais certos, comoventes:
uma
folha rasgada, uma lousa, um nome na carteira...
Ali
detêm seus lugares seis crianças:
seis
bichos sonhadores seu tempo hipotecado.
Malta!
Que força gregária em ti existe,
para com
laço tenacíssimo prenderes
duas
dúzias de longínquos corações?
Que
força, que prisão é essa que
também a
mim sitia e desatina?
Revisito
Malta e é como visitar
um tão
casto lugar como uma furna,
impassível
de presente e de futuro,
um lugar
bom para morrer em combate,
um lugar
mau para estar de olhos abertos,
oh!
nunca um neutro lugar para conhecer
– um
trágico lugar.
Abandono
Malta refeito até à mágoa,
deixo-a
intacta e preta em seu lugar,
comovo-me
ao volante de um TS.
(Que
juros cobrou Malta da minha comoção?)
A. M.
Pires Cabral