19.2.22

Juan Gelman (Eu também escrevo contos)




YO TAMBIÉN ESCRIBO CUENTOS

 

había una vez un poeta portugués
tenía cuatro poetas adentro y vivía muy preocupado
trabajaba en la administración pública y dónde se vio
que un empleado público de portugal
gane para alimentar cuatro bocas 

cada noche pasaba lista a sus poetas incluyéndose a sí mismo
uno estiraba la mano por la ventana y le caían astros allí
otro escribía cartas al sur qué están haciendo del sur
decía

de mi uruguay
decía
el otro se convirtió en un barco que amó a los marineros
esto es bello porque no todos los barcos hacen así
hay barcos que prefieren mirar por el ojo de buey 

hay barcos que se hunden
dios camina afligido por el fenómeno ése
es que no todos los barcos se parecen a los poetas del portugués
salían del mar y se secaban los huesitos al sol 

cantando la canción de tus pechos
amada
cantaban que tus pechos llegaron una tarde con
una escolta de horizontes
eso cantaban los poetas del portugués para decir que te amo
antes de separarse
tender la mano al cielo
escribir cartas al uruguay

que mañana van a llegar
mañana van a llegar las cartas del portugués y barrerán la tristeza
mañana va a llegar el barco del portugués al puerto de montevideo
siempre supo que entraba en ese puerto y se volvía más hermoso 

como los cuatro poetas del portugués cuando se preocupaban
todos juntos por el hombre de la tabaquería de enfrente
el animal de sueños del hombre de la tabaquería de enfrente
galopando con como josé gervasio de artigas por el hambre mundial

el portugués tenía cuatro poetas mirando al sur
al norte
al muro
al cielo les daba a todos de comer con el sueldo del alma
él se ganaba el sueldo en la administración del país público
y también mirando el mar que va de lisboa al uruguay
Yo siempre estoy olvidando cosas
una vez me olvidé un ojo en la mitad de una mujer
otra vez me olvidé una mujer en la mitad de portugués
me olvidé el nombre del poeta portugués

de lo que no me olvido es de su barco navegando hacia el sur
de su manita llena de astros
golpeando contra la furia del mundo
con el hombre de enfrente en la mano.

Juan Gelman



Era uma vez um poeta português /
tinha quatro poetas lá dentro e vivia muito preocupado /
trabalhava na administração pública e onde
é que se viu um funcionário público de portugal ganhar para alimentar
[quatro bocas /

todas as noites fazia a chamada aos seus poetas incluindo-se a si mesmo
um estendia a mão pela janela e caíam-lhe astros /
outro escrevia cartas ao sul /
que estão a fazer do sul / dizia ele / 

do meu uruguai / dizia / o outro
transformou-se num barco que amou os marinheiros /
isto é belo porque nem todos os barcos fazem isso /
há barcos que preferem espreitar pela vigia / 

há barcos que se afundam /
Deus caminha aflito com um fenômeno assim /
é que nem todos os barcos se parecem com os poetas do português /
saíam do mar e secavam os ossinhos ao sol / 

cantando a canção dos teus seios / amada /
cantavam que os teus seios chegaram uma tarde com um cortejo
[de horizontes
assim cantavam os poetas do português para dizer que te amo /
antes de se deixarem / estenderem a mão para o céu / escreverem cartas
[ao uruguai

que vão chegar amanhã /
amanhã vão chegar as cartas do português e varrerão a tristeza /
amanhã vai chegar o barco do português ao porto de montevideu /
sempre soube que entraria nesse porto e ficaria mais belo / 

como os quatro poetas do português
quando juntos se preocupavam com o homem da tabacaria da frente /
o animal de sonhos do homem da tabacaria da frente /
galopando como don josé gervasio de artigas através da fome no mundo/ 

o português tinha quatro poetas a olhar para o sul / para o norte / para
[o muro / para o céu
a todos dava de comer com o salário da alma /
ganhava o ordenado na administração do país público /
e também a olhar para o mar que vai de lisboa ao uruguai / 

estou sempre a esquecer-me de coisas /
uma vez esqueci-me de um olho na metade de uma mulher
de outra esqueci-me de uma mulher na metade do português /
esqueci-me do nome do poeta português / 

do que não me esqueço é do seu barco rumo ao sul /
da sua mãozinha cheia de astros /
investindo contra a fúria do mundo / com
o homem da frente na mão


(Trad. rev. A.L. Amaral)

 

[Canal de poesia]

 .