27.2.22

Pier Paolo Pasolini (Versos do testamento)




VERSI DEL TESTAMENTO

 

Solitudine: bisogna essere molto forti
per amare la solitudine; bisogna avere buone gambe
e una resistenza fuori dal comune; non si deve rischiare
raffreddore, influenza e mal di gola; non si devono temere
rapinatori o assassini; se tocca camminare
per tutto il pomeriggio o magari per tutta la sera
bisogna saperlo fare senza accorgersene; da sedersi non c’è;
specie d’inverno; col vento che tira sull’erba bagnata,
e coi pietroni tra l’immondizia umidi e fangosi;
non c’è proprio nessun conforto, su ciò non c’è dubbio,
oltre a quello di avere davanti tutto un giorno e una notte
senza doveri o limiti di qualsiasi genere.
Il sesso è un pretesto. Per quanti siano gli incontri
- e anche d’inverno, per le strade abbandonate al vento,
tra le distese d’immondizia contro i palazzi lontani,
essi sono molti – non sono che momenti della solitudine;
più caldo e vivo è il corpo gentile
che unge di seme e se ne va,
più freddo e mortale è intorno il diletto deserto;
è esso che riempie di gioia, come un vento miracoloso,
non il sorriso innocente, o la torbida prepotenza
di chi poi se ne va; egli si porta dietro una giovinezza
enormemente giovane; e in questo è disumano,
perché non lascia tracce, o meglio, lascia solo una traccia
che è sempre la stessa in tutte le stagioni.
Un ragazzo ai suoi primi amori
altro non è che la fecondità del mondo.
E’ il mondo così arriva con lui; appare e scompare,
come una forma che muta. Restano intatte tutte le cose,
e tu potrai percorrere mezza città, non lo ritroverai più;
l’atto è compiuto, la sua ripetizione è un rito. Dunque
la solitudine è ancora più grande se una folla intera
attende il suo turno: cresce infatti il numero delle sparizioni –
l’andarsene è fuggire – e il seguente incombe sul presente
come un dovere, un sacrificio da compiere alla voglia di morte.
Invecchiando, però, la stanchezza comincia a farsi sentire,
specie nel momento in cui è appena passata l’ora di cena,
e per te non è mutato niente: allora per un soffio non urli o piangi;
e ciò sarebbe enorme se non fosse appunto solo stanchezza,
e forse un po’ di fame. Enorme, perché vorrebbe dire
che il tuo desiderio di solitudine non potrebbe essere più soddisfatto
e allora cosa ti aspetta, se ciò che non è considerato solitudine
è la solitudine vera, quella che non puoi accettare?
Non c’é cena o pranzo o soddisfazione del mondo,
che valga una camminata senza fine per le strade povere
dove bisogna essere disgraziati e forti, fratelli dei cani.

PIER PAOLO PASOLINI
Trasumanar e organizzar
(1971)

[Enfermaria 6]

 

 

Solidão: é preciso ser muito forte
para amar a solidão; é preciso ter boas pernas
e uma resistência fora do comum; não se deve arriscar
uma constipação, uma gripe ou dor de garganta; não se deve temer
ladrões ou assassinos; se toca a caminhar
toda a tarde ou mesmo toda a noite
é preciso sabê-lo fazer sem esforço; nada de sentar;
especialmente de inverno, com o vento que sopra sobre a erva molhada,
e as pedras com lama e humidade no meio do lixo;
não há o mínimo de conforto, já se sabe,
para além de se ter por diante o dia todo e a noite
sem quaisquer deveres ou limites.
O sexo é um pretexto. Por muitos que sejam os encontros
- e são, mesmo de inverno, pelos caminhos expostos ao vento,
entre os montes de lixo ao pé das casas -  são apenas momentos de solidão;
mais quente e vivo é o corpo gentil
que deixa o sémen e vai-se embora,
mais frio e mortal é o bem-amado deserto em redor;
é este que nos enche de alegria, tal como um vento milagroso,
não o sorriso inocente, ou a turva prepotência
de quem depois se vai embora; ele leva atrás de si
uma juventude altamente jovem; e nisto é desumano,
pois não deixa rastos, aliás, deixa um só rasto
que é sempre o mesmo em todas as estações.
Um rapaz nos seus primeiros amores
não é senão a fecundidade do mundo.
E assim o mundo chega com ele, aparece e desaparece,
como uma forma em mutação. Tudo mais fica intacto,
podes percorrer meia cidade que não o encontrarás mais;
o acto cumpriu-se, a repetição é um rito. Por isso
a solidão é ainda maior se uma multidão espera a sua vez:
aumentam, de facto, os desaparecimentos
- ir-se embora é fugir – e o seguinte paira sobre o presente
como um dever, um sacrifício a cumprir até à vontade de morrer.
Com a idade, porém, o cansaço começa a fazer-se sentir,
especialmente logo a seguir à hora de jantar,
e para ti nada mudou, só por um triz não choras nem berras,
o que seria terrível se não fosse apenas cansaço, talvez um pouco de fome.
Terrível, pois significaria
que o teu desejo de solidão não poderia mais realizar-se
e então o que é que te espera, se o que não se considera solidão
é afinal a verdadeira solidão, aquela que tu não és capaz de aceitar?
Não há almoço ou jantar ou outra coisa no mundo,
que valha uma caminhada por estes caminhos pobres
onde temos de ser desgraçados e fortes, dos cães irmãos.


(Trad. A.M.)

 .

25.2.22

Isabel Fraire (Como pétala imensa)



COMO PÉTALA IMENSA
de magnólia
se desdobra a luz da manhã  

não há casas não há pássaros
não há bosques 

o mundo 
ficou vazio
há somente luz


 Isabel Fraire

 (Trad. A.M.)

 .

24.2.22

Juan Luis Panero (Ingrata velhice)




Ingrata la vejez, aburridos sus símbolos
- sin valor literario - demasiado previstos.
Sólo queda - cada día más rara - la sorpresa
de un inesperado momento redivivo,
como se hace un rato, mirando la televisión.
Una desgastada película de otro tiempo
- horrendo doblaje, relamidos colores-
la penetrante estupidez de los anuncios.
Sin embargo, él y ella - años después de separarse -
se encuentran en la puerta de un hotel,
en Nueva York, se reconocen, dicen alguna frase vulgar
y se separan, esta vez para siempre.
Repetida escena, banal la historia,
pero quizá, toda mi vida puede resumirse en esa imagen.
Melancolía de los sueños perdidos
- entre marcas de automóviles y detergentes -
en el cristal infinito de un insomne televisor nocturno.


Juan Luis Panero

[El almirante ruina]

 

 

Ingrata velhice, chatos seus símbolos
 – sem valor literário – demasiado previsíveis.
Resta apenas – cada dia mais estranha – a surpresa
de um inesperado momento redivivo,
como acontece um instante, a ver televisão.
Um filme desgastado de outros tempos
 – dobragem horrível, cores delambidas –
a penetrante estupidez dos anúncios.
Contudo, ele e ela – anos depois da separação –
encontram-se à porta de um hotel,
 em Nova Iorque, trocam umas frases vulgares
e separam-se, desta vez para sempre.
Cena repetida, banal a história, mas talvez
a minha vida inteira possa resumir-se nessa imagem.
Melancolia dos sonhos perdidos
 – por entre marcas de carros e detergentes –
na vidraça infinita de uma insone televisão nocturna.


(Trad. A.M.)


22.2.22

Miguel Martins (Provavelmente)




Provavelmente, a próxima vez que ouvires falar de mim         
será quando te disserem que morri
e que morri por minhas próprias mãos
(isso acontece).

Isso acontece do outro lado da ternura,
onde ela é demasiada e coisa rara,
vermelha e branca, ou seja, cor-de-rosa
quase transparente.

São coisas explicáveis e que não carecem de explicação
(já não),
como os incêndios, a fadiga extrema
ou o cheiro agreste da benzina.

São coisas da natureza dos comboios que passam
a alta velocidade
sem se importarem com os ratos e as flores
que nos carris fazem a sua lida.

É a morte,
uma coisa que tudo simplifica.

Miguel Martins

[Canal de poesia]

 .

20.2.22

Clara Janés (Curto circuito)




CORTO CIRCUITO

 

Qué es ser poeta?
Tal vez emitir como el viento la voz
o como la rosa el perfume indetenible.  
Tal vez detectar infinitas palabras
en el rumor marino
o vivir en el pulso del silencio.
Tal vez conocer íntimamente el fulgor
y así quedarse a oscuras, inmutable,
recibiendo en tinieblas a desconcertados visitantes
cuando se va la luz,
ya que los ojos ven de todos modos       
y el buen aeda no necesita para el verbo
ni de un cabo de vela.
Dícese de Homero...

Clara Janés

 

 

O que é ser poeta?
Talvez emitir tal como o vento a voz
ou como a rosa o perfume imarcescível.
Talvez detectar infinitas palavras
no rumor do mar,
ou viver no pulsar do silêncio.
Talvez conhecer intimamente o fulgor
e daí ficar às escuras, imutável,
recebendo visitas nas trevas
quando a luz se vai,
já que os olhos vêem de todo modo
e o bom aedo não carece para o verbo
sequer de um toco de vela.
Diz-se de Homero…

(Trad. A.M.)                     

 .

19.2.22

Juan Gelman (Eu também escrevo contos)




YO TAMBIÉN ESCRIBO CUENTOS

 

había una vez un poeta portugués
tenía cuatro poetas adentro y vivía muy preocupado
trabajaba en la administración pública y dónde se vio
que un empleado público de portugal
gane para alimentar cuatro bocas 

cada noche pasaba lista a sus poetas incluyéndose a sí mismo
uno estiraba la mano por la ventana y le caían astros allí
otro escribía cartas al sur qué están haciendo del sur
decía

de mi uruguay
decía
el otro se convirtió en un barco que amó a los marineros
esto es bello porque no todos los barcos hacen así
hay barcos que prefieren mirar por el ojo de buey 

hay barcos que se hunden
dios camina afligido por el fenómeno ése
es que no todos los barcos se parecen a los poetas del portugués
salían del mar y se secaban los huesitos al sol 

cantando la canción de tus pechos
amada
cantaban que tus pechos llegaron una tarde con
una escolta de horizontes
eso cantaban los poetas del portugués para decir que te amo
antes de separarse
tender la mano al cielo
escribir cartas al uruguay

que mañana van a llegar
mañana van a llegar las cartas del portugués y barrerán la tristeza
mañana va a llegar el barco del portugués al puerto de montevideo
siempre supo que entraba en ese puerto y se volvía más hermoso 

como los cuatro poetas del portugués cuando se preocupaban
todos juntos por el hombre de la tabaquería de enfrente
el animal de sueños del hombre de la tabaquería de enfrente
galopando con como josé gervasio de artigas por el hambre mundial

el portugués tenía cuatro poetas mirando al sur
al norte
al muro
al cielo les daba a todos de comer con el sueldo del alma
él se ganaba el sueldo en la administración del país público
y también mirando el mar que va de lisboa al uruguay
Yo siempre estoy olvidando cosas
una vez me olvidé un ojo en la mitad de una mujer
otra vez me olvidé una mujer en la mitad de portugués
me olvidé el nombre del poeta portugués

de lo que no me olvido es de su barco navegando hacia el sur
de su manita llena de astros
golpeando contra la furia del mundo
con el hombre de enfrente en la mano.

Juan Gelman



Era uma vez um poeta português /
tinha quatro poetas lá dentro e vivia muito preocupado /
trabalhava na administração pública e onde
é que se viu um funcionário público de portugal ganhar para alimentar
[quatro bocas /

todas as noites fazia a chamada aos seus poetas incluindo-se a si mesmo
um estendia a mão pela janela e caíam-lhe astros /
outro escrevia cartas ao sul /
que estão a fazer do sul / dizia ele / 

do meu uruguai / dizia / o outro
transformou-se num barco que amou os marinheiros /
isto é belo porque nem todos os barcos fazem isso /
há barcos que preferem espreitar pela vigia / 

há barcos que se afundam /
Deus caminha aflito com um fenômeno assim /
é que nem todos os barcos se parecem com os poetas do português /
saíam do mar e secavam os ossinhos ao sol / 

cantando a canção dos teus seios / amada /
cantavam que os teus seios chegaram uma tarde com um cortejo
[de horizontes
assim cantavam os poetas do português para dizer que te amo /
antes de se deixarem / estenderem a mão para o céu / escreverem cartas
[ao uruguai

que vão chegar amanhã /
amanhã vão chegar as cartas do português e varrerão a tristeza /
amanhã vai chegar o barco do português ao porto de montevideu /
sempre soube que entraria nesse porto e ficaria mais belo / 

como os quatro poetas do português
quando juntos se preocupavam com o homem da tabacaria da frente /
o animal de sonhos do homem da tabacaria da frente /
galopando como don josé gervasio de artigas através da fome no mundo/ 

o português tinha quatro poetas a olhar para o sul / para o norte / para
[o muro / para o céu
a todos dava de comer com o salário da alma /
ganhava o ordenado na administração do país público /
e também a olhar para o mar que vai de lisboa ao uruguai / 

estou sempre a esquecer-me de coisas /
uma vez esqueci-me de um olho na metade de uma mulher
de outra esqueci-me de uma mulher na metade do português /
esqueci-me do nome do poeta português / 

do que não me esqueço é do seu barco rumo ao sul /
da sua mãozinha cheia de astros /
investindo contra a fúria do mundo / com
o homem da frente na mão


(Trad. rev. A.L. Amaral)

 

[Canal de poesia]

 .


17.2.22

Mary Oliver (Gansos bravos)




WILD GEESE

 

You do not have to be good.
You do not have to walk on your knees
for a hundred miles through the desert repenting.
You only have to let the soft animal of your body
love what it loves.
Tell me about despair, yours, and I will tell you mine.
Meanwhile the world goes on.
Meanwhile the sun and the clear pebbles of the rain
are moving across the landscapes,
over the prairies and the deep trees,
the mountains and the rivers.
Meanwhile the wild geese, high in the clean blue air,
are heading home again.
Whoever you are, no matter how lonely,
the world offers itself to your imagination,
calls to you like the wild geese, harsh and exciting,
over and over announcing your place
in the family of things.


Mary Oliver

  

Tu não tens de ser bonzinho,
nem de fazer cem quilómetros de joelhos,
arrependido, através do deserto.
Tens apenas de deixar o animal do teu corpo
fazer o que ele gosta.
Fala-me de desespero, o teu, que eu falo-te do meu,
e entretanto o mundo gira.
Entretanto, o sol e as pedras lavadas da chuva
movem-se na paisagem, por campos e bosques,
por montes e por ribeiras.
Entretanto, os gansos bravos, lá no alto do céu azul,
estão de novo a caminho de casa.
Sejas tu quem fores, mesmo que solitário,
o mundo oferece-se à tua imaginação,
chama por ti como os gansos bravos, excitado e vivaz,
assinalando-te o teu lugar no seio da família das coisas.


(Trad. A.M.)


>>  Mary Oliver (sítio of) / Poetry Foundation (31p) / Book Riot (8p) / Wikipedia

 .

15.2.22

Juan Carlos Mestre (Agosto)




AGOSTO



el  verano
ha dejado solos
en la ciudad
a los muertos
y a los vendedores de helados

.

todos
se han ido
incluso los demás

.

en los andenes
vacíos del metro
permanece el lenguaje
visitado por el amor

.

la chica
mastica chicle
a la puerta del Centro
de Reclusión Penal


El gendarme
mira a su alrededor
quita la telaraña
seca la brocha
se encoge de hombros


se han ido
los fotógrafos
y los novios
pisan las colillas
olvidan sus nombres


personalmente
no tengo nada
contra agosto
las fresas
se pudren en los senderos


la noche desnuda
la Luna
un objeto perdido

 

Juan Carlos Mestre

 

 

O Verão 
deixou sós
na cidade
os mortos
e os vendedores de gelados

.

todos 
se foram
até os outros

.

nos cais
vazios do metro
permanece a linguagem
e o amor de visita

.

a miúda
masca chicle
à porta do Centro
de Reclusão Penal

.

o polícia
olha em volta 
tira a teia de aranha
seca a brocha
e encolhe os ombros

.

foram-se
os fotógrafos 
e s noivos
pisam as piriscas
e não lembram os nomes

.

eu cá não tenho
pessoalmente
nada contra Agosto
nos carreiros
os morangos a apodrecer

.

a noite desnuda
a Lua
um objecto perdido

 

(Trad. A.M.)

 .

14.2.22

Abelardo Linares (Uma estranha certeza)




UNA EXTRAÑA CERTEZA



Durante muchos años, a menudo
me he acordado de ti, o de tu imagen,
para ser más exacto, pues de aquello
que amamos una vez sólo nos queda
(al igual que de un libro) una muy vaga
impresión general y alguna anécdota.
Y a menudo también me he preguntado,
buscando entre la niebla del recuerdo
no sé si una respuesta, qué dejaste
en mí que sea mío todavía
y si no fue el amor, mi amor por ti
y no tú misma, aquello que aún me importa
y lo que busco aún al recordarte.
Si arde nuestra vida, ¿somos llama
o aquello que se quema y es ceniza?
En esa desmesura que es el tiempo
encuentran su razón amor y olvido,
pero no su medida. Al recordarte,
lo comprendo tan bien, que importa poco
saber o no saber, sino tan sólo
sentir que fuiste parte de mí mismo,
que dentro de mí estás, como mis sueños,
que son y no son yo, pero en mí nacen,
que ya nunca de mí podrás borrarte
y que, quiera o no quiera yo el olvido,
has de seguir viviendo con mi vida.
Qué extraña sensación esa certeza.

Abelardo Linares

 

 

Durante muitos anos, muita vez
me lembrei de ti, ou da tua imagem,
para ser mais exacto, pois daquilo
que em tempos amamos fica-nos só
(tal como de um livro) uma muito vaga
impressão geral e um que outro pormenor.
E muita vez também me perguntei,
procurando na névoa da lembrança
não sei se uma resposta, o que deixaste tu
em mim que seja ainda meu,
e se não foi o amor, o meu amor por ti
e não tu própria, o que me importa ainda
e o que procuro eu ainda ao recordar-te.
Se a nossa vida arde, somos nós chama
ou antes aquilo que se queima e é cinza?
Nessa desmesura que é o tempo
acham sua razão amor e esquecimento,
mas não sua medida. Ao recordar-te,
compreendo-o tão bem, que pouco importa
saber ou não saber, mas tão só
sentir que foste parte de mim mesmo,
que estás dentro de mim, como os meus sonhos,
que são e não são eu, mas em mim nascem,
que já nunca de mim te apagarás,
e que, queira eu ou não queira o esquecimento,
hás-de ir vivendo sempre com minha vida.
Que estranha sensação, essa certeza. 

(Trad. A.M.)


> Outra versão: Insónia (J.M.Magalhães )

 .

12.2.22

Pier Paolo Pasolini




AURORA

 

Ó peito acordado
do novo dia!
Ó tépido leito
banhado de lágrimas!

Uma luz outra
me leva a chorar
os dias que voam 
como sombras.

Pier Paolo Pasolini

(Trad. A.M.)

 

>>  PPP  (sítio of/ 12p) / Poesie d' autore (11p) / Wikipedia

.

10.2.22

José Watanabe (Disse)




HE DICHO



Qué rico es ir
de los pensamientos puros a una película pornográfica
y reír
        del santo que vuela y de la carne que suda.

Qué rico es estar contigo, poesía
de la luz
        en la pierna de una mujer cansada.

 
José Watanabe

  

 

Que bom é ir
dos pensamentos puros a um filme pornográfico
e rir
        do santo que voa e da carne que sua.

Que bom é estar contigo, poesia
da luz
        na perna de uma mulher cansada.


(Trad. A.M.)

 .


9.2.22

José María Zonta (Não foi uma fantasia)




No fue un cuento.
Amaneció.
Mil hormigas recorren mis manos
pero sólo una arrastra
tu recuerdo. 

Y es suficiente.

 
 José María Zonta



Não foi uma fantasia.
Amanheceu.
Mil formigas percorrem-me as mãos
mas uma só arrasta
a tua recordação. 

E é o bastante.


(Trad. A.M.)

.

7.2.22

Erri de Luca (Bebo)




Bevo a chi è di turno, in treno, in ospedale,
cucina, albergo, radio, fonderia,
in mare, su un aereo, in autostrada,
a chi scavalca questa notte senza un saluto,
bevo alla luna prossima, alla ragazza incinta,
a chi fa una promessa, a chi l’ha mantenuta,
a chi ha pagato il conto, a chi lo sta pagando,
a chi non è invitato in nessun posto,
allo straniero che impara l’italiano,
a chi studia la musica, a chi sa ballare il tango,

a chi si è alzato per cedere il posto,
a chi non si può alzare, a chi arrossisce,
a chi legge Dickens, a chi piange al cinema,
a chi protegge i boschi, a chi spegne un incendio,
a chi ha perduto tutto e ricomincia,
all’astemio che fa uno sforzo di condivisione,
a chi è nessuno per la persona amata,
a chi subisce scherzi e per reazione un giorno sarà eroe,
a chi scorda l’offesa, a chi sorride in fotografia,
a chi va a piedi, a chi sa andare scalzo,

a chi restituisce da quello che ha avuto,
a chi non capisce le barzellette,
all’ultimo insulto che sia l’ultimo,
ai pareggi, alle ics della schedina,
a chi fa un passo avanti e così disfa la riga,
a chi vuol farlo e poi non ce la fa,
infine bevo a chi ha diritto a un brindisi stasera
e tra questi non ha trovato il suo.


Erri de Luca

 

 

Bebo a quem está de serviço, de comboio, hospital,
cozinha, hotel, rádio, fábrica,
no mar, avião, auto-estrada,
a quem salta esta noite sem um olá,
bebo à lua próxima, à moça grávida,
a quem faz uma promessa, a quem a mantém,
a quem pagou a conta, a quem está a pagá-la,
a quem não convidam para lado nenhum,
ao estrangeiro que aprende italiano,
a quem estuda música, a quem sabe dançar o tango,

a quem se levanta para ceder o lugar,
a quem não pode levantar-se, a quem se ruboriza,
a quem lê Dickens. a quem chora no cinema,
a quem protege as florestas, a quem apaga um incêndio,
a quem perdeu tudo e recomeça,
ao abstémio que faz um esforço de partilha,
a quem não é ninguém para a pessoa amada,
a quem os outros gozam e, reagindo, um dia será herói,
a quem esquece a ofensa, a quem sorri nas fotos,
a quem anda a pé, a quem sabe andar descalço,

a quem restitui daquilo que recebeu,
a quem não vai em balelas,
ao último insulto que seja mesmo o último,
aos empates, aos xis do totobola,
a quem dá um passo em frente e assim rompe a fila,
a quem o quer dar e depois não consegue,
bebo enfim a quem tem hoje direito a brinde
e não foi até aqui mencionado.


(Trad. A.M.)

.

5.2.22

José Luis García Martín (A um deus desconhecido)




A UN DIOS DESCONOCIDO

 

Dame siempre placeres rutinarios.
Lo que ocurre una vez, no ocurre nunca.
La luz que ciega, la explosión de dicha,
el asalto en un recodo del camino,
ángeles, cimas, intensidad, adioses,
déjalos para otros más valientes.
Dame pobres placeres repetidos,
no un único diamante en la memoria.
Dame días iguales, no este instante sin tiempo,
terco, distante, azul, inexistente.


J.L. García Martín

[Rayos y truenos]

 

 

Dá-me sempre prazeres rotineiros,
o que ocorre uma vez não ocorre nunca.
A luz que cega, a explosão de felicidade,
o assalto numa curva do caminho,
anjos, picos, adeuses, intensidade,
deixa-os a outros mais valentes.
Dá-me pobres prazeres repetidos,
não um só diamante na memória.
Dá-me dias iguais, não este instante sem tempo,
teimoso, distante, azul, inexistente.


(Trad. A.M.)

.

4.2.22

José Hierro (Copla ao quinto copo)




COPLILLA DESPUÉS DEL 5º BOURBON   


Pensaba que sólo habría
sombra, silencio, vacío.
Y murió. Estaba en lo cierto.
El mismo Dios se lo dijo.


José Hierro

 

 

Pensava que havia só
sombra, silêncio, vazio.
Depois morreu. E estava certo.
Foi Deus mesmo quem lho disse.


(Trad. A.M.)

.

2.2.22

António Cabral (A Assembleia Nacional)




A ASSEMBLEIA NACIONAL


Sei um país com barriga de pedra
e ramos de giesta nos cornos. Vede
a Assembleia Nacional: obra-prima
da inteligência que a natureza
descontou aos brontossáurios, abrindo
neste país de esterco e pedregulhos
uma fábrica de ideias enlatadas.


ANTÓNIO CABRAL
Emigração Clandestina
(1977)

.