MI CASA HUELE A MUERTO
Hace ya siete años que mi padre
vive muerto en mi casa. Me sonríe sin dientes
cuando pongo la tele, me cambia de canal por fastidiarme.
Me la apaga. Se queja si cocino y no le sirvo plato,
aunque los dos sepamos que los muertos no comen.
Hace ya siete años que me fuma en el baño.
Sus cigarrillos negros apestan el pasillo,
el ascensor, armarios. A pesar de mis súplicas,
mis quejas. ¡Ni en paz cagar se deja en esta casa
a los muertos, pues vaya educación!, me echa en cara.
Hace ya siete años que duerme en el salón.
Mi padre muerto. Sus ronquidos me pueden
y salgo al comedor y grito basta. Él se ríe
y aflojo y terminamos hablando de la vida
hasta las tantas y él me dice esas cosas que dice:
mira, hijo mío, me vivo de la risa
con tus preocupaciones. O si no: mira, hijo,
la muerte no es tampoco para tanto,
mejor tomarla a broma que demasiado en serio.
A veces me lo encuentro en la nevera
echándose la siesta entre yogures.
Es que es verano, dice. Y ya no aguanto más
y exijo que se largue. Pero jamás me escucha,
se pone con sus cosas tan de muerto, se hace el zombi
por sacarme de quicio. Sabe que no me gusta.
Le digo que mamá se enfadaría, que
esto no es muy normal, que debería estar
en una urna negra en casa de su esposa,
como los otros padres que se han muerto.
Pero no me hace caso. Él siempre va a la suya.
Hace ya siete años que revuelve mis cosas,
me esconde los apuntes de Barroco, usa mi ropa,
me vuelve del revés los calcetines, los despareja.
Y si le digo algo, sale por la tangente:
me echa en cara que no lo saco a pasear como antes,
que me entretengo al salir del trabajo,
que no lo llevo al bar cuando juega su Atleti,
que lo echo del cuarto cuando me traigo amigas.
Un par de veces lo he puesto de patitas en la calle.
Pero es testarudo. Se queda tras la puerta,
toca al timbre con esa eterna persistencia de los muertos.
Yo trato de no abrirle, le grito que estoy harto,
que se marche, que se largue de viaje, que me olvide.
Pero no me hace caso. Él nunca me hace caso.
Como un perro se sienta y aúlla hasta que vence
y le ruego que pase. Pero esta vez se fue
como no se fue otras. Discutimos más fuerte.
Le dije que esto y que lo otro, que a veces
fue un mal padre, que faltaron quizás
más tardes junto a mí cuando era un crío,
que si esto y si lo otro y lo de más allá
y no sé qué le dije de cuando era niño
y nos llevó a una playa y nos gastó la broma
de dejarnos allí y largarse en su coche
y hubo que volver caminando hasta casa.
Se ve que le dolió. Que le dolió de veras
como a veces les duelen las cosas a los muertos.
Agachó las orejas, el rabo entre las piernas,
arrojó al cielo raso un puñado de moscas
de su boca. Se me marchó en silencio
escaleras abajo. No esperó el ascensor.
Siete años de tapas levantadas, de mordernos
como se muerden padre e hijo, vivo y muerto,
mañana tras mañana. Y ya van dos semanas
sin que apague mi tele ni cambie de canal por fastidiarme.
Dos semanas sin nadie escondiéndome llaves.
Y ahora echo de menos a los pies de mi cama
sus pellizcos fantasma. Sus ronquidos de noche.
Y me digo que no, que no tenía derecho,
que él era mi muerto y yo su vivo,
que eso es importante. Que le he fallado igual
que me falló él a mí, aquel verano
que me dejó olvidado en una playa.
Hasta he pensado en llamar a mis pobres hermanas,
por si se fue con ellas; preguntar a mi madre,
empapelar el barrio con carteles:
se busca padre muerto. Y me da por llorar
como lloran los vivos cuando pienso en las calles,
que es invierno, que se fue sin chaqueta, que la muerte es helada,
que no tiene dinero para comprar tabaco,
que qué será de él sin mí, que soy su vivo.
Y he llegado a pensar sino será el Gobierno.
Igual han recortado: como recortan sueldos, derechos,
sanidades, educación, cultura, amores… Será eso:
al Gobierno le ha dado por recortar en muertos.
Pero eso sí que no. Eso no. Por ahí no pasamos.
Mañana al levantarme empiezo una. Papá se la merece.
Haré revolución, desmontaré el Estado. Vendrán conmigo
muchos. No estoy solo. Todos tenemos muertos.
No saben lo que han hecho. Que nos tengan cuidado.
Mañana por la tarde triunfará la insurgencia
y luego volveré a casa con mi padre del brazo
a discutir de nuevo, a levantar la tapa él
y yo a bajarla, a robarnos el mando de la tele
el uno al otro, a hablar hasta las tantas,
a emborracharnos y celebrar por fin
que él es mi muerto y yo su vivo, qué carajo,
y que ningún gobierno, ningún mundo asqueroso,
podrá echarnos por tierra siete años.
Pedro Andreu
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Há sete anos já que meu pai
vive morto em minha casa. Sorri para mim
sem dentes quando ligo a TV, muda-me de canal
para me chatear, desliga-ma. Queixa-se se eu cozinho
e não lhe ponho prato, apesar de sabermos ambos
que os mortos não comem.
Há já sete anos que me fuma no banheiro,
e os seus cigarros negros empestam o corredor,
o elevador, os armários. Apesar dos meus rogos
e das minhas queixas. Chiça, atira-me ele à cara,
já nem deixam os mortos cagar nesta casa,
haja educação.
Há sete anos já que dorme na sala,
meu falecido pai. Os seus roncos enervam-me,
abro a porta e grito 'basta'. Ele ri-se,
eu acalmo e acabamos a falar da vida
até às tantas, onde ele me diz aquelas coisas
que diz: olha, meu filho, eu vivo de riso
com as tuas preocupações. Ou então:
olha, filho, a morte também não é nada de mais,
melhor levá-la a brincar que muito a sério.
Às vezes vou encontrá-lo no frigo
a dormir a sesta entre os iogurtes.
É que é Verão, diz ele. Eu passo-me
e exijo que se vá, só que el nunca me ouve,
põe-se com aquelas coisas de morto, faz de zombi
para me tirar do sério, pois sabe que eu não gosto.
Digo-lhe que a mamã se incomodaria, que
isto não é lá muito normal, que ele devia era estar
numa urna preta em casa da esposa,
tal como os outros pais falecidos.
Mas ele não me liga, fica sempre na sua.
Há sete anos já que me remexe as coisas,
me esconde os apontamentos de Barroco, me usa a roupa,
vira-me as peúgas do avesso, desparelha-as.
E se eu lhe digo alguma coisa, desvia-se,
atira-me à cara que eu não o levo a passear como antes,
que me entretenho no fim do trabalho,
que não o levo ao bar quando joga o clube dele,
que o imponto do quarto quando venho com amigas.
Um par de vezes pu-lo na rua,
mas é cabeçudo, mete-se à porta
e toca à campainha com a teimosia própria dos mortos.
Eu não abro e grito-lhe que estou farto,
que vá embora, que parta em viagem, que me esqueça.
Mas ele não me liga, ele nunca me liga,
senta-se como um cão, põe-se a uivar até ganhar
a dele e eu dizer-lhe que entre. Mas desta vez ele foi-se
como não se foi das outras. A discussão foi mais longe,
eu disse-lhe isto e aqueloutro, que ele foi
às vezes mau pai, que fizeram falta talvez
mais tardes comigo em criança
e que mais isto e mais aquilo
e nem sei que lhe disse de um dia
nos levar à praia e dar-lhe na bolha
de nos largar ali e ir embora no carro
e nós termos de ir a pé sozinhos para casa.
Via-se que lhe doeu, que lhe doeu deveras,
como às vezes doem as coisas aos mortos.
Baixou as orelhas, de rabo entre as pernas,
atirando da boca um punhado de moscas
para o céu. E foi-me pela escada abaixo,
retirando em silêncio, nem mesmo esperou pelo elevador.
Sete anos de tampas erguidas, de nos ferrarmos
como se ferram pai e filho, um vivo outro morto,
manhã após manhã. E já lá vão quinze dias
sem me desligar a TV ou mudar de canal para chatear,
quinze dias sem me esconder as chaves.
E agora sinto falta dos seus beliscos
aos pés da cama, dos seus roncos de noite.
E digo cá para mim que não, não há direito,
que ele era o meu morto, assim como eu o vivo dele,
e que isso era importante. Que também eu lhe falhei,
como ele me falhou a mim, naquele Verão
em que me deixou na praia esquecido.
Até cheguei a pensar em falar às manas,
se calhar foi com elas; perguntar à minha mãe,
encher o bairro de cartazes:
procura-se um pai morto. E dá-me para chorar
como choram os vivos, quando penso nas ruas,
que é Inverno, que ele saiu sem camisola, que é gelada a morte,
que ele não tem dinheiro para tabaco,
o que será dele sem mim, que sou o vivo dele.
E cheguei a pensar se não será o Governo,
eles cortam tudo, cortam salários, direitos,
saúde, educação, cultura, amores... Se calhar,
deu-lhes agora para cortar nos mortos.
Ah, mas essa não, essa não, aí não admitimos.
Amanhã ao erguer-me vou começar uma (o meu paizinho merece...),
começo uma revolução, desmonto o Estado.
Muitos virão comigo, não estou só, todos nós temos mortos.
Não sabem o que fizeram, que se acautelem,
amanhã tarde vai triunfar a insurreição,
depois virei para casa com meu pai debaixo do braço,
a discutir novamente, a erguer a tampa ele
e eu a baixá-la, a roubar um ao outro
o comando da TV, a parlar até às tantas
a emborrachar-nos, a celebrar por fim
eu ser o seu vivo e ele o meu morto, cum caracho,
e que nenhum governo, nenhum mundo asqueroso,
há-de lançar-nos a terra sete anos.
(Trad. A.M.)
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