29.6.13

Camilo Castelo Branco (Negociara a filha)





Negociara a filha com o Zeferino como tinha negociado com o Tarraxa a vaca amarela na feira dos 13.

Eis um caso esquisito de aldeia que pela torpeza parece acontecido numa cidade culta.

Conversou-se este diálogo debaixo de um castanheiro frondoso, com um pavilhão de folhagem gorjeado de pássaros, com uns tons de luz esverdeada, na doce placidez crepuscular de uma tarde de Agosto, entre dois homens de tamancos, arremangados, com os peitos cabeludos a negrejar de entre os peitilhos da camisa surrada de suor e poeira, brutos no gesto e na frase.



- CAMILO CASTELO BRANCO, A Brasileira de Prazins, I.

.

Eugenio Montejo (Dura menos um homem)

 


Dura menos un hombre que una vela
pero la tierra prefiere su lumbre
para seguir el paso de los astros.
Dura menos que un árbol,
que una piedra,
se anochece ante el viento más leve,
con un soplo se apaga.
Dura menos un pájaro,
que un pez fuera del agua,
casi no tiene tiempo de nacer,
da unas vueltas al sol y se borra
entre las sombras de las horas
hasta que sus huesos en el polvo
se mezclan con el viento,
y sin embargo, cuando parte
siempre deja la tierra más clara.


Eugenio Montejo



Dura menos um homem que uma vela
mas a terra prefere seu lume
para seguir a passagem dos astros.
Dura menos que uma pedra,
uma árvore,
e se anoitece ante o vento mais leve
com um sopro se apaga.
Dura menos um pássaro
que um peixe fora de água,
mal tem tempo de nascer,
dá algumas voltas ao sol
e apaga-se na sombra das horas
até seus ossos no pó
com o vento se misturarem,
e quando parte, contudo,
deixa sempre a terra mais clara.

(Trad. A.M.)

.

28.6.13

Miguel Torga (Panorama)





PANORAMA



Pátria vista da fraga onde nasci.
Que infinito silêncio circular!
De cada ponto cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras
Sem gritos,
Sem o eco sequer de uma praga incontida?
Ah! Portugal calado!
Ah! povo amordaçado
Por não sei que mordaça consentida!


Miguel Torga


[Fel de cão]

.

27.6.13

Enrique García-Máiquez (Daí a poesia)





POR ESO LA POESÍA



La novela lo malo es lo que exige:
requiere un adulterio, asesinatos,
viajes larguísimos, curiosas coincidencias,
y un sinfín de avatares.
Los cuentos son más cortos
pero tienden a hacer de sus protagonistas
insectos esquemáticos, clavarlos
con su alfiler a un corcho y colocarles
ingeniosas cartelas.
En cambio, la poesía lo da todo
sin pedir casi nada. Es increíble
lo poco que hace falta en un poema.
Que estemos juntos, por ejemplo,
en una tarde tonta, igual que tantas,
y que digas de pronto:
"Qué suerte estar contigo", y que yo piense:
"Oírtelo decir es un milagro".

Enrique García-Máiquez




O mau do romance é aquilo que exige,
um adultério, assassinatos,
longas viagens, coincidências estranhas
e um sem fim de avatares.
Os contos são mais curtos
mas tendem a fazer dos protagonistas
insectos esquemáticos, a espetá-los
com seu alfinete em curiosos cartões.
Em troca, a poesia dá-nos tudo
sem pedir quase nada. É incrível
o pouco que é preciso num poema.
Estarmos juntos, por exemplo,
numa tarde à toa, igual às outras,
e tu dizeres de repente:
“Que sorte estar aqui contigo”, e eu pensar:
“É um milagre ouvir-te dizer isso”.

(Trad. A.M.)


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26.6.13

Ver (139)







Sete Cidades
(S.Miguel)


Descobrir Portugal
(1)



Maravilhas de Portugal
(2-3)


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Jacob Iglesias (Nota)





NOTA



Olvidarme
de ese poema memorable que comenzaría
“Unos mentirosos de nacimiento buscando
ansiosamente verdades. Eso es lo que somos.”
Escribir algo
sobre esta tarde de domingo sin ambulancias,
ni rastro de aburrimiento,
ni la televisión de los vecinos de arriba
a todo volumen.
Sólo el zumbido tenue del frigorífico,
un libro y, por primera vez desde hace meses,
el sol palpando cada objeto
de la habitación, reconociéndolo
como las manos de un ciego.
Ha sonado el timbre.
Seguro que ya es ella.

Jacob Iglesias


[Sombras en el adarve]



Esquecer-me daquele
poema memorável que começaria assim:
“Mentirosos de nação em busca ansiosa
de verdades, eis o que somos”.
Escrever algo sobre
esta tarde de domingo sem ambulâncias,
nem traço de tédio,
nem sequer a TV dos vizinhos de cima
no som máximo.
Só o zumbido ténue do frigo,
um livro e, primeira vez há meses,
o sol palpando cada objecto
da casa, a reconhecê-lo
como as mãos de um cego.
Tocou a campainha,
é ela, de certeza.

(Trad. A.M.)



>>  Mistycalle (nota mínima) / Europa press (prémio)

.

25.6.13

João de Deus (Miséria)





MISÉRIA



Era já noite cerrada,
Diz o filho: "Oh minha mãe,
Debaixo daquela arcada
Passava-se a noite bem!"

A cega, que todo o dia
Tinha levado a andar,
A tais palavras do guia
Sentiu-se reanimar.

Mas saltam dois cães de gado,
Que eram como dois leões:
Tinha-os à porta o morgado
Para o guardar dos ladrões.

Tornam os pobres à estrada,
E aonde haviam de ir dar?
Ao palácio da tapada
Onde el-rei ia caçar.

À ceguinha meia morta
Torna o filho: "Oh minha mãe,
Ali no vão de uma porta
Passava-se a noite bem!"

- Se os cães deixarem... (diz ela,
A triste num riso amargo),
Com efeito a sentinela:
- "Quem vem lá?... Passe de largo!"

Então ceguinha e filhinho,
Vendo a sua esperança vã,
Deitaram-se no caminho
Até romper a manhã!...


João de Deus

.

24.6.13

Eloy Sánchez Rosillo (Madrigal)





MADRIGAL



Has abierto mi libro y vas, despacio,
con atención, leyéndolo. Tus ojos
se detienen ahora ante esta página.
Empiezas a leer y te das cuenta
muy pronto de que en ella hablo de ti.
Para advertirlo, como yo esperaba,
no necesitas ver tu nombre impreso
en el papel, porque de sobra sabes
que a ti sola te canto. En ti, mi voz
tiene su origen y su cumplimiento,
su razón de existir: al celebrarte,
hallo dichosa ocupación y soy
fiel al destino que me justifica.

Eloy Sánchez Rosillo


[Noctambulario]




Abriste o meu livro e vais lendo,
devagar, com atenção. Os teus olhos
detêm-se agora nesta página.
Começas a ler e depressa te dás conta
que nela eu falo de ti.
Para o veres, como eu esperava,
não precisaste de ver o teu nome estampado
no papel, porque sabes de sobra
que és a única que canto. Em ti tem
minha voz sua origem e cumprimento,
sua razão de existir: celebrar-te,
eis minha ditosa ocupação, fiel
como sou ao destino que me justifica.

(Trad. A.M.)

.

23.6.13

Rui Zink (Negócios com Deus)




Em miúdo, Paulo Gomes fazia negociatas com Deus.

Se o pai não lhe desse uma sova por não ir a horas para a mesa, prometia a Deus que lhe oferecia cinco tostões.

A proposta aumentava substancialmente (para vinte e cinco tostões), se estivesse em causa um pecado maior, tipo problemas na escola, notas ou o pai não descobrir que fumara uma beata do chão.

Todavia, se uma vez ou outra Deus cumpria a sua parte do contrato, já Paulo Gomes acabava invariavelmente por retirar a sua oferta, esquecendo-se de ir pagar o milagre.


- RUI ZINK, O suplente (2000), I,18.

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Eduardo Mitre (Prólogo ao presente)





PRÓLOGO AL PRESENTE



Abre los ojos. Despierta.
El Paraíso está aquí,
de vuelta.
Con todos y todo
en la luz pasajera.

Es (no hay otro) esta tierra:
mesa de encuentros,
cuna de ausencias.

El Paraíso está aquí,
a la espera. Abre tus ojos
que abren sus puertas.

Despierta. Está aquí.
No es la dicha.
Es la presencia.


Eduardo Mitre




Abre os olhos. Desperta.
O Paraíso está aqui,
de volta.
Com tudo e todos
na luz passageira.

É (não há outro) na terra:
mesa de encontros,
berço de ausências.

O Paraíso está aqui,
à espera. Abre os teus olhos
que lhe abrem as portas.

Desperta. Está aqui.
Não é a ventura,
é a presença.


(Trad. A.M.)

.

22.6.13

Jaime Salazar Sampaio (Insónia)

                                                        (Homenagem à fonte)



INSÓNIA



ficou da infância a febre
de correr parado
pelas estradas

podes chamar-lhe versos
são viagens

ficou na infância a fisga
de arremessar ao vento

podes chamar-lhe versos
são pedradas


Jaime Salazar Sampaio



[RMMV]

.

21.6.13

Eduardo Llanos (Testamento do pater familias)





TESTAMENTO DEL PATER FAMILIAS



Yo, Anastasio Rencoret Iriarte, natural de aqueste reyno de Chile,
hijo lejítimo del mui mucho amor de entrambos mis santos padres,
estando enfermo en cama de la enfermedad que Dios nuestro Señor
se ha servido en darme,
i creyendo como firmemente creo en el Alto i Divino Misterio
de la Santísima Trinidad i Padre e hijo i Espíritu Santo,
tres personas distintas i un solo Dios verdadero,
i en todos los demás misterios i artículos de fe que tiene, cree y confiesa
nuestra Santa Madre Iglesia Católica Apostólica Romana,
bajo cuya fe i creencia he vivido i espero vivir i morir,
temiéndome ahora de la muerte, que es natural a toda humana criatura,
envío mi alma al cielo, de donde me fue dada,
i el cuerpo a la tierra, donde fue criado,
i vengo en testar mis bienes, modestísimos
comparados con el reyno de Dios, nuestro Amo i Señor.
A ti, primogénito mío, traspaso los yacimientos de oro i plata,
i encomiéndote brindar trabajo a los menesterosos mineros
i a la vez dar ocasión a sus mujeres i proles
para que así puedan cumplir el mandato divino
de ganar cada uno su pan con el sudor de la frente.
Mas cuida, hijo, no holgarte mui a menudo con las mozas,
ni menos con una sola, pues siempre se ceba quien se amanceba.
A ti, hija querida, légote las tres viñas del Sur,
no sea que te sorprenda sin dote la edad de merecer.
A ti, fiel i dócil esposa, dejo aquesta hacienda entera,
incluyendo animales, inquilinos i el polvo de mis huesos.
Por último, queden a mi contador i albacea todos mis pañuelos i polainas
i esa Biblia empastada en que cada noche yo nutría mi fervor
i cuya lectura le enseñará a no codiciar bienes ajenos
i sí a juntar tesoros en el cielo, de donde le será dado por añadidura lo demás.
Os encarezco observancia estricta a las reglas que siempre prediqué i practiqué,
para así allegar más honor a nuestra estirpe i a nuestro Padre Común,
a cuya diestra os esperaré, enternecido i anhelante.

Eduardo Llanos



Eu, Anastasio Rencoret Iriarte, natural deste reino do Chile,
filho legítimo do mui muito amor de meus santos pais,
estando enfermo no leito da enfermidade que Deus Nosso Senhor
foi servido outorgar-me,
e crendo como creio firmemente no Alto e Divino Mistério
da Santíssima Trindade, Pai-Filho-Espírito Santo,
três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro,
e em todos os mais mistérios da nossa Santa Mãe Igreja Católica, Apostólica, Romana,
em cuja fé e crença vivi, assim como espero viver e morrer,
temendo a hora da morte, natural em toda a humana criatura,
encomendo minha alma ao céu, que ma deu,
e à terra o corpo, que nela se criou,
vindo assim testar meus bens,
bem modestos se comparados aos do Reino de Deus, Nosso Amo e Senhor.
A ti, primogénito, lego as jazidas de oiro e prata,
com encargo de dar trabalho aos operosos mineiros, a bem das famílias,
para cumprirem o divino mandamento de ganhar o pão com o suor do rosto.
Mas cuida, meu filho, de não folgar das moças em demasia,
nem mesmo uma só, pois sempre se ceba quem se amanceba.
A ti, filha querida, deixo-te as três vinha do Sul,
não vá apanhar-te sem dote a idade de merecer.
A ti, esposa fiel e dócil, lego esta mesma fazenda inteira,
incluindo semoventes, inquilinos e bem assim o pó dos meus ossos.
Por último, todos os meus lenços e polainas
ficam para o testamenteiro e cabeça-de-casal,
assim como a Bíblia encadernada em que eu cevava o meu fervor,
a qual lhe ensinará a não cobiçar o alheio e a juntar tesouros no céu,
donde lhe virá por acrescento tudo o mais.
Recomendo-vos a estrita observância das regras
que eu mesmo sempre prediquei e pus em prática,
para assim acrescentar mais honra a nossa estirpe e a nosso Pai Comum,
à mão direita do qual vos esperarei, enternecido e anelante.

(Trad. A.M.)

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20.6.13

Ver (138)





Doiro (2) x Tejo (1)


[Regressar às origens]

.

Manuel Moya / Violeta (In memoriam M.R.)





IN MEMORIAM M. R.



¿Joderte? ¿Para qué? Eres ya un muerto,
una piltrafa y tú lo sabes. ¿Si quiero más?
No, no quiero más, estoy cascada.
Hablabas de la muerte
de los dos, pero cariño, yo estoy viva,
podrida pero viva,
el muerto lo eres tú
y así le sirvas de papeo
a sus caniches.

Sólo quisiera que la vida
fuese tan justa con vosotros
como justos habéis sido conmigo,
pero no, el rencor mío
no es tan grande ni tan ciego:
me conformo, pues, con la mitad,
con la mitad, ¡mirad qué poco!


Violeta C. Rangel




Foder-te? Para quê? Estás morto já,
um caco, e sabes disso. Se quero mais?
Não, não quero mais, estou partida.
Falavas da morte
de nós dois, mas querido, eu estou viva,
podre mas viva,
o morto és tu
e assim sirvas de comida
aos cães.

Só queria que a vida
fosse tão justa convosco
como vós tendes sido comigo,
mas não, não é o rancor meu
tão grande nem tão cego:
conformo-me, pois, com metade,
com metade, vêde que pouco.


(Trad. A.M.)

.

19.6.13

Inês Dias (Requiem por um pássaro)





REQUIEM POR UM PÁSSARO E UM AUTOCARRO PERDIDO



Mais um dia
em forma de pássaro morto.
Uma amálgama ainda quente
da manhã que nasce, espécie de beleza
desmanchada a que nem o nosso olhar
consegue servir de pietà. O vento
teima em agitar uma ou outra pena,
mas não há golpe de asa que o arranque
agora ao asfalto negro.


Partilhamos, no fundo, a impotência:
o destino que o esmagou
é o mesmo que esperamos para
embarcar sem surpresas, sem direito a atrasos.
A essa indiferença cansada prefiro
a do outro pássaro que, lá muito em cima,
hoje ainda mais, refaz a traços negros
a vida. É por esses instantes
de voo que aceito continuar a perder.


Inês Dias


[Luz & sombra]


.



18.6.13

Victor Botas (Horacio, I, XI)





HORACIO I, XI (GLOSA)



No es solución, amigo Horacio, eso
(tan sobadito ya) del carpe diem,
y después que te quiten
lo bailao. Créeme, no es una
solución.
A no ser, por supuesto, que se trate
tan sólo de olvidarse de ese ciego
futuro que ahí está,
esperando a la vuelta de la esquina.


Víctor Botas



Não é solução, Horácio amigo, essa
(tão batida) do carpe diem,
e depois que te tirem
o bailado. Acredita-me,
não é a solução.
A menos, claro, que se trate
de esquecer apenas o futuro
cego que está aí, à espera,
ao virar da esquina.


(Trad. A.M.)

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17.6.13

Camilo Castelo Branco (D. Andresa)





D. Andresa era senhora ajuizada, muito séria, educada no convento de Vairão; tinha missa em casa, e escrevia cartas a diversas freiras, pondo sempre no alto do papel: Jesus, Maria, José.

Andava nos trinta e cinco anos, muito linfática e um grande horror aos vícios da carne.

O mano Adolfo conhecia-lhe a índole.

Não podia esperar dela aplauso, nem sequer condescendência, e muito menos auxílio à sua afeição a mulher casada.

Andresa concordava com o irmão na formosura de Honorata; mas observava com um risinho malicioso que o não chamara para saber se a sua amiga era bonita ou feia; mas sim para aconselhá-la e dirigi-la na separação do marido por justiça.


- CAMILO CASTELO BRANCO, A Brasileira de Prazins, IV.

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Manuel Moya (Canção do Tejo)





CANCIÓN DEL TAJO



Me quiero navegable como el Tajo
y que un hato de lucios o de tencas
salten por mi vientre.
En invierno quiero dar calor a una comarca
y en verano arrancar el escalofrío de un niño.
Me quiero navegable
y que los barcos crujan en mis huesos
y bailen las muchachas
al compás de una orquesta,
que los viejos pesquen en mi orilla
y no falte al arenero su jornal, su vaso de alma.
Me quiero navegable y ser por un momento
reflejo de esos pájaros
que cruzan volando el continente,
nubes a quienes nada importa
quedarse en el camino
o deshacerse como uva en el lagar del cielo.
Me quiero navegable y estar pasando a veces
y cantar a mi modo
canciones muy sencillas y tristes.

Manuel Moya



Navegável me quero como o Tejo
e que um monte de lúcios ou tencas
me saltem por cima do ventre.
No Inverno quero dar calor ao concelho
e arrancar no Verão o calafrio de alguém.
Navegável me quero
e que os barcos me ranjam nos ossos
e bailem cachopas ao compasso da orquestra,
que os velhos pesquem na margem
e ao areeiro não falte o jornal nem o copo.
Navegável me quero, ser por instantes
reflexo dos pássaros que voam cruzando o céu,
nuvens a quem nada importa
ficar pelo caminho
ou desfazer-se quais uvas no lagar do céu.
Navegável me quero, passar por passar
e cantar a meu modo
cantigas muito simples e tristes.

(Trad. A.M.)



>>  La isla de la sed (blogue) / Facebook / Poetas Andaluces (6p) / Nodo50 (4p) / Ficus (sinopse/linques) / Wikipedia
Heterónimos: Umar Abass / Violeta C. Rangel

.

16.6.13

Gonçalo M. Tavares (O sol)





O SOL



Na infância o sol era um companheiro mais alto,
que aparecera primeiro no campo de futebol, e aí, parado,
guardava as costas da baliza e a erva que se tornava quente.
Como se o sol fosse de facto um instrumento de cozinha,
aperfeiçoado, antigo, mas instrumento, matéria
que os meninos agarravam com os dedos e cuja
intensidade podiam por vontade própria regular.
Por exemplo: quando a luz era excessiva
os dedos protegiam os olhos. Outras vezes
o corpo parecia a conclusão
natural, instintiva, do calor que vinha de cima:
Recebíamos o sol como o ponto final recebe
uma frase. Fazia mais sol quando eu tinha seis anos
(quem o fazia?) ou com o tempo e o tédio
me fui distraindo?

Gonçalo M. Tavares


[Minerva]


.

15.6.13

Mirta Rosenberg (Elegia)





UNA ELEGÍA



En la época de mi madre
las mujeres eran probables.
Mi madre se sentaba junto a mi abuela
y las dos eran completamente de carne y hueso.

Yo soy apenas una secuela estable
de aquel exceso de realidad.

Y en la ansiedad del pasado indefinido,
en el aspecto durativo de elegir,
escribo ahora: una elegía.

En la época de mi madre
las mujeres eran perdurables,
completamente hueso y carne.
Mi madre se ponía el collar
de plata y de turquesas
que mi padre le había traído de Suecia
y se sentaba a la mesa como una especia exótica,
para que todo se volviera más grande que la vida,
y cualquier ficción fuera posible.

En la época de mi madre, las mujeres
eran un quid: mi madre nos contó
a mi hermano y a mí: ‘cuando salía de la escuela,
iba a buscar a mi padre al trabajo,
en Santa Fe, y los compañeros le decían es un biscuit,
tu hija es un biscuit, y nunca supe qué querían decir,
qué era un biscuit’, un bizcocho estando muy enferma,
una porcelana exquisita todavía para nosotros,
y mi hermano apurándola: ‘¿Y?’

No sé qué es un biscuit, ¿una especia exótica,
algo de todos modos, especial? Igual
andaba delicadamente por la casa, rozando los ochenta
como se roza una herida
con una gasa.

En la época de mi madre
las mujeres eran muy visibles.
Mi madre se miraba en los espejos
y yo no llegaba a abarcar
su imagen con mis ojos. Me excedía,
la intuía a lo lejos como algo que se añora.

Como ahora,
una elegía.

A la criatura adorable
fijada en lo remoto de la foto,
que ya a los ocho años parecía
más grande que la vida: te extraño,
aunque no te conocía. Eso fue antes
que a mí me dieras vida
en un tamaño apenas natural.

Igual,
una elegía.

Y a la otra de la foto que espero
conservar, la mujer bella que sostiene
el libro ante la hija de un año
en el engaño de la lectura:
te quiero por lo que dura, y es suficiente
leer en el presente, aunque se haya apagado
tu estrella.

Por ella,
una elegía.

Ahora soy la fotografía
y vos el líquido revelador. Tu muerte
me convierte en yo: como una ciencia aplicada
soy la causa y el efecto,
el ensayo y el error, este vacío
de la nada que golpea el corazón
como cáscara vacía.

Una elegía,
cada vez con más razón.


Mirta Rosenberg



No tempo da minha mãe
as mulheres eram prováveis.
Minha mãe sentava-se junto da minha avó
e as duas eram totalmente de carne e osso.

Eu sou apenas uma sequela estável
desse excesso de realidade.

E na ansiedade do indefinido passado,
no aspecto duradouro de eleger,
escrevo agora: uma elegia.

No tempo da minha mãe
as mulheres eram perduráveis,
totalmente osso e carne.
Minha mãe punha o colar
de prata e turquesas
que meu pai lhe trouxera da Suécia
e sentava-se à mesa como uma espécie exótica,
para que tudo se tornasse maior do que a vida
e se fizesse possível qualquer ficção.

No tempo da minha mãe, as mulheres
eram um quid: minha mãe contou-nos
a meu irmão e a mim: “quando saía da escola,
ia buscar meu pai ao emprego,
em Santa Fe, e os colegas diziam-lhe é um biscuit,
a tua filha é um biscuit, e nunca soube o que queriam dizer,
que era um biscuit”, um biscoito estando doente,
uma porcelana distinta ainda para nós,
e meu irmão sondando-a: “E depois”?

Não sei o que é um biscuit, uma espécie exótica,
algo assim de todo o modo, especial? Andava à mesma
levemente por casa, já a roçar os oitenta
como se roça uma ferida
com gaze.

No tempo da minha mãe
as mulheres eram muito visíveis.
Minha mãe a mirar-se no espelho
e eu não lhe abarcava a imagem
com os olhos. Excedia-me,
intuía-a de longe como algo saudoso.

Como agora,
uma elegia.

À criatura adorável
imobilizada na foto remota,
que já parecia com oito anos
maior do que a vida: sinto-te a falta,
não te conhecia bem. Isso antes
de me dares vida a mim
quase em tamanho natural.

Também,
uma elegia.

E à outra da foto que espero
conservar, a mulher bela segurando
o livro para a filha de um ano
na ilusão da leitura:
amo-te pelo que dura, e basta
ler no presente, embora a tua estrela
se tenha apagado.

Por ela,
uma elegia.

Agora eu sou a fotografia
e tu o líquido revelador. Tua morte
converte-me em eu: como ciência aplicada
sou a causa e o efeito,
o ensaio e o erro, este vazio
do nada que agride o coração
como casca vazia.

Uma elegia,
cada vez com mais razão.


(Trad. A.M.)


.

14.6.13

Rui Zink (O futebol)





Beleza de linguagem, o futebol.

Pobreza de universo, possibilidades limitadas (vitória, empate ou derrota), mas uma beleza de linguagem.

Esférico, bola, redondinha, relvado, gramado, verde manto, tapete, palco glorioso, terreno, zona, território, fora de jogo, grande penalidade, admoestação verbal, castigo injusto, falta cometida.

Uma linguagem simultaneamente poética, judicial, bíblica.

Entre os guerreiros e a selvajaria, um frágil juiz de calções - grande autoridade, a de um juiz em calções - e os seus dois auxiliares, meirinhos que, de bandeira em punho, assinalavam quem cometeu a falta, de quem era a bola, se o ataque era feito dentro dos trâmites legais de posicionamento.


- RUI ZINK, O suplente (2000), I,10.

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Valeria Pariso (Isto sim, é um problema)





Esto sí es un problema:
me leo
y advierto
que todo él
negado, saqueado de mi mente, vaciado de mi sangre,
se instaló silenciosamente
en el túnel carpeano de mi mano derecha.
Y se escribió.

Valeria Pariso


[Tanto te quería]



Isto sim, é um problema,
leio-me
e dou conta
que todo ele,
negado, saqueado da minha mente,
esvaziado do meu sangue,
instalou-se em silêncio
no túnel cárpico da minha mão direita.
E escreve-se.

(Trad. A.M.)

.

13.6.13

Geraldino Brasil (Cada momento está numa bolha de ar)





CADA MOMENTO ESTÁ NUMA BOLHA DE AR



Quando pode ser a última vez,
olha-se com olho de máquina fotográfica
querendo guardar tudo,
                              nada perder.
Cada momento está numa bolha de ar.
As coisas do mundo,
                              quando eu era novo as olhei com a indiferença
                              de quem passa e amanhã voltará.


Geraldino Brasil

.

12.6.13

Roger Wolfe (Democracia)





DEMOCRACIA



Otra maldita tarde
de domingo, una de esas
tardes que algún día escogeré
para colgarme
del último clavo ardiendo
de mi angustia.
En la calle
familias con niños,
padres y madres
sonrosadamente satisfechos
de su recién cumplido
deber electoral;
gente encorvada sobre radios
que escupen datos, porcentajes
en los bancos.
Corderos de camino al matadero
dándole a escoger el arma
al matarife.


Roger Wolfe



Outra maldita tarde
de domingo, uma destas
tardes que escolherei
um dia para me pendurar
do último prego a arder
da minha angústia.
Na rua
famílias com crianças,
pais e mães
muito satisfeitos
de seu recém-cumprido
dever eleitoral;
gente dobrada sobre rádios
que cospem dados, percentagens
em bancos.
Carneiros a caminho do matadouro
dando a arma a escolher
ao carniceiro.


(Trad. A.M.)


> Outras versões: O melhor amigo / Bizarrias e minudências (Ricardo Marques)

.

11.6.13

Ver (137)


 



Alqueva
Pinhão
Pitões das Júnias


[Maravilhas de Portugal]

.

Roberto Juarroz (Buscar uma coisa)





Buscar una cosa
es siempre encontrar otra.
Así, para hallar algo,
hay que buscar lo que no es.

Buscar al pájaro para encontrar a la rosa,
buscar el amor para hallar el exilio,
buscar la nada para descubrir un hombre,
ir hacia atrás para ir hacia delante.

La clave del camino,
más que en sus bifurcaciones,
su sospechoso comienzo
o su dudoso final,
está en el cáustico humor
de su doble sentido.
Siempre se llega,
pero a otra parte.

Todo pasa.
Pero a la inversa.


Roberto Juarroz



Buscar uma coisa
é sempre encontrar uma outra.
Assim, para achar algo,
há que buscar o que não é.

Buscar o pássaro para encontrar a rosa,
buscar o amor para achar o exílio,
buscar o nada para descobrir um homem,
ir para trás para ir para a frente.

A chave do caminho,
mais do que na encruzilhada,
seu suspeito começo
ou seu duvidoso final,
está no cáustico humor
do seu duplo sentido.
Sempre se chega,
mas a um outro lugar.

Tudo acontece.
Mas ao contrário.


(Trad. A.M.)

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10.6.13

Pedro Mexia (Matéria)





MATÉRIA



O contrário da matéria
não é o espírito.
O contrário da matéria
não é a anti-matéria.
O contrário da matéria
é o olhar.


Pedro Mexia


[O meu instante]


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9.6.13

Olga Orozco (As mortes)





LAS MUERTES



He aquí unos muertos cuyos huesos no blanqueará la lluvia,
lápidas donde nunca ha resonado el golpe tormentoso
de la piel del lagarto,
inscripciones que nadie recorrerá encendiendo la luz
de alguna lágrima;
arena sin pisadas en todas las memorias.
Son los muertos sin flores.
No nos legaron cartas, ni alianzas, ni retratos.
Ningún trofeo heroico atestigua la gloria o el oprobio.
Sus vidas se cumplieron sin honor en la tierra,
mas su destino fue fulmíneo como un tajo;
porque no conocieron ni el sueño ni la paz en los
infames lechos vendidos por la dicha,
porque sólo acataron una ley más ardiente que la ávida
gota de salmuera.
Esa y no cualquier otra.
Esa y ninguna otra.
Por eso es que sus muertes son los exasperados rostros
de nuestra vida.

Olga Orozco



Eis alguns mortos cujos ossos a chuva não lavará,
lápides onde jamais ressoou o golpe
da pele do lagarto,
inscrições que ninguém há-de ver
acendendo a luz de uma lágrima;
areia sem pegadas na lembrança da gente.
Mortos sem flores.
Não há cartas, nem alianças, nem retratos.
Nenhum troféu heróico atesta glória ou opróbio.
Suas vidas cumpriram-se sem honra na terra,
mas seu destino fulminante como um corte;
porque não conheceram sonho nem paz
no leito infame da ventura,
porque uma só lei acataram mais ardente
que a gota ávida de salmoura.
Essa e não outra.
Essa e nenhuma outra.
Por isso mesmo suas mortes são os exasperados rostos
de nossa vida.

(Trad. A.M.)

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8.6.13

Camilo Castelo Branco (A tia Águeda)





A tia Águeda, a viúva do major, tinha pouco.

Desde 1828 até 1833 gastara seis mil cruzados em festejar os natalícios e as vitórias do Sr. D. Miguel com banquetes e iluminações que duravam três noites, num delírio de bombas reais e foguetes de lágrimas, com adega franca.

Mandava cantar Te-Deum na igreja de Alvações assim que no pais vinhateiro soava a notícia de alguma vitória do exército fiel.

Ora, os realistas, a contar por cada Te-Deum de Alvações, entravam no Porto às quinzenas para saírem por uma barreira e voltarem logo pela outra.

D. Águeda começava a desconfiar que o Deus de Afonso Henriques voltara a casaca.



- CAMILO CASTELO BRANCO, A Brasileira de Prazins, X.

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Pepe Ramos (Coleccionador de tentativas)





EL COLECCIONISTA DE TENTATIVAS



Vuelves de suicidarte una vez más.

Traes sepultado bajo la lengua
el cuerpo de un Cristo cuya cruz
es un neón verde
y su génesis genérico.

Huye del delirio, aún estás a tiempo:
vuelve al cauce plácido de la cordura.
Déjanos las gestas psicóticas
a los crónicos,
danos la paz.

¿Buscas la ascensión
o te conformas solo con la baja?

Por mucho que te empeñes
—Lázaro autolesivo—
fingir un suicidio no es resucitar.


Pepe Ramos



Vens de suicidar-te mais uma vez.

Tens sepultado por baixo da língua
o corpo de um Cristo cuja cruz
é um néon verde
e sua genérica génese.

Foge ao delírio, estás ainda a tempo,
volta ao leito plácido da razão.
Deixa as gestas psicóticas
para os crónicos,
dá-nos a paz.

Buscas a ascensão
ou só te serve a descida?

Por muito que te empenhes
– Lázaro auto-lesivo –
simular um suicídio
não é bem ressuscitar.

(Trad. A.M.)

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6.6.13

Pedro Andreu (Advertências)





ADVERTENCIAS



No vengas otra vez con tus historias
tan siglo diecinueve de tristezas.
No jures y perjures que perdiste
tu zapato en mi casa, Cenicienta,
pues bien sabes que perdiste otras cosas:
la cabeza tal vez, algo de pasta, un par de bragas
que voy probando a todas
las que prueban mi cama
sin dar con la que vuela.
Que ni yo soy azul ni tú princesa,
así que apaga y vámonos, y vuelve
a ser mi perra callejera, mi musa en celo,
mi luna de dormir la borrachera,
mi billete de avión a la locura,
mi Blancanieves puta y harapienta,
mi vino y la resaca; el frío y mis palabras.

Y déjate de cuentos y dame mucho sexo
y poco poquito poco
abominable falso esclavo imbécil
desvergonzado amor.

Pedro Andreu


[El baul de calzas largas]




Não me venhas cá com tuas histórias
tão século dezanove de tristezas.
Não jures nem perjures que perdeste
o sapato em minha casa, Cinzenta,
pois bem sabes que outras coisas perdeste,
a cabeça talvez, algum creme,
um par de cuecas
que vou experimentando em todas
quantas experimentam a minha cama
sem dar com aquela que voa.
Nem eu sou azul nem tu princesa,
apaga portanto a luz e vamos embora,
volta a ser a minha cadela vadia, minha musa de cio,
minha lua de dormir a borracheira,
meu bilhete para a loucura,
minha Branca-de-Neve puta e farrapona,
meu vinho mais a ressaca, o frio e minhas palavras.

E deixa-te de histórias, dá-me sexo muito
e pouco pouquinho pouco
abominável falso escravo imbecil
desavergonhado amor.

(Trad. A.M.)

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5.6.13

Camilo Castelo Branco (Principiava a chuviscar)





Principiava a chuviscar.

O abade ofereceu a sua casa ao forasteiro, enquanto não estiava a chuva.

Veríssimo aceitou por momentos, visto que não se prevenira com guarda-chuva – um traste que detestava.

Os aguaceiros repetiram-se com pequenas intercadências, varejados pelo sul; por fim, as cristas da serrania empardeceram, as nuvens rolavam pelos declives como escarcéus a despenharem-se, fechou-se o horizonte sem uma nesga, e a chuva não parava.

O abade não permitiu que o hóspede saísse com tal tempo e já perto da noite.


- CAMILO CASTELO BRANCO, A Brasileira de Prazins, XI.

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Pedro A. González Moreno (Salto)





EL SALTO



A veces sólo en esa mínima ecuación
de tierra y aire se resuelve la vida:
Saltar.
Último vuelo
de un pájaro con las alas quemadas
por el peso excesivo de la luz.
La verticalidad.
La perfección.
Herir el aire,
trazar la línea exacta del regreso,
abrazarse al abismo para saber si algo
continuará elevándose.
Saltar,
caer,
salir del laberinto.
Rasgar en el descenso
la claridad. Dejarse en la ventana
asomada la sombra
o guardarla doblada dentro de algún armario
porque, herido ya de levedad, el cuerpo
no volverá a necesitarla nunca.
Dar el salto tal vez
con la ciega esperanza de que algo
siga aún elevándose
después de la caída.

Pedro A. González Moreno



Às vezes só nessa mínima equação
de terra e ar se resolve a vida:
Saltar.
Último voo
de um pássaro com as asas queimadas
do peso excessivo da luz.
Verticalidade.
Perfeição.
Ferir o ar,
traçar a linha exacta do regresso,
abraçar o abismo para saber se algo
continuará a erguer-se.
Saltar,
cair,
sair do labirinto.
Rasgar na descida
a claridade. Deixar à janela
a sombra ou dobrá-la
e guardá-la num armário,
porque o corpo, ferido já de leveza,
jamais voltará a precisá-la.
Dar o salto talvez
na cega esperança de que algo
se erga ainda
depois da queda.

(Trad. A.M.)

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4.6.13

Francisco Alvim (Mãe morta)





MÃE MORTA



Tia batiza a gente
que a gente
quer se jogar debaixo do trem


Francisco Alvim

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3.6.13

Teresa Calderón (Ciúmes que matam mas nem por isso)





CELOS QUE MATAN PERO NO TANTO



1

Ya había visto sus ojos en los tuyos que no me miran que se mueren por verla.

2

Era un desliz definitivo. Desde un bolsillo de secretos un nombre de mujer tu letra un número la prueba final en la estructura mítica del héroe -consultar Villegas, Juan- desde el bolsillo esa mujer ese cuerpo de tus delitos.

3

Mañana marcaré ese número. Repetiré la operación hasta dar con esa palomita. Pienso decirle menos cosas de las que pienso. Pero a ti te lo advierto nos encontraremos los tres y sean cuales fueren los resultados te lo prometo aquí va a haber un muerto habrás un muerto en la familia querido mío.

4

Como ves o como no ves estoy pendiente de ti. Estoy el colmo de ti.

5

He aguzado el olfato para husmearla mejor en tus camisas en los jardines de tu pecho. Si captaras la sutileza de mi oído qué magnífico espectáculo pegado a las puertas el ojo a las cerraduras como el náufrago a su tabla y todo el océano para él solo.

6

Todos mis sentidos alerta pueden reconocerte a una distancia de metros bajo una niebla de película en pleno centro de Santiago a las doce del día en medio de la gente animal. Todos mis sentidos alerta. Dije todos menos el sentido del humor.

7

Cuídate de mí, maldito, porque te amo.

8

Más vale que te cuides. Tú sabes una caída en la ducha esas son caídas fatales me entiendes un remedio demás o equivocado te fijas un accidente casero cualquiera tiene en la vida arreglabas un enchufe y ¡oh, sorpresa, Fiat Lux! me comprendes o el cuchillo de cocina guardado adentro de la cama o el gas lento pero seguro no olvidemos. Por eso cuídate mejor que te encuentre confesado oleado y sacramentado y todo si te descubro amadísimo héroe.

9

Te acaricio te araño con táctica felina porque estás mintiéndome porque te juro lo sé todo aunque no digas ni pío.

10

Tardaría la noche entera enumerando los espantos que te haría si se confirmaran mis -según tu miserable opinión- infundadas sospechas. No tienes idea la de horrores que soy capaz, mi vida, la infinidad de maleficios que prepararía en la cocina hasta dar con esa pócima que te pusiera fuera de combate.

11

En esta guerra sangrienta las matemáticas están claramente de tu parte, yo soy una y una no es ninguna. Ante una ventaja así, no cabría más que deponer esas armas con las que no cuento y saludarlos con mis mejores deseos: que sean tremendamente infelices, que se pudran. Quiero que reciban periódicamente a la cigüeña cargada de imbunches, que no falten al himeneo las reinas de la muerte, las parcas de infalibles tijeras ¡Oh, Mnémesis, diosa fantástica de la venganza!


Teresa Calderón


[TriploV]




1

Eu tinha visto seus olhos nos teus que não me olham e morrem por vê-la.

2

Era uma falha definitiva. Num bolso de segredos um nome de mulher a tua letra um número a prova final na estrutura mítica do herói – consultar Villegas, Juan – no bolso essa mulher esse corpo dos teus delitos.

3

Amanhã marcarei esse número. Repetindo a operação até dar com essa pombinha. Penso dizer-lhe menos coisas do que aquelas que penso. Mas a ti aviso-te havemos de encontrar-nos os três e seja o que for aqui te prometo vai haver um morto vais ter meu querido um morto na família.

4

Como vês ou como não vês estou pendente de ti. Estou cheia de ti.

5

Agucei o olfacto para farejá-la melhor nas tuas camisas no jardim do teu peito. Se visses a subtileza do meu ouvido colado às portas que espectáculo magnífico e o olho na fechadura como o náufrago em sua tábua e o mar todo só para ele.

6

Os meus sentidos alerta podem reconhecer-te à distância de metros com uma névoa de cinema em pleno centro de Santiago ao meio-dia no meio da multidão. Todos os meus sentidos alerta. Digo, todos menos o sentido de humor.

7

Cuidado comigo, maldito, porque te amo.

8

É melhor acautelares-te. Sabes uma queda no banho essas são quedas fatais entendes-me um remédio a mais ou por engano estás a ver um acidente doméstico quem quer tem estás a arranjar uma tomada eléctrica e oh, surpresa, Fiat Lux! compreendes ou a faca de cozinha arrumada dentro da cama ou então o gás lento mas seguro como sabes. Por isso cuidado que te encontre confessado oleado e sacramentado caso eu te descubra amantíssimo herói.

9

Afago-te arranho-te com táctica felina porque me estás a mentir porque sei tudo eu te juro embora não digas nem pio.

10

Levaria a noite toda a contar os espantos que te daria caso se confirmassem as minhas – na tua miserável opinião – infundadas suspeitas. Não fazes ideia dos horrores de que sou capaz, vida minha, as mezinhas sem conta que arranjaria na cozinha até acertar na poção para te pôr fora de combate.

11

Nesta guerra sangrenta a matemática está do teu lado, porque eu sou uma e uma é nenhuma. Perante isso, eu deveria talvez depor as armas e despedir-me com os melhores votos, sede muito felizes, um raio que vos parta. Oxalá vos visite a cegonha periodicamente carregada de feitiços, que não faltem no himeneu as rainhas da morte, as parcas das infalíveis tesouras. Oh, Mnémesis, deusa fantástica da vingança!


(Trad. A.M.)

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2.6.13

Ver (136)







[Roteiro do Douro]

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Horacio Castillo (Anquises aos ombros)





ANQUISES SOBRE LOS HOMBROS



Todos llevamos, como Eneas, a nuestro padre sobre los hombros.
Débiles aún, su peso nos impide la marcha,
pero luego se vuelve cada vez más liviano,
hasta que un día deja de sentirse
y advertimos que ha muerto.
Entonces lo abandonamos para siempre
en un recodo del camino
y trepamos a los hombros de nuestro hijo.

Horacio Castillo


[De sibilas y pitias]



Todos levamos, como Eneias, nosso pai sobre os ombros.
Débeis ainda, seu peso tolhe-nos a marcha,
mas depois torna-se cada vez mais leve,
até que um dia deixa de sentir-se
e damos conta de que morreu.
Então deixamo-lo para sempre
numa curva do caminho
e trepamos para os ombros do nosso filho.

(Trad. A.M.)

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1.6.13

Ferreira Gullar (Extravio)





EXTRAVIO



Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?

Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.

Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.

Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em cada olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.

Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.


Ferrreira Gullar

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