12.12.09

Enrique Vila-Matas (O rei do mambo)







(O rei do mambo...)



Estava a pensar nisto tudo quando Julita Grau me perguntou se andava a escrever alguma coisa e disse-lhe que estava a acabar um romance que assassinava os leitores.

E à pergunta de se estava a preparar mais alguma coisa, dei uma grande fumaça no charuto havano e de repente ocorreu-me o título de uma peça de teatro que se intitularia Ao Sul das Pálpebras.

E quando ela quis saber de que tratava essa peça, aproveitei uma pausa na conversa de Paloma Picasso com os dois autores argentinos para olhar para o céu estrelado de Paris e dizer com falsa modéstia, embora sem conseguir ocultar a voz altiva de quem se julga a séculos de luz dos seus contemporâneos:

“Bom, não quero inchar as velas, mas tenho a intuição de que será uma peça interessante, é um estudo psicanalítico do olhar”.

Picasso e os dois dramaturgos olharam-me com estranheza.

Não me intimidei com nada, pelo contrário.

"Psicanalítico do olhar”, repeti.

Estava absolutamente convencido de que era o rei do mambo.


- ENRIQUE VILA-MATAS, Paris nunca se acaba, 106.

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