31.7.18

Antonio Rivero Taravillo (Meados de Outubro)






MITAD DE OCTUBRE



Todavía los cementerios
se aroman solitarios,
ya lavada la cara
para el Día de los Difuntos.
En las tumbas los líquenes
roban su nombre a los muertos
y se desposan con la piedra
escribiendo a su antojo el epitafio,
otros linajes, fechas diferentes.
En la ciudad de los vivos,
en un caballete invisible
se alza el lienzo del día;
los puestos de castañas otorgan
su niebla a la tarde de otoño.

Antonio Tivero Taravillo




Ainda os cemitérios
se perfumam solitários,
lavada a cara já
para o Dia dos Defuntos.
Nas campas os líquenes
roubam o nome aos mortos
e casam-se com a pedra
escrevendo a seu bel talante o epitáfio,
outras linhagens, datas diferentes.
No cidade dos vivos,
num cavalete invisível
ergue-se a tela do dia;
os assadores de castanhas outorgam
a sua névoa à tarde de outono.

(Trad. A.M)


>>  Fuego con nieve (blogue) / Circulo de poesia (5p) / Wikipedia

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29.7.18

Emanuel Félix (As raparigas lá de casa)






AS RAPARIGAS LÁ DE CASA



Como eu amei as raparigas lá de casa

discretas fabricantes da penumbra
guardavam o meu sono como se guardassem
o meu sonho
repetiam comigo as primeiras palavras
como se repetissem os meus versos
povoavam o silêncio da casa
anulando o chão os pés as portas por onde
saíam
deixando sempre um rastro de hortelã
traziam a manhã
cada manhã
o cheiro do pão fresco da humidade da terra
do leite acabado de ordenhar

(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar o odor doce e materno
das manadas quando passam)

aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava a inquieta maresia
dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos
no outono
penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas
na primavera

não me lembro da cor dos olhos quando olhava
os olhos das raparigas lá de casa
mas sei que era neles que se acendia
o sol
ou se agitava a superfície dos lagos
do jardim com lagos a que me levavam de mãos dadas
as raparigas lá de casa
que tinham namorados e com eles
traíam
a nossa indefinível cumplicidade

eu perdoava sempre e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa
porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o lado mau de sua inexplicável bondade
o vício da virtude da sua imensa ternura
da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor pelas raparigas lá de casa


Emanuel Félix


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27.7.18

César Fernández Moreno (Causas e efeitos)







CAUSAS Y EFECTOS



Cómo he podido amanecer sin vos
el que tuvo tu noche necesita tu alba
atravesar tu mañana hasta tu mediodía
y la siesta exige la tarde
imposible la tarde sin el atardecer
y por consiguiente volver a tu noche
la circunferencia del tiempo
consiste en tu presencia


César Fernández Moreno






Como pude eu amanhecer sem ti
quem te teve à noite precisa da tua alva
atravessar-te a manhã até ao meio-dia
e a sesta requer a tarde
impossível a tarde sem o entardecer
e portanto voltar à tua noite
a circunferência do tempo
inscrita na tua presença

(Trad. A.M.)

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25.7.18

César Cantoni (Poética do lixo)






POÉTICA DE LA BASURA



Todas las noches junto la basura,
la saco a la calle en una bolsa
y regreso a la casa.

(Tal la rutina de un hombre
que compone el papel de antihéroe
en una película olvidable.)

Antes de entrar, saludo a mi vecino
–otro astro de Hollywood venido a menos–,
que también ha salido a sacar la basura.

Luego, hostigado por los perros del barrio,
pasa el camión recolector
y se lleva las sobras de otro día de mierda.


César Cantoni




Todas as noites pego no lixo
levo-o à rua num saco
e volto para casa.

(Tal a rotina de um homem
que faz o papel de anti-herói
num filme comum.)

Antes de entrar, saúdo o vizinho
- outro astro de Hollywood falhado -
que também foi pôr o lixo no contentor.

Depois, perseguido pelos cães do bairro,
vem o camião da recolha
e lá leva as sobras de outro dia de merda.

(Trad. A.M.)

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23.7.18

Mário de Carvalho (Isto é um assalto)






(Isto é um assalto)



Um assalto em plena rua às cinco e trinta e dois da tarde!

Estas ocorrências são muito vulgares, embora pouco retratadas pela nossa literatura.

Habitualmente ocupamo-nos de histórias de famílias, avôs, tios, primos, cunhados, uns bons, outros maus, cartas antigas a forrar baús, mansões vetustas a que se regressa, e essas coisas, e esquecemo-nos de passar pelas ruas, com atenção penetrante, e deixar à posteridade uma nota de verismo, bem documental: - no fim do milénio, compenetrem-se os vindouros, os transeuntes, mesmo na Europa, são frequentemente espoliados dos seus bens, na via pública, de forma ilegal e assustadora.




MÁRIO DE CARVALHO
Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto
(1995)


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21.7.18

Jaime Siles (Silêncio)






SILENCIO


Equilibrio de luz
en el sosiego.
Mínima tromba.
Ensoñación, quietud.
Todo:
un espacio sin voz
hacia lo hondo oculto.

Jaime Siles



Equilíbrio de luz
em sossego.
Mínimo trovão.
Quietude, entonação.
Tudo,
um espaço mudo
no fundo oculto.

(Trad. A.M.)


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19.7.18

Carlos Edmundo de Ory (Inverno)






INVIERNO


Sólo se oye la lluvia
Cómo besa
Con sus bocas sedientas
Los ojos de la tierra

¡Sólo se oye la lluvia
Como una extraña queja!

Silencio tú te mojas

Carlos Edmundo de Ory




Ouve-se apenas a chuva
Como beija
Com suas bocas sedentas
Os olhos da terra

Ouve-se apenas a chuva
Como um estranho queixume!

Silêncio, tu vais-te molhar

(Trad. A.M.)


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17.7.18

Daniel Filipe (Romance de Tomasinho Cara-feia)






ROMANCE DE TOMASINHO CARA-FEIA



Farto de sol e de areia
que é o mais que a terra dá,
Tomasinho Cara-Feia
vai prá pesca da baleia.
Quem sabe se tornará?

Torne ou não torne, que tem?
Vai cumprir o seu destinho.
Só nha Fortunata, a mãe,
que é velha e não tem ninguém,
chora pelo seu menino.

Torne ou não torne, que importa?
Vai ser igual ao avô.
Não volta a bater-me à porta;
Deixou para sempre a horta,
que a longa seca matou.

Tomasinho Cara-Feia
(outro nome, quem lho dá?),
farto de sol e de areia,
foi prá pesca da baleia.

— E nunca mais voltará!

Daniel Filipe

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15.7.18

Carina Sedevich (O ramo da figueira)






LA RAMA DE UNA HIGUERA



Es invierno todavía.
El ruido de la estufa
funcionando
es el amor.
El ruido del agua
que se templa
es el amor.
El ruido del agua
sacudiendo
la ropa que se lava
es el amor.
Nos desvelamos
para escucharlo todo
la gata y yo.


Carina Sedevich

[Marcelo Leites]




É ainda Inverno.
O ruído da chaminé
a arder
é o amor.
O ruído da água
a amornar
é o amor.
O ruído da água
a sacudir
a roupa lavada
é o amor.
Descobrimo-nos as duas
para escutar tudo
a gata e eu.

(Trad. A.M.)

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13.7.18

Biel Vila (Às vezes)






A veces casi
sin pedirlo,
uno colecciona 
besos de hadas
y duda saber guardar
tanta pureza.


Biel Vila





Às vezes
até sem pedir,
uma pessoa junta
beijos de fadas.
E nem sabe como guardar
tanta pureza.

(Trad. A.M.)

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11.7.18

Agustina Bessa-Luís (Instintos)






(Instintos)


Os animais são mais felizes; o instinto nunca lhes mente. Connosco, quando o instinto nos aproxima, aparecem os deveres, as conveniências, e coisas piores ainda. (III)



AGUSTINA BESSA-LUÍS
Fanny Owen
(1979)
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9.7.18

Berta Piñán (Estações)





ESTACIONES



Salgo sola a caminar sobre la nieve.
Como quien se hubiera olvidado de vivir
por un instante -después del amor,
tú aún duermes.
Son los últimos fríos y
ya siento, bajo la piel tan blanca
de este invierno que acaba,
generaciones de raíces, bulbos
y semillas, multitudes hambrientas
de sol bajo la tierra.

Camino sola sobre la piel tan blanca
de este final de invierno
y en cada paso
adelanto, sin querer,
la primavera.


Berta Piñán

[Fragments de vida]




Saio sozinha, a caminhar pela neve,
como quem se esquecesse de viver
por instantes – depois do amor –
ainda tu dormes.
São os derradeiros frios
e eu já sinto, sob a pele tão branca
deste inverno a terminar,
raízes e mais raízes, bolbos
e sementes, multidões famintas
de sol por baixo da terra.

Caminho sozinha sobre a pele tão branca
deste final de inverno
e em cada passo
adianto, sem querer, a primavera.


(Trad. A.M.)

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7.7.18

Berna Wang (Pequenos acidentes domésticos)






PEQUEÑOS ACCIDENTES CASEROS 



Me  hice un tajo en un dedo cuando cocinaba.
Luego me despellejé otro dedo al abrir una botella.
Hoy me he raspado la pierna con el pico de la mesita.
Así que me he puesto seria:
he reunido en asamblea a todos los objetos de mi casa
y les he dicho que ya sé
que me muero de la pena,
que tengo el corazón en carne viva,
que ya sé
que no soy más que una herida que sangra tristeza,
que hasta respirar me duele porque él no me ama
como le amo yo;
en fin: que no hace ninguna falta, les he dicho,
que me lo recuerden también ellos
cada día.


Berna Wang






Cortei-me num dedo a cozinhar,
depois esfolei outro a abrir uma garrafa,
hoje arranhei a perna com um pico da mesinha.
Aí, pus-me séria
e convoquei todos os objectos de casa,
para lhes dizer que me custa muito,
que morro de pena,
que tenho o coração numa chaga,
que sou assim uma ferida a sangrar de tristeza,
que até respirar me dói por ele me não amar
como eu o amo.
Enfim, que não precisam, disse-lhes ainda,
de mo recordar também eles
cada dia.


(Trad. A.M.)

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5.7.18

Albano Martins (Chão de larvas)





CHÃO DE LARVAS



Devolvo
à nascente o fluxo, ao mar a indomável
surpresa da corrente
Posso
agora olhar
ileso os poros, repousar
a cabeça entre os líquenes - substância
minha austera, meu
chão de larvas e fadiga.


Albano Martins

[Insonia]

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4.7.18

Begoña Abad (A forma justa)






LA FORMA JUSTA



La forma justa de estar sobre la tierra

la de abrazarte sin poseerte,
la de besar tus labios, sin robárselos a otro,
la de palpar tu cuerpo sin pecar,
la de beber los vientos por tu nombre
y la de buscar tu deseo sin herirte.

La justa medida para quererte,

para sujetar tu mirada si se aleja,
para pedirte las manos sin atarte,
para seguirte los pasos sin espiarte,
para escucharte sin adentrarme en tus secretos
y la de hacerte mío y libre a un tiempo.


Begoña Abad





A forma justa de estar sobre a terra

a de abraçar-te sem te ter,
a de te beijar os lábios, sem os roubar a outro,
a de tocar teu corpo sem pecar,
a de beber os ventos por teu nome
e a de buscar-te o desejo sem te ferir.

A justa medida para amar-te,

para te prender o olhar se me foge,
para te pedir as mãos sem amarrar,
para te seguir os passos sem te espiar,
para te escutar sem invadir teus segredos
e de fazer-te meu e livre a um tempo.


(Trad. A.M.)


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3.7.18

Batania (Fosse eu capaz)






Fuera yo capaz
de amarte en picado
sin quererte mía;
fuera solo un peine
que pasa por tu pelo
y no lo retiene.

Batania





Fosse eu capaz
de amar-te de caixão à cova
sem te querer minha;
fosse eu tão só um pente
que te passa pelo cabelo
sem o reter.

(Trad. A.M.)


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2.7.18

Agustina Bessa-Luís (A verdade)




(A verdade)



A verdade vive isolada do registo em que pode ser contada ao mundo. (III)

AGUSTINA BESSA-LUÍS
Fanny Owen
(1979)

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1.7.18

Ape Rotoma (Frio)






 FRÍO



Un mal diciembre. Una buena noche 
pero cerrada antes de las siete.
Fin de semana que es una tregua
en muchos sentidos, de muchas cosas. 

No sé. Fumando un costo muy digno
y tecleando aquí disparates
siento un amago falso de euforia
que aun falso y todo, agradezco. Mucho.

Ape Rotoma




Um Dezembro ruim. Noite boa,
mas acabada antes das sete.
Fim-de-semana, uma trégua
em muitos sentidos, de muitas coisas.

Não sei. Fumando uma moca muito decente
e dedilhando aqui uns disparates,
sinto um falso ameaço de euforia
que, mesmo falso e tudo, agradeço.
Muito.

(Trad. A.M.)

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