30.12.09
INDICE DE AUTORES (2005-9)
ACQUARONI, Rosana
AGUIAR, Cristóvão
AGUIAR, Jorge
AGUSTINI, Delmira
ALBERTI, Rafael
ALEGRE, Manuel
ALEGRIA, Claribel
ALEIXANDRE, Vicente
ALEXANDRE, António Franco
ALIEBURI, Ibne Ayyas
ALISBUNI, Ibne Mucana
ALMEIDA, José António
ALMUTÂMIDE, Mohâmede
ALONSO, Dámaso
AMAR, Ibne
ANDRADE, Carlos Drummond
ANDRADE, Eugénio
ANDRADE, Mário
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner
ASSIS, Machado
BANDEIRA, Manuel
BAPTISTA, José Agostinho
BARRON, Néstor
BARROS, José Carlos
BARROS, Manoel
BAUDELAIRE, Charles
BAUTISTA, Amalia
BEAUVOIR, Simone
BELO, Ruy
BENEDETTI, Mário
BERGAMÍN, José
BERTO, Al
BLANDIANA, Ana
BOLAÑO, Roberto
BORGES, Jorge Luís
BOTELHO, Renata Correia
BOTTO, António
BRANCO, Camilo Castelo
BRANCO, Rosa Alice
BRANDÃO, Fiama Hasse Pais
BRANDÃO, Raul
BRECHT, Bertolt
BRINES, Francisco
BRITO, Casimiro
CABRAL, A.M.Pires
CABRAL, Rui Pires
CADILHE, Gonçalo
CAMÕES, Luís
CARNEIRO, Mário Sá
CARVER, Raymond
CASTELLANOS, Rosario
CASTRO, Rosalía
CELAYA, Gabriel
CENTENO, Yvette
CERNUDA, Luís
CESARINY, Mário
CHAR, René
CORREIA, Natália
CORTÁZAR, Julio
CRUZ, Sor Juana Inês
CUENCA, Luis Alberto
DALTON, Roque
DÍAZ-GRANADOS, Federico
DIEGO, Eliseo
DIONÍSIO, Mário
EDSON, Russel
ELOY BLANCO, Andrés
ELUARD, Paul
ESPANCA, Florbela
FAFE, José Fernandes
FELIPE, León
FERREIRA, David Mourão
FERREIRO, Celso Emilio
FIGUEIREDO, Tomaz
FONOLLOSA, José María
FONTE, Ramiro
FREITAS, Manuel
GALEANO, Eduardo
GALLEGO, Vicente
GAMONEDA, António
GARCÍA CASADO, Pablo
GARCÍA MARTÍN, José Luis
GELMAN, Juan
GIDE, André
GIL DE BIEDMA, Jaime
GONZÁLEZ, Angel
GONZÁLEZ IGLESIAS, Juan Antonio
GUEDEA, Rogelio
GULLAR, Ferreira
HELDER, Herberto
HERCULANO, Alexandre
HERNÁNDEZ, Francisco
HERNÁNDEZ, Miguel
HILST, Hilda
HORTA, Maria Teresa
INÁCIO, Ana Paula
JEANSON, Henri
JONAS, Daniel
JORGE, Luiza Neto
JUARROZ, Roberto
JÚDICE, Nuno
KAVAFIS, Konstandinos
KNOPFLI, Rui
LEIRIA, Mário-Henrique
LEVI, Jan Heller
LIMA, Ângelo
LISPECTOR, Clarice
LIZALDE, Eduardo
LOBO, Francisco Rodrigues
LOPES, Adília
LOPES, Fernão
LUHRMANN, Baz
MACHADO, Antonio
MARGARIT, Joan
MARTINS, Albano
MATTOS, António Almeida
MEIRELES, Cecília
MERINO, Ana
MESTRE, Juan Carlos
MEXIA, Pedro
MEZQUITA, Nuria
MIRANDA, Francisco Sá
MONETTE, Hélène
MONTEIRO, Adolfo Casais
MORAES, Vinicius
MORIN, E.
MOURA, Gabriela
MUÑOZ ROJAS, José Antonio
MUTIS, Álvaro
NAMORADO, Joaquim
NEGREIROS, José Almada
NEJAR, Carlos
NEMÉSIO, Vitorino
NERUDA, Pablo
NESSI, Alberto
NIETZSCHE, Friedrich
OLIVEIRA, Carlos
OLIVEIRA, Carlos Mota
OLIVEIRA, Mário Rui
O’NEILL, Alexandre
ORTIZ, Fernando
OSÓRIO, António
PACHECO, Fernando Assis
PACHECO, José Emilio
PANERO, Juan Luis
PANERO, Leopoldo María
PARRA, Nicanor
PAVESE, Cesare
PAZ, Octavio
PEDREIRA, Maria do Rosário
PÉREZ CABAÑA, Rosario
PÉREZ CAÑAMARES, Ana
PERI ROSSI, Cristina
PESSOA, Fernando
PESSOA, Fernando (A.Caeiro)
PESSOA, Fernando (A.Campos)
PESSOA, Fernando (R.Reis)
PIMENTA, Alberto
PINA, Manuel António
PIRES, Graça
PITTA, Eduardo
PLATH, Sylvia
PRADO, Adélia
PRÉVERT, Jacques
QUINTANA, Mário
RANGEL, Violeta C.
REIS, António
RIBEIRO, Aquilino
RIBEIRO, Bernardim
RITSOS, Yannis
ROJAS HERAZO, Héctor
ROSA, António Ramos
SABINES, Jaime
SAFO
SALINAS, Pedro
SÁNCHEZ ROSILLO, Eloy
SANTOS, José Carlos Ary
SANZ, María
SARA, Ibne
SENA, Jorge
SILVA, José Miguel
SIMONOV, Konstantin
TAGORE, Rabindranath
TAVARES, Gonçalo M.
TEILLIER, Jorge
THEOBALDY, Jürgen
TORGA, Miguel
UÁZIR, Abdalá Ibne
UGIDOS, Silvia
VALÉRY, Paul
VERDE, Cesário
VICENTE, Gil
VILA-MATAS, Enrique
VILLENA, Luis Antonio
WILLIAMS, William Carlos
YEATS, W.B.
YOURCENAR, Marguerite
ZAÍD, Gabriel
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Carlos Nejar (Redondel)
REDONDEL
O coração se acrescenta
ao coração se acrescenta
a outro e senta sob a árvore
- tudo tão nuvem entre
um coração e outro -
redondos os sins, os vãos,
a noite na concha
do coração, o pampa
e os corações sentados
e um coração voando.
Mudando, tudo é possível
recomeçar.
Carlos Nejar
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29.12.09
Juan Antonio González Iglesias (Mon tout dans ce monde)
MON TOUT DANS CE MONDE
Palabras de otro idioma, de otro siglo,
de otro amor: aceptarlas
para poder decir cómo te quiero,
lo que eres para mí.
Exactamente eso: mi todo en este mundo.
J. A. González Iglesias
Palavras de outra língua, outro século,
outro amor: aceitá-las
para poder dizer como te amo,
o que és para mim.
Exactamente isso: meu tudo neste mundo.
(Trad. A.M.)
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Alexandre O'Neill (Sigamos o cherne)
SIGAMOS O CHERNE
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria...
Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...
Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando, mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa...
Alexandre O’Neill
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28.12.09
José María Fonollosa (Water Street)
WATER STREET
El mundo nos resulta ajeno, inhóspito.
Debiera ser destruido por completo.
Construir un mundo nuevo sin sus ruinas.
Y estrenar una vida diferente.
Pero al pasar el tiempo el nuevo mundo
tampoco hallarán propio nuevos hombres..
También ellos querrán un mundo nuevo.
Mejor fuera destruirlo y no hacer otro.
José María Fonollosa
O mundo parece-nos alheio, inóspito.
Deveria ser destruído totalmente.
Construir-se um mundo novo sem as ruínas.
E inaugurar uma vida diferente.
Mas com o passar do tempo o mundo novo
tão pouco o acharão próprio novos homens...
Também eles hão-de querer um mundo novo.
Melhor seria destruí-lo e não fazer outro.
(Trad. A.M.)
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27.12.09
Um verso (69)
Um verso de Gonçalo M.
(o Senhor Gonçalo, quem disse):
Para levantar algo é indispensável a força,
enquanto para assistir à queda a paciência basta.
Gonçalo M. Tavares
.
Sophia de Mello Breyner Andresen (A estrela)
A ESTRELA
(…)
Nesse lugar pensei: “Quanto deserto
atravessei para encontrar aquilo
que morava entre os homens e tão perto”
Sophia de Mello Breyner Andresen
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25.12.09
José Antonio Muñoz Rojas (Rosa)
Rosa, mi corazón, mi latifundio,
mi campo de amapolas, mi arroyuelo,
mi torreón de mirlos, mi rocío,
mi noche de verano, mi proyecto
al fresco de la tarde, mi ola, ¡salta,
salta a mis brazos! Deja que revuelva
un poco tu cabello, mientras pienso
en la colmena oscura, con las mieles
ya colmadas de agosto, y el murmullo
de las abejas. Corazón, mi Rosa,
te adoro simplemente. ¿Te lo he dicho?
José Antonio Muñoz Rojas
Rosa, meu coração, meu latifúndio,
meu campo de papoilas, minha ribeira,
meu torreão de melros, meu orvalho,
minha noite de Verão, meu projecto
ao fresco da tarde, minha onda, pula,
pula para os meus braços! Deixa-me
remexer-te um pouco o cabelo, enquanto penso
na colmeia escura, os méis
já colmados de Agosto e o zumbir
das abelhas. Coração, Rosa minha,
adoro-te simplesmente. Já te disse?
(Trad. A.M.)
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José Agostinho Baptista (Veneração)
VENERAÇÃO
Venerei-te quase sempre,
sem querer, sem saber, apenas como quem
cumpre um destino
perante o sangue e as rosas.
Foste, talvez,
essa flor inquieta, tempestuosa, inimiga da
sombra e da calma,
foste uma espada de fogo, ardendo sobre
os altares, onde se sentou o anjo caído.
Mil sóis passaram, mil amantes, mil jogos
inocentes,
e agora os teus ombros não podem suportar o
peso do mundo.
Desaparecerás como as árvores, as flores e as
casas.
Não sei para onde vais.
Procuro-te na décima porta, junto aos
umbrais,
junto às noites acesas do outro lado do céu.
JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
Agora e na hora da nossa morte
Assírio & Alvim, 1998
Fontes: J.A.Baptista (sítio pessoal/bio+biblio+extractos) / PoesiaseProsas (4p) / As Tormentas (4p)
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24.12.09
Rui Pires Cabral (Vila Real)
VILA REAL
Estamos sentados entre o xisto e a caruma
no chão da montanha. Os choupos são uma impressão
riscada no cenário à nossa frente, mas nós temos as mãos ocupadas
com outros pensamentos. Às vezes era doloroso viver atrás
das montanhas, pressentíamos a distância do mundo como uma faca
e usávamos o mesmo gume para dividir entre nós
as enormes tardes de domingo.
Nós os três contra o ar duro do Marão, os braços em torno
dos joelhos. Quase uma imagem para a música das cassetes
que eu levava para todo o lado (alguma desenquadrada peça de Satie
entre Polly Jean e Tom Waits a uivar como um cão). Tínhamos vindo
à procura da neve debaixo dos troncos, atirámos pequenas pedras
às fundações do vale. E como parece branco e nítido o inverno.
Rui Pires Cabral
Fontes: Poesias e Prosas (16p) / PIW (5p) / Um buraco na sombra (37p)
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23.12.09
Jorge Teillier (Se eu pudesse voltar)
SI PUDIERA REGRESAR
Si pudiera regresar,
recobrar la oscuridad
que sucedió al griterío de los invitados
cuando alguien apagó de un soplo
las velas de la torta de cumpleaños.
Saber por qué sigo soñando
con esa mañana de caza
y el ruido del disparo que volteaba las perdices
se mezcla al de un puñado de tierra
lanzado a un ataúd.
Si pudiera regresar
¿te encontraría más nítida
que en mi memoria fiel?
La manera de ponerte
una cinta en el pelo,
el tren donde subíamos,
la canción que silbabas
cuando preparaste desayuno:
«I walk alone».
Si pudiera regresar.
Jorge Teillier
Se eu pudesse voltar,
recuperar a escuridão
a seguir à gritaria dos convidados
quando alguém apagou de um sopro
as velas do bolo de aniversário.
Saber por que continuo sonhando
com essa manhã de caça
e o ruído do disparo às perdizes
mistura-se ao de um punhado de terra
lançado a um caixão.
Se eu pudesse voltar
achar-te-ia mais nítida
que em minha memória fiel?
O modo de pores
a fita no cabelo,
o comboio onde andávamos,
a canção que assobiavas
a preparar o pequeno-almoço:
“I walk alone”.
Se eu pudesse voltar.
(Trad. A.M.)
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21.12.09
A.M.Pires Cabral (Tu que nos deste)
TU QUE NOS DESTE
Tu que nos deste a primavera
e o sarampo,
as manobras fáceis da procriação
e a denodada repulsa pela morte,
leva um pouco mais longe a generosidade
e dá-nos agora a indiferença:
longa, fria, auspiciosa.
Como a que deste às pedras.
E - segundo parece -
como a que reservaste para ti.
Dá-nos esse gelo, essa tão
dura carapaça. Para que passem
carroças sobre nós - e nós a assobiar.
A.M.PIRES CABRAL
As Têmporas da Cinza (*)
Cotovia (2008)
(*) Prémio de Poesia Luís Miguel Nava-2009
> Entrevista a Carlos Vale Marques - Ler
.
20.12.09
Francisco Brines (Os prazeres inferiores)
OS PRAZERES INFERIORES
Não desdenhes as paixões vulgares.
Tens os anos precisos para saber
que elas correspondem exactamente à vida.
Não reduzas a sua acção,
pois se as subtrais
do breve tempo em que consistes
é ainda mais falho o existir.
Descobre sua verdade por trás da aparência
e assim não haverá falsidade,
nem poderás mentir que foi razão de vida
o que foi apenas trânsito.
Mas pouparam-te elas o fiel aborrecimento das horas.
Exigem lucidez, não em sua experiência,
mas em seu escasso ser;
valora-as exactas,
para o que tens de saber o que a vida vale
e essa sabedoria há muito que é tua.
Se te enganares a medi-las,
fá-lo sempre por defeito.
Nunca melhores o que vale pouco.
E que não tenham nome, nem tempo possuído,
e fiquem confundidas em sua promiscuidade.
Sabes que a memória é fraca e te ajuda.
Todas são uma só,
como uma só é a vida.
E as outras paixões, dignas de um nome
e do refúgio do tempo,
mantém-nas longe delas,
que te lembrem sempre o que a vida não é.
E agradece à vida esses erros.
FRANCISCO BRINES
Insistencias en Luzbel
[Cervantes]
(Trad. A.M.)
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19.12.09
José Carlos Barros (Do que a vida podia ter sido)
DO QUE A VIDA PODERIA TER SIDO
Os amigos juntam-se e falam do passado,
da música que já não se ouve na rádio,
do inverno em que choveu semanas a fio
e o rio saiu das margens para desenhar
nos troncos das árvores os círculos imperfeitos
da idade. Eles sabem para si mesmos que falam
do que nunca existiu: das mulheres
que se renderam para sempre às palavras do amor,
das perdizes caindo de asa nas encostas
iluminadas da urze, das corridas memoráveis
do vinte e cinco de abril, das tardes de domingo
que haveriam de envergonhar a uefa
se a televisão estivesse presente nas finais dos torneios
dos bombeiros voluntários. É disso que os amigos
falam: do que a vida poderia ter sido
se não fosse a filha da puta da vida que foi.
José Carlos Barros
[Hospedaria Camões]
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18.12.09
Mário Cesariny (Pastelaria)
PASTELARIA
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo:
fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz?
E amanhã há bola antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo de chamar o gerente
e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo à saída da pastelaria,
e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta de ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Mário Cesariny
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Fernando Ortiz (Don Manuel)
DON MANUEL
Gabardina en invierno, en el verano
traje gris de telilla, y la corbata.
Bonachón, irascible, autoritario,
con el pelo ya blanco le recuerdo.
La cara ancha, pobladas y revueltas
las muy hirsutas cejas, que a menudo
pellizcaba al entrar en Babia.
Caída la nariz, breve, carnosa.
El sabor del café le era tan grato
que no sé cuántos se tomaba al día.
Y de la mesa, cómo disfrutaba.
No he vuelto a ver deleite igual al suyo
como nunca vi a nadie con un sueño
tan fácil - dos minutos, de pie, en misa.
Qué mal cantaba y con qué ilusión
cuando estaba contento. Pienso que
he heredado de él esta virtud.
Fue un trabajador infatigable.
Guarda el calor mi mano de la suya
paseando los dos los raros días
que sus quehaceres le dejaban libre.
Cuando crecí, pasó lo que pasó.
Su avanzada edad, mi rebeldía,
la mutua intransigencia, el desencuentro.
Aparece en mis sueños con frecuencia
y ni en ellos me habla. Yo lo intento
en estos versos que leéis ahora.
FERNANDO ORTIZ
Moneditas
(1996)
Gabardina de Inverno, no Verão
fato cinzento claro, com gravata.
Bonachão, irrascível, autoritário,
recordo-o já de cabelo branco.
Cara larga, sobrancelhas cheias
e muito hirsutas, que beliscava
amiúde ao entrar em Babia.
Caído o nariz, breve, carnoso.
Tão grato lhe era o sabor do café
que não sei quantos tomava por dia.
E à mesa, como gozava.
Nunca mais vi prazer igual ao seu,
tal como jamais vi alguém com o sono
tão fácil – dois minutos, de pé, até na missa.
Como cantava mal e com que ilusão
quando estava contente. Acho que
herdei dele esta virtude.
Foi um trabalhador incansável.
Guarda o calor minha mão da sua,
os dois passeando nos raros dias
que os seus afazeres o deixavam livre.
Depois que cresci, deu-se o que deu.
A sua idade avançada, a minha rebeldia,
a intransigência mútua, o desencontro.
Aparece-me em sonhos com frequência
e nem neles me fala. Eu tento fazê-lo
nestes versos que estais lendo agora.
(Trad. A.M.)
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17.12.09
Manoel de Barros (Desejar ser - 4)
DESEJAR SER – 4
Escrevo o idioleto manoelês archaico.
(Idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e com as moscas).
Preciso de atrapalhar as significâncias.
O despropósito é mais saudável do que o solene.
(Para limpar das palavras alguma solenidade – uso bosta).
Sou muito higiênico.
E pois.
O que ponho de cerebral nos meus escritos é apenas uma vigilância pra não cair na tentação de me achar menos tolo que os outros.
Sou bem conceituado para parvo.
Disso forneço certidão.
MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007
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15.12.09
José Carlos Ary dos Santos (Poeta castrado, não)
POETA CASTRADO, NÃO!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado, não!
J.C. Ary dos Santos
Ana Merino (Carta de um náufrago)
CARTA DE UN NÁUFRAGO
Con el consentimiento de la nieve
caminaré despacio.
Alguien habrá que espere junto al fuego
y yo, que estaré ciega por el frío,
haré paradas breves,
sacudiré el paraguas y empezaré de nuevo.
El único secreto es no sentirse
inmensamente lleno de verdades.
No aceptar nunca las invitaciones
que la neblina
sugiere al anidar con sus disfraces
de paisaje feliz, de grandes sueños.
Alguien habrá que diga, se ha perdido,
alguien saldrá a buscarme,
y llevará el calor de una botella
donde podré mandarte este mensaje.
ANA MERINO
Los días gemelos
(1997)
Com a permissão da neve
caminharei devagar.
Alguém haverá à espera junto do lume
e eu, cega do frio,
farei breves paragens,
sacudirei o guarda-chuva e começarei de novo.
O único segredo é não sentir-se
imensamente cheio de verdades.
Jamais aceitar os convites
da neblina
ao fazer ninho com seus disfarces
de paisagem feliz, de grandes sonhos.
Alguém haverá que diga, perdeu-se,
alguém sairá a buscar-me
e levará o calor de uma garrafa
onde poderei mandar-te esta mensagem.
(Trad. A.M.)
Fontes: A media voz (12p) / Um buraco na sombra (6p) / Wikipedia
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14.12.09
Um verso (68)
Um verso de Joan Margarit
(que temos muitos pela proa):
...ao teu amor não perdoes nada, nem o seu final.
Joan Margarit
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13.12.09
Adília Lopes (Hans Magnus Enzensberger)
HANS MAGNUS ENZENSBERGER
Hans Magnus Enzensberger
na Casa Pessoa
mostrou-se
muito pessimista
em relação
ao mundo
mas muito contente
consigo mesmo
Adília Lopes
.
Rui Knopfli (Quem somos)
QUEM SOMOS
Quem somos, senão o que imperfeitamente
sabemos de um passado de vultos
mal recortados na neblina opaca,
imprecisos rostos mentidos nas páginas
antigas de tomos cujas palavras
não são, de certo, as proferidas,
ou reproduzem sequer actos e gestos
cometidos. Ergue-se a lâmina:
metal e terra conhecem o sangue
em fronteiras e destinos pouco
a pouco corrigidos na memória
indecifrável das areias.
A lápide, que nomeia, não descreve
e a história que o historia,
eco vário e distorcido, é já
diversa e a si própria se entretece
na mortalha de conjecturados perfis.
Amanhã seremos outros. Por ora
nada somos senão o imperfeito
limbo da legenda que seremos.
RUI KNOPFLI
O Corpo de Atena
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12.12.09
Enrique Vila-Matas (O rei do mambo)
(O rei do mambo...)
Estava a pensar nisto tudo quando Julita Grau me perguntou se andava a escrever alguma coisa e disse-lhe que estava a acabar um romance que assassinava os leitores.
E à pergunta de se estava a preparar mais alguma coisa, dei uma grande fumaça no charuto havano e de repente ocorreu-me o título de uma peça de teatro que se intitularia Ao Sul das Pálpebras.
E quando ela quis saber de que tratava essa peça, aproveitei uma pausa na conversa de Paloma Picasso com os dois autores argentinos para olhar para o céu estrelado de Paris e dizer com falsa modéstia, embora sem conseguir ocultar a voz altiva de quem se julga a séculos de luz dos seus contemporâneos:
“Bom, não quero inchar as velas, mas tenho a intuição de que será uma peça interessante, é um estudo psicanalítico do olhar”.
Picasso e os dois dramaturgos olharam-me com estranheza.
Não me intimidei com nada, pelo contrário.
"Psicanalítico do olhar”, repeti.
Estava absolutamente convencido de que era o rei do mambo.
- ENRIQUE VILA-MATAS, Paris nunca se acaba, 106.
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Florbela Espanca (Rústica)
RÚSTICA
Ser a moça mais linda do povoado,
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A benção do Senhor em cada filho.
Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho...
Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho...
Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à «terra da verdade»...
Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
FLORBELA ESPANCA
Charneca em Flor
(1930)
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10.12.09
Joan Margarit (Auto-retrato)
AUTORRETRATO
De la guerra quedó el viejo capote
de un desertor sobre mi cama.
En la noche sentía el tacto áspero
de aquellos años, que no fueron
los más felices de mi vida.
Sin embargo, el pasado acaba siendo
fraternidad de lobos y melancolía
por un paisaje que falsea el tiempo.
Queda el amor - no la filosofía
que es igual que una ópera - y nada
de poeta maldito: tengo miedo
pero me apaño sin idealismo.
Las lágrimas a veces se deslizan
tras el cristal oscuro de las gafas.
La vida es un capote de desertor.
Joan Margarit (*)
Da guerra ficou o velho capote
de um desertor na minha cama.
De noite sentia o tacto áspero
desses anos, que não foram
os mais felizes da minha vida.
Contudo, o passado acaba sendo
irmandade de lobos e melancolia
duma paisagem que o tempo falseia.
Resta o amor – não a filosofia
que é igual a uma ópera – e nada
de poeta maldito: tenho medo
mas abrigo-me sem idealismo.
Às vezes as lágrimas deslizam
por trás do vidro escuro dos óculos.
A vida é um capote de desertor.
(Trad. A.M.)
(*) Joan Margarit em Lisboa / Casa Fernando Pessoa / 14 Dez. 2009 - 18,30 horas
- Apresentação do seu livro "Casa da Misericórdia", ed. ovni
(Mais...)
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9.12.09
8.12.09
Eugénio de Andrade (O amor)
O AMOR
Estou a amar-te
como o frio corta os lábios.
A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.
A inundar-te de facas
saliva esperma lume.
Estou a rodear de agulhas
a boca mais vulnerável.
A marcar sobre os teus flancos
itinerários da espuma.
Assim é o amor: mortal e navegável…
Eugénio de Andrade
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7.12.09
Federico Díaz-Granados (Assuntos familiares)
ASUNTOS FAMILIARES
Este vivir entre multitudes y muchedumbres
me recuerda el linaje que no conozco.
No sé si mis antepasados fueron comerciantes o humanistas,
quizá sastres de alguna corte o algún barrio.
La sangre que me corre es de ellos.
No sé si eran abogados o médicos,
no sé si hubo algún santo, deportista, héroe o payaso,
pero en mis ojos reconozco cada día el licor de sus tristezas.
Federico Díaz-Granados
Este viver entre muita gente e muita coisa
recorda-me a linhagem que desconheço.
Não sei se os meus antepassados foram comerciantes ou humanistas,
talvez alfaiates de uma corte ou de um bairro.
É deles o sangue que corre em mim.
Não sei se eram advogados ou médicos,
não sei se houve algum santo, desportista, herói ou palhaço,
mas cada dia reconheço em meus olhos o licor das suas tristezas.
(Trad. A.M.)
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Manoel de Barros (Árvore)
ÁRVORE
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.
Manoel de Barros
[Blocos Online]
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Enrique Vila-Matas (Um grande cabrão)
(Um grande cabrão...)
Dito isto, talvez fique também explicado porque é que, por exemplo, uma certa ocasião, um dia em que recebi de manhã o vale de correio do meu pai, julguei sentir-me rico e ter uma alma apodrecida e capitalista e fui deliberadamente ao Café La Rotonde beber champanhe e ali, sem que naturalmente ninguém se pudesse aperceber disso, dediquei-me a desforrar-me interiormente e a flartar com a minha mente e a ir trasformando-a numa mente monstruosa – hoje vejo-o com muita nitidez – tentando não desaproveitar todas as possibilidades de ser um grande cabrão, que eu dizia para comigo que podia ser, se quisesse.
- ENRIQUE VILA-MATAS, Paris nunca se acaba, 97.
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5.12.09
José Emilio Pacheco (Nuvens)
NUBES
En un mundo erizado de prisiones
sólo las nubes arden siempre libres.
No tienen amo, no obedecen órdenes,
inventan formas, las asumen todas.
Nadie sabe si vuelan o navegan,
si ante su luz el aire es mar o llama.
Tejidas de alas son flores del agua,
arrecifes de instantes, red de espuma.
Islas de niebla, flotan, se deslíen
y nos dejan hundidos en la Tierra.
Como son inmortales nunca oponen
fuerza o fijeza al vendaval del tiempo.
Las nubes duran porque se deshacen.
su materia es la ausencia y dan la vida.
José Emilio Pacheco (*)
[Noctambulario]
Num mundo eriçado de prisões
só as nuvens ardem sempre livres.
Não têm amo, nem conhecem ordens,
inventam formas, assumem-nas todas.
Ninguém sabe se navegam ou voam,
se ante sua luz o ar é mar ou chama.
Tecidas de asas são flores de água,
recifes de instantes, rede de espuma.
Flutuam, ilhas de névoa, desligam-se
e deixam-nos sumidos na Terra.
Como são imortais jamais opõem
resistência ou força ao vendaval do tempo.
Duram as nuvens porque se desfazem.
Sua matéria é a ausência e dão a vida.
(Trad. A.M.)
(*) Prémio Cervantes-2009
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4.12.09
Sophia de Mello Breyner Andresen (Inscrição)
INSCRIÇÃO
Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar
Sophia de Mello Breyner Andresen
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2.12.09
Dámaso Alonso (Vento da noite)
VIENTO DE NOCHE
El viento es un can sin dueño,
que lame la noche inmensa.
La noche no tiene sueño.
Y el hombre, entre sueños, piensa.
Y el hombre sueña, dormido,
que el viento es un can sin dueño,
que aúlla a sus pies tendido
para lamerle el ensueño.
Y aun no ha sonado la hora.
La noche no tiene sueño:
¡alerta, la veladora!
Dámaso Alonso
O vento é um cão sem dono,
a lamber a noite imensa.
A noite não tem sono.
E o homem, entre sonhos, pensa.
E o homem sonha, dormindo,
que o vento é um cão sem dono,
uivando-lhe aos pés estendido
para lamber-lhe o sonho.
E não soou ainda a hora.
A noite não tem sono:
alerta, sentinela.
(Trad. A.M.)
Fontes: Wikipedia / A media voz (23p) / Poesi.as (18p)
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