7.1.17

João Guimarães Rosa (A cavalhada)





Quando, então, trouxeram reunidos todos os animais, estavam ajuntando a cavalhada. Regulava subida manhã, orçado o sol, e eles redondeavam no aprazível – tropilha grande, pondo poeira, dado o alvoroço de muitos cascos.
Fiz um rebuliz?
Dou confesso o que foi: era de mim que eles estavam espantados.
Aí porque a cavalaria me viu chegar, e se estrepoliu.
O que é que cavalo sabe?
Uns deles rinchavam de medo; cavalo sempre relincha exagerado.
Ardido aquele nitrinte riso fininho, e, como não podiam se escapulir para longe, que uns suavam, e já escumavam e retremiam, que com as orelhas apontavam.
 Assim ficaram, mas murchando e obedecendo, quando, com uma raiva tão repentina, eu pulei para o meio deles: - “Barzabu! Aquieta, cambada!” – que eu gritei.
Me avaliaram.
Mesmo pus a mão no lombo dum, que emagreceu à vista, encurtando e baixando a cabeça, arrufava a crina, conforme terminou o bufo de bufor.


JOÃO GUIMARÃES ROSA
Grande Sertão: Veredas
(1956)
.

Pedro César Alcubilla (Tarde de chuva)





TARDE DE LLUVIA



Somos paraguas rotos
bajo una tormenta que nunca acaba.
Chocamos unos con otros
sin importar el daño que hacemos.
Aguantando el chaparrón.
La lluvia no para.
Demasiado viento.
Demasiada agua
en demasiados charcos.
Aún miramos hacia el cielo
buscando una esperanza.
Y no escampa.


Pedro César Alcubilla





Somos chapéus de chuva rasgados
numa tempestade que não se acaba.
Chocamos uns contra os outros
sem cuidar do mal que fazemos.
Aguentando a bátega.
Não pára a chuva.
Muito vento,
muita água,
em muitos charcos.
Olhamos para o céu ainda,
buscando uma esperança.
E não escampa.



(Trad. A.M.)


6.1.17

Pedro da Silveira (Calmaria)





CALMARIA



Verão. Dois velhos
sentados à Praça.
Lembram casos dos tempos das baleias
e vêem quem passa.

Um vapor que lá vai
pela linha do pego, lado a lado.
E uma chuva de sol
no mar parado.

Dir-se-á que nada
acaba ou começa.
Um relógio dá horas.
Devagar. Molemente. Não tem pressa.



Pedro da Silveira

[Pico da vigia]

5.1.17

Pedro A. González Moreno (Luz nas talhas)





LUZ NAS TALHAS



Havia tanta luz naquele pátio
que se podia apanhar em talhas
e guardá-la para depois, como água da chuva,
para quando as sombras durassem demasiado.
Talhas cheias de luz na dispensa
para quando a noite nos cegasse.

Era tanta a luz, que se fazia sólida
e se entancava em charcos de brasa e cal viva,
crescia em cachos delicados
que se podiam colher devagar
para quando o Inverno voltasse.

E enquanto alguém apanhava, aos montes,
escombros pela casa,
eu tomava avaramente
fios de luz
que guardava nos armários
ou naqueles poemas escritos às escondidas.


Pedro A. González Moreno


(Trad. A.M.)


4.1.17

João Guimarães Rosa (Frior, friúme, friagem)





A mor, bem na descida, avante, branquejavam aqueles grossos de ar, que lubrinam, que corrubiam.
Dos marimbus, das Veredas-Mortas.
Garoa da madrugada.
E, a bem dizer por um caminho sem expedição, saí, fui vindo m’embora.
Eu tinha tanto friúme, assim mesmo me requeimava forte sede.
Desci, de retorno, para a beira dos buritis, aonde o pano d’água.
 A claridadezinha das estrelas indicava a raso a lisura daquilo.
Ali era bebedouro de veados e onças.
Curvei, bebi, bebi.
E a água até nem não estava de frio geral: não apalpei nela a mornidão que devia-de, nos casos de frio real o tempo estar fazendo.
Meu corpo era que sentia um frio, de si, frior de dentro e de fora, no me rigir.
Nunca em minha vida eu não tinha sentido a solidão duma friagem assim.
E se aquele gelado inteiriço não me largasse mais.


JOÃO GUIMARÃES ROSA
Grande Sertão: Veredas
(1956)

Pablo Neruda (Poema 3 - Ah vastidão de pinhais)





POEMA 3  (AH VASTEDAD DE PINOS...)




Ah vastedad de pinos, rumor de olas quebrándose,
lento juego de luces, campana solitaria,
crepúsculo cayendo en tus ojos, muñeca,
caracola terrestre, en ti la tierra canta!

En ti los ríos cantan y mi alma en ellos huye
como tú lo desees y hacia donde tú quieras.
Márcame mi camino en tu arco de esperanza
y soltaré en delirio mi bandada de flechas.
En torno a mí estoy viendo tu cintura de niebla
y tu silencio acosa mis horas perseguidas,
y eres tú con tus brazos de piedra transparente
donde mis besos anclan y mi húmeda ansia anida.

Ah tu voz misteriosa que el amor tiñe y dobla
en el atardecer resonante y muriendo!
Así en horas profundas sobre los campos
he visto doblarse las espigas en la boca del viento.


Pablo Neruda




Ah vastidão de pinhais, rumor de ondas quebrando,
lento jogo de luzes, solitário sino,
crepúsculo caindo, boneca, em teus olhos,
concha terrestre, em ti a terra canta!

Em ti cantam os rios e minha alma foge neles
para onde tu quiseres e como desejares.
Traça-me o caminho em teu arco de esperança
e eu soltarei em delírio minha revoada de flechas.

Em torno de mim vejo tua cinta de névoa
e teu silêncio acossa minhas horas perseguidas,
e és tu ainda com teus braços de pedra
onde ancoram meus beijos e a minha ânsia faz ninho.

Ah, essa voz misteriosa que o amor tinge e dobra
no entardecer que vai morrendo!
Assim vi, em horas profundas pelos campos,
dobrarem-se as espigas na boca do vento.


(Trad. A.M.)

3.1.17

Paulo Leminski (Desencontrários)





DESENCONTRÁRIOS



Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.

Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

Nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
ou um homem de fé
certezas o vento leva
só dúvidas ficam de pé.


Paulo Leminski

[Poemblog]




2.1.17

Pablo Casares (Nada mais)





NADA MAIS



Não temos de sentir-nos culpados
de todos os horrores
que se dão à nossa volta.

Não seria justo.
Nem lógico.

Só podemos ser responsáveis
das pequenas barbaridades
que fazemos normalmente.



Pablo Casares

(Trad. A.M.)



1.1.17

João Guimarães Rosa (Os dias ruins)





Os ruins dias, o castigo do tempo todo ficado, em que falhamos na Coruja, conto malmente.
A qualquer narração dessas depõe em falso, porque o extenso de todo sofrido se escapole da memória.
E o senhor não esteve lá.
O senhor não escutou, em cada anoitecer, a lugúgem do canto da mãe-da-lua.
 O senhor não pode estabelecer em sua idéia a minha tristeza quinhoã.
 Até os pássaros, consoante os lugares, vão sendo muito diferentes.
Ou são os tempos, travessia da gente?
Daí, despropositou o frio, vezmente.
E quase que todos os companheiros já estavam adoecidos.


JOÃO GUIMARÃES ROSA
Grande Sertão: Veredas
(1956)

Óscar Hahn (Pena de morte)





PENA DE MUERTE




Lo peor es despertarse por la mañana
pensando que ahora nada puede ser igual
y hay que levantarse y ducharse
y preparar el café como siempre
y partir al trabajo como siempre
como si no hubiera pasado nada
aunque ha pasado todo
pasó se acabó llegó a su fin
«es mejor así»
y caminas por la calle como un sonámbulo
chocando con los transeúntes
con los vendedores de diarios
y te sientas en un banco de piedra
sin saber si estás vivo o muerto
da lo mismo
porque la muerte también puede ser
una mesa en un bar dos martinis secos
y un par de labios rojos
pronunciando palabras
que caen como guillotinas


Óscar Hahn




O pior é acordar de manhã
a pensar que nada pode ser igual agora
e há que levantar e tomar banho
e arranjar o café como sempre
e ir trabalhar como sempre
como se nada tivesse acontecido
apesar de que aconteceu
acabou chegou ao fim
‘é melhor assim’
e caminhas rua fora como um sonâmbulo
a chocar com os transeuntes
com os ardinas
e sentas-te num banco de pedra
sem saber se estás vivo ou morto
é a mesma coisa
porque a morte também pode ser
uma mesa num bar dois martinis secos
e um par de lábios vermelhos
pronunciando palavras
que caem como guilhotinas

(Trad. A.M.)


31.12.16

ÍNDICE DE AUTORES (2005-16)







A., Ruben
ABAD, Begoña
ABASS, Umar
ACQUARONI, Rosana
AGUIAR, Cristóvão
AGUIAR, Jorge
AGUIRRE, Francisca
AGUIRRE, María Belén
AGUIRRE, Raúl Gustavo
AGUSTINI, Delmira
ALBA, Sebastião
ALBERT, Irene
ALBERTI, Rafael
ALCARAZ, José
ALCUBILLA, Pedro César
ALEGRE, Manuel
ALEGRIA, Claribel
ALEIXANDRE, Vicente
ALEXANDRE, António Franco
ALIAGA, Cristian
ALIAGA IBAÑEZ, Rosa
ALIEBURI, Ibne Ayyas
ALISBUNI, Ibne Mucana
ALMEIDA, Fialho
ALMEIDA, José António
ALMUTÂMIDE, Mohâmede
ALMUZARA, Javier
ALONSO, Dámaso
ALVIM, Francisco
AMAR, Ibne
AMARAL, Ana Luísa
AMARO, Luís
AMPUERO, Jorge
ANDRADE, Carlos Drummond
ANDRADE, Eugénio
ANDRADE, Jotaele
ANDRADE, Mário
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner
ANDREU, Pedro
ANSELME, Jean l‘
ANTUNES, António Lobo
ARAUJO, Mercedes
ARIDJIS, Homero
ASSIS, Machado
ASUNCIÓN ALONSO, Martha
ATWOOD, Margaret
AUB, Max

BANDEIRA, Manuel
BAPTISTA, Amadeu
BAPTISTA, José Agostinho
BARAHONA, António
BARNET, Miguel
BARRAL, Juanjo
BARRON, Néstor
BARROS, José Carlos
BARROS, Manoel
BARRUECO, José Ángel
BATANIA
BAUDELAIRE, Charles
BAUTISTA, Amalia
BEAUVOIR, Simone
BECHARA, Eduardo
BEJARANO, Julián
BELLI, Gioconda
BELO, Ruy
BELTRAN, Fernando
BENEDETTI, Mario
BENÍTEZ REYES, Felipe
BENTO, José
BERGAMÍN, José
BERTO, Al
BIGURI, Íker
BLANDIANA, Ana
BOCAGE
BOCCANERA, Jorge
BOLAÑO, Roberto
BONIFAZ NUÑO, Rubén
BONILLA, Gsús
BONILLA, Juan
BONNETT, Piedad
BORGES, Jorge Luis
BOTAS, Victor
BOTELHO, Renata Correia
BOTTO, António
BRAGA, Jorge de Sousa
BRANCO, Camilo Castelo
BRANCO, Rosa Alice
BRANDÃO, Fiama Hasse Pais
BRANDÃO, Raul
BRASIL, Geraldino
BRECHT, Bertolt
BREZMES, Alfonso
BRINES, Francisco
BRITO, Casimiro
BROSSA, Joan
BUENDÍA, Rogelio
BUKOWSKI, Charles
BUXÁN, Alfredo

CABRAL, A.M.Pires
CABRAL, Rui Pires
CADENAS, Rafael
CADILHE, Gonçalo
CALDERÓN, Teresa
CAMARNEIRO, Nuno
CAMÕES, Luís
CARNEIRO, Mário Sá
CARRIEGO, Evaristo
CARSON, Anne
CARVALHEIRA, Jorge
CARVALHO, Armando Silva
CARVALHO, José Rentes
CARVALHO, Mário
CARVALHO, Raul
CARVER, Raymond
CASARES, Pablo
CASARIEGO, Pedro
CASIELLES, Laura
CASTELLANOS, Rosario
CASTILHO, Paulo
CASTILLA, Manuel J.
CASTILLO, Horacio
CASTRO, Rosalía
CATTANEO, Susana
CELAYA, Gabriel
CENTENO, Yvette
CERNUDA, Luis
CESARINY, Mário
CÉSPEDES, Alejandro
CHACÓN, Dulce
CHAR, René
CHIRINOS, Eduardo
CICERO, Antonio
CINATTI, Ruy
COCHOFEL, João José
COHEN, Leonard
COLASANTI, Marina
COLINAS, Antonio
CONTARDI, Marilyn
CORREDOR-MATHEOS, José
CORREIA, João Araújo
CORREIA, Natália
CORTÁZAR, Julio
COSTAFREDA, Alfonso
CRAWFORD, Robert
CRESPO, Ángel
CRESPO, Mariano
CRUZ, Sor Juana Inês
CUENCA, Luis Alberto
CUMBREÑO, José María
CUETO, Adolfo

DALTON, Roque
DAS, Javier
DECÉSARE, María Laura
DELMAR, Meira
DEUS, João
DIAS, Inês
DÍAS, Marcelo Daniel
DIAS, Saul
DÍAZ-GRANADOS, Federico
DIEGO, Eliseo
DIONÍSIO, Mário
DOCE, Jordi
DOSHI, Tishani
DURRELL, Lawrence

EDSON, Russel
EIRAS, Pedro
ELOY BLANCO, Andrés
ELUARD, Paul
ENSENYAT, Paula
ERRASTI, Eduardo
ESPANCA, Florbela
ESPEJO, José Daniel
ESPINA, Jorge

FAFE, José Fernandes
FARIA, Daniel
FELIPE, León
FERIA, Luis
FERNÁNDEZ MORENO, Baldomero
FERNÁNDEZ MORENO, César
FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, José António
FERREIRA, David Mourão
FERREIRA, José Gomes
FERREIRO, Celso Emilio
FERRUZ, Raúl
FIGUEIREDO, Tomaz
FONOLLOSA, José María
FONSECA, Manuel
FONTE, Ramiro
FORTE, António José
FRAGUI, Gonzalo
FREITAS, Manuel
FUERTES, Gloria

GALA, Antonio
GALARZA, Javier
GALEANO, Eduardo
GALIMI, Gisela
GALLEGO, Vicente
GAMONEDA, Antonio
GARCÍA CALVO, Agustín
GARCÍA CASADO, Pablo
GARCÍA LORCA, Federico
GARCÍA-MÁIQUEZ, Enrique
GARCÍA MARTÍN, José Luis
GARCÍA MONTERO, Luis
GARCÍA ZAMBRANO, María
GARRETT, Almeida
GELMAN, Juan
GIANNUZI, Joaquín
GIDE, André
GIL DE BIEDMA, Jaime
GIOIA, Dana
GIRONDO, Oliverio
GLÜCK, Louise
GOMES, Paulo Varela
GÓMEZ JATTÍN, Raúl
GONÇALVES, Egito
GONZÁLEZ, Ángel
GONZÁLEZ, David
GONZÁLEZ, Jonio
GONZÁLEZ, Ulalume
GONZÁLEZ ANSORENA, Luis
GONZÁLEZ IGLESIAS, Juan Antonio
GONZÁLEZ MORENO, Pedro A.
GOROSTIZA, José
GOYTISOLO, José Agustín
GRANDE, Félix
GREGÓRIO, António
GUEDEA, Rogelio
GUINDA, Ángel
GULLAR, Ferreira
GUSTAVO AGUIRRE, Raúl
GUTIÉRREZ VEGA, Hugo

HABITUALMENTE, João
HAHN, Óscar
HATHERLY, Ana
HELDER, Herberto
HERCULANO, Alexandre
HERNÁNDEZ, Francisco
HERNÁNDEZ, Miguel
HERNÁNDEZ, Paz
HERRERO, Fermín
HIDALGO, José Luis
HIERRO, José
HILST, Hilda
HORTA, Maria Teresa
HUIDOBRO, Vicente

IGLESIAS, Jacob
INÁCIO, Ana Paula
IRIBARREN, Karmelo C.
IRIGOYEN, Ramón

JARAMILLO AGUDELO, Darío
JEANSON, Henri
JONAS, Daniel
JORGE, João Miguel Fernandes
JORGE, Luiza Neto
JUARISTI, Jon
JUARROZ, Roberto
JÚDICE, Nuno
JUNQUEIRO, Guerra

KAVAFIS, Konstandinos
KNOPFLI, Rui

LACERDA, Alberto
LAINE, Jarkko
LANSEROS, Raquel
LASHERAS, Javier
LEIRIA, Mário-Henrique
LEMINSKI, Paulo
LEVI, Jan Heller
LIMA, Ângelo
LINAJE, Iñigo
LISPECTOR, Clarice
LIZALDE, Eduardo
LIZANO, Jesús
LLANOS, Eduardo
LOBO, Francisco Rodrigues
LOPES, Adília
LOPES, Fernão
LÓPEZ CORTÉS, Pura
LÓPEZ PACHECO, Jesús
LUHRMANN, Baz

MACEDO, Helder
MACHADO, Antonio
MADARIAGA. Francisco
MÃE, Valter Hugo
MAILLARD, Chantal
MARCH, Susana
MARGARIT, Joan
MARTÍ I POL, Miquel
MARTÍNEZ FERRER, América
MARTÍNEZ SARRIÓN, Antonio
MARTINS, Albano
MARTINS, Miguel
MARZAL, Carlos
MATTEI, Olga Elena
MATTOS, António Almeida
MAVER, Tom
MEDINA, Dante
MEIRELES, Cecília
MENDES, Luís Filipe Castro
MENDES, Murilo
MENDONÇA, José Tolentino
MERINI, Alda
MERINO, Ana
MESTRE, Juan Carlos
MEXIA, Pedro
MEZQUITA, Nuria
MIGUÉIS, José Rodrigues
M ILÁN, Eduardo
MIRANDA, Francisco Sá
MITRE, Eduardo
MOLINERO, Jorge M.
MONETTE, Hélène
MONTEIRO, Adolfo Casais
MONTEJO, Eugenio
MONTOJO MICÓ, Ana
MORAES, Vinicius
MORAL, Paco
MORIN, E.
MOURA, Dinis
MOURA, Gabriela
MOURA, Vasco Graça
MOYA, Manuel
MUJICA, Hugo
MUÑOZ, Cysko
MUÑOZ, Rosabetty
MUÑOZ LAGOS, Marino
MUÑOZ ROJAS, José Antonio
MUTIS, Álvaro

NAMORA, Fernando
NAMORADO, Joaquim
NASSAR, Raduan
NAVA, Luís Miguel
NEGREIROS, Almada
NEJAR, Carlos
NEMÉSIO, Vitorino
NERUDA, Pablo
NESSI, Alberto
NETO, João Cabral de Melo
NEUMAN, Andrés
NIETO DE LA TORRE, Raúl
NIETZSCHE, Friedrich
NIEVA, Silvia
NOGUERA, Laia
NOVELLI, Aldo Luis
NÚÑEZ, Aníbal

OCAMPO, Silvina
OLIVEIRA, Carlos
OLIVEIRA, Carlos Mota
OLIVEIRA, José Alberto
OLIVEIRA, Mário Rui
O’NEILL, Alexandre
ORIHUELA, Antonio
OROZCO, Olga
ORS, Miguel d’
ORTIZ, Fernando
ORY, Carlos Edmundo
OSÓRIO, António
OTERO, Blas

PACHECO, Fernando Assis
PACHECO, José Emilio
PADURA, Leonardo
PAES, José Paulo
PALAU, Josep
PANERO, Juan Luis
PANERO, Leopoldo María
PARISO, Valeria
PARRA, Josefa
PARRA, Nicanor
PARRADO, Luís Filipe
PARREÑO, José María
PAVESE, Cesare
PAZ, Octavio
PEDREIRA, Maria do Rosário
PEDRONI, José
PEIXOTO, José Luís
PEREIRA, Helder Moura
PÉREZ CABAÑA, Rosario
PÉREZ CAÑAMARES, Ana
PÉREZ MONTALBÁN, Isabel
PÉREZ MORTE, Antonio
PÉREZ-SAUQUILLO, Vanesa
PÉREZ VALLEJO, Ernesto
PERI ROSSI, Cristina
PESSANHA, Camilo
PESSOA, Fernando
PESSOA, Fernando (A.Caeiro)
PESSOA, Fernando (A.Campos)
PESSOA, Fernando (R.Reis)
PETISME, Ángel
PICÓN, Francisco J.
PIMENTA, Alberto
PINA, Manuel António
PIÑÁN, Berta
PIQUERAS, Juan Vicente
PIQUERO, José Luis
PIRES, Graça
PIRES, José Cardoso
PITTA, Eduardo
PIZARNIK, Alejandra
PLATH, Sylvia
PONCE, Laura
POZZI, Antonia
PRADO, Adélia
PRÉVERT, Jacques

QUART, Pere
QUEIROZ, Eça
QUINTAIS, Luís
QUINTANA, Mario

RAMONES, Rita
RAMOS, Manuel Silva
RAMOS, Pepe
RAMOS SIGNES, Rogelio
RANGEL, Violeta C.
RASCÓN, Patricio
RÉGIO, José
REIS, António
REYES, Miriam
RIBEIRO, Aquilino
RIBEIRO, Bernardim
RICARDO, Cassiano
RIECHMANN, Jorge
RITSOS, Yannis
ROCA, Juan Manuel
RODRÍGUEZ, Claudio
RODRÍGUEZ, Josep M.
RODRÍGUEZ, Lucas
ROJAS, Gonzalo
ROJAS HERAZO, Héctor
ROMERO, Kutxi
ROSA, António Ramos
ROSA, João Guimarães
ROSALES, Luis
ROSENBERG, Mirta
ROSSETTI, Ana
ROTOMA, Ape
RUSHIN, Kate

SABINES, Jaime
SAER, Juan José
SAFO
SALEM, Carlos
SALINAS, Pedro
SALOMÉ, Ana
SALVAGO, Javier
SAMPAIO, Jaime Salazar
SÁNCHEZ, Raúl
SÁNCHEZ CARRÓN, Irene
SÁNCHEZ ROSILLO, Eloy
SANT’ANNA, Affonso Romano
SANTOS, José Carlos Ary
SANZ, María
SARA, Ibne
SARACENI, Gina
SEDEVICH, Carina
SELMA, Leda
SENA, Jorge
SERPA, Alberto
SEXTON, Anne
SEVILLA, Pedro
SICILIA, Javier
SILVA, Elder
SILVA, José Mário
SILVA, José Miguel
SILVEIRA, Pedro
SILVESTRIN, Ricardo
SIMÓN, César
SIMONOV, Konstantin
SINMÁS, Juana
SISCAR, Marcos
SOTO, Elena
SOUSA, Gil T.
STABILE, Uberto
STRAND, Mark
SZPUNBERG, Alberto

TAGORE, Rabindranath
TALENS, Jenaro
TAMEN, Pedro
TAVARES, Gonçalo M.
TEILLIER, Jorge
THEOBALDY, Jürgen
TORGA, Miguel
TORRES, Alexandre Pinheiro
TRAMÓN, Marcos
TRAPIELLO, Andrés

UÁZIR, Abdalá Ibne
UGIDOS, Silvia
URONDO, Francisco

VALDÉS, Zoé
VALENTE, José Ángel
VALÉRY, Paul
VALLEJO, César
VALLVEY, Ángela
VALVERDE, Álvaro
VALVERDE, Fernando
VARELA, Blanca
VAZ, Eva
VEGA, Alberto
VERA MIRANDA, Hugo
VERDE, Cesário
VICENTE, Gil
VILA, Biel
VILA-MATAS, Enrique
VILARIÑO, Idea
VILAS, Manuel
VILLENA, Luis Antonio
VITALE, Ida
VIVAS SANZ, Roberto

WANG, Berna
WARREN, Louise
WILLIAMS, W. C.
WITTIB, Rocío
WITTNER, Laura
WOLFE, Roger

YEATS, W.B.
YOURCENAR, Marguerite

ZAÍD, Gabriel
ZINK, Rui
ZONTA, José María
ZUÑIGA, José Luis


.

30.12.16

René Char (Lettera amorosa)





LETTERA AMOROSA (*)



Nos paroles sont lentes à nous parvenir,
comme si elles contenaient, séparées,
une sève suffisante pour rester closes tout un hiver ;
ou mieux,
comme si, à chaque extrémité de la silencieuse distance,
se mettant en joue,
il leur était interdit de s’élancer et de se joindre.
Notre voix court de l’un à l’autre,
mais chaque avenue, chaque treille, chaque fourré,
la tire à lui, la retient, l’interroge.
Tout est prétexte à la ralentir.

Souvent je ne parle que pour Toi,
afin que la terre m’oublie.

Après le vent c’était toujours plus beau,
bien que la douleur de la nature continuât.


 René Char





Vêm-nos lentamente as palavras,
como se contivessem, separadas,
uma seiva bastante para se fecharem o Inverno todo;
ou melhor,
como se em cada ponta da silenciosa distância,
na mira das armas,
lhes fosse vedado erguer-se e juntar-se.
Nossa voz corre de uma a outra,
mas cada avenida, cada ramada ou matagal,     
a atrai, detém, interroga,
e tudo serve para a demorar.

Muita vez eu não falo senão para ti,
a ver se a terra me esquece.

E melhora sempre o tempo depois do vento,
embora persista a dor da natureza.


(Trad. A.M.)

____________________

(*) Há várias versões: ... nonobstant...



29.12.16

Adolfo Cueto (Poética)





POÉTICA



Palabras en corrientes subterráneas,
subterráneas corrientes respiradas
–trabajadas, expresadas:
palabras en corrientes necesarias.


Adolfo Cueto

.


28.12.16

Maria Teresa Horta (Partir)





PARTIR



Não sei
se te deixei partir

Mas num segundo
já não estás na minha mão
nem à minha frente no papel

Ficando eu sem saber
quem eras
quando te encontrei

Se o retrato que de ti
tracei te é fiel

Ou se de tanto te inventar
eu te perdi, por entre
as florestas das histórias

Penumbras dos palácios
Pensamentos, poesias e diários
Oceanos e ventos

Pois nem sequer
percebo se por mim
te afastei ou te larguei

Se obstinada fugiste
ou te esqueci
Se a Torre onde te pus é de Babel

E dela partirás
para viver a única
paixão da tua vida

Não, nem sequer sei
qual foi o meu olhar
pousado em ti

Se com ele te espiei
te persegui
E no espelho onde te vias

Eu te olhei



Maria Teresa Horta



.

27.12.16

Jonio González (Creio como falo)





CREO COMO HABLO



el camino consiste

en comprender que si el fuego
habita la rama
queda un hueco
que es el hambre

en penetrar la tiniebla
hasta que se iluminen los cielos
hasta que la palabra perfume la brizna
de lo que se ha perdido
y al final bajar del coche
y arrancar del parabrisas
los pájaros muertos


Jonio González






o caminho consiste

em compreender que se o fogo
mora nos ramos
resta um vazio
que é a fome

em penetrar a treva
até se iluminarem os céus
até a palavra perfumar a brisa
daquilo que se perdeu
e no fim descer do carro
e tirar do pára-brisas
os pássaros mortos

(Trad. A.M.)


26.12.16

Ruy Belo (Vat 69)





VAT 69



Era depois da morte herberto helder
Ia fazer três anos que morrêramos
três anos dia a dia descontados no relógio
da torre que de sombra nos cobriu a infância:
rodas no adro — gira a borboleta que se atira ao ar
o jogo do berlinde o trinta e um pedradas
nas cabeças nos ninhos nas vidraças
Foi quando verdadeiramente começou
a conspiração dos líquenes cabelos e avencas
na mina onde molhámos nossos jovens pés
e tirámos retratos pra morrer mais uma vez
Os nossos filhos — nós outra vez crianças —
comiam e gostavam das laranjas essas mesmas laranjas
que mordemos em tempos ao chegar nas férias de natal
no quintal que as máximas mãos deixaram já depois abandonado
Era a seguir à morte meu poeta
era na meninice havia festa e na sala da entrada
pensávamos na morte — nunca mais — pela primeira vez
Trincávamos cheirávamos maças no muro sobre a praia
roubávamos o balde ou íamos atrás do homem dos robertos
Era nas férias havia o mar e íamos à missa
ouvíamos a campainha e o padre voltava-se pra nós
—orate frates — ou íamos ao cemitério apesar do catitinha
Era depois da morte sobre a plana infância
o primeiro natal o cheiro do jornal
lido na adega ou na casa do forno
sentados pensativos sobre a terra húmida
Era na infância o sol caía enquanto água corria
entre os pés de feijão e os buracos de toupeiras
calcados prontamente pelas botas
soprava o vento e vinha a moinha da eira
o cão comia o bolo e morria debaixo da figueira
e teria sepultura com enterro e cruz e muitas flores
Havia casamentos o meu pai falava
e os noivos deitavam-nos confeitos das carroças
E os registos mistério tempo da prenhez
Era talvez no outono havia asma
havia a festa da azeitona havia os fritos
ao domingo havia os bêbados estendidos pelas ruas
havia tanta coisa no outono havia o cristovam pavia
Era a primavera o rio rápido subia
os barcos navegavam entre a vinha
e alastrava a sombra e a tarde adensava-se
num espesso e branco nevoeiro de algodão
noite dos candeeiros sombras nas paredes
e minha mãe pegava na espingarda ia à janela
e ouvia-se o chumbo no telhado lá ao longe
O leovigildo o marcolino o sítio do miguel
a sesta a monda das mulheres
a queda do bizarro exposto na igreja
isso e o almoço a saber mal
quando vinham da escola pra saber significados
Eram as despedidas de coelhos e galinhas antes das viagens
Eram as festas era o roubo dos melões
era a menstruação oculta da criada
Era talvez em tempos de tormenta
havia ferros entre a palha por baixo da galinha
que chocava os ovos dentro de um velho cesto
eram as nossas casa em adobe
e era o carnaval os bailes os cortejos
Íamos para a praia e eu lia camilo
ouvia o mar bater sem conseguir compreender
como podia estar ali se tinha estado noutro sítio
Era o tempo dos primeiros amores
eu via o pavão adoecia e só muito mais tarde lia
o trecho que me competia entre as amadas raparigas
A casa não ficava muito longe dos montes
não havia a cidade nem os outros
punham ainda em causa o meu reino de deus
senhor de tudo o que depois não tive
Era depois da morte ou era antes da morte?
Mas haveria a morte verdadeiramente?
Lia o paulo e virgínia chorava e perguntava
se tudo aquilo tinha acontecido
Era o meu pai era esse sonhador incorrigível
sem nunca mais saber que havia de fazer dos dias
Eram as folhas novas eram os perdigotos
saídos não há muito ainda da casca
Era era tanta coisa
Seria realmente após a morte herberto helder


Ruy Belo




25.12.16

Oliverio Girondo (Restringido propósito)





RESTRINGIDO PROPÓSITO




Demasiado corpóreo,
limitado,
compacto.

Tendré que abrir los poros
y disgregarme un poco.

No digo demasiado.


Oliverio Girondo

24.12.16

João Guimarães Rosa (Ah, eu)





Aí dele me lembrei, na hora: e esse Hermógenes eu odiasse!
Só o denunciar dum rancor – mas como lei minha entranhada, costume quieto definitivo, dos cavos do continuado que tem na gente.
Era feito um nojo, por ser.
Nem, no meu juízo, para essa aversão não carecia de compor explicação e causa, mas era assim, eu era assim.
Que ódio é aquele que não carece de nenhuma razão?
Do que acho, para responder ao senhor: a ofensa passada se perdoa; mas, como é que a gente pode remitir inimizade ou agravo que ainda é já por vir e nem se sabe?
Isso eu pressentia.
Juro de ser.
Ah, eu.


JOÃO GUIMARÃES ROSA
Grande Sertão: Veredas
(1956)

.

Octavio Paz (Teus olhos)





TUS OJOS



Tus ojos son la patria del relámpago y de la lágrima,
silencio que habla,
tempestades sin viento, mar sin olas,
pájaros presos, doradas fieras adormecidas,
topacios impíos como la verdad,
otoño en un claro del bosque en donde la luz
canta en el hombro de un árbol y son pájaros todas las hojas,
playa que la mañana encuentra constelada de ojos,
cesta de frutos de fuego,
mentira que alimenta,
espejos de este mundo, puertas del más allá,
pulsación tranquila del mar a mediodía,
absoluto que parpadea,
páramo.


OCTAVIO PAZ
Libertad bajo palabra
(1935-1957)

[Un poema cada dia]





Teus olhos são a pátria da lágrima e do relâmpago,
silêncio eloquente,
tempestade sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
Outono na clareira do bosque onde a luz
canta no ombro da árvore e as folhas são pássaros,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
absoluto que pisca,
páramo.

(Trad. A.M.)

.




23.12.16

Florbela Espanca (Se tu viesses ver-me)





Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti... 


FLORBELA ESPANCA
Charneca em Flor

(1931)


.