28.2.20

Nuno Dempster (Prevalência)





PREVALÊNCIA



Tão frágeis as papoilas,
inaudível o canto do serzino,
livres os seres
dos rios e do mar,
e as mulheres que dançam:
tudo permaneceu
depois de terem
passado os godos.

Nuno Dempster

[Amadeu Baptista]



>>  A esquerda da virgula (blogue) / Facebook / Triplo V (9p)

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26.2.20

José Emilio Pacheco (O silêncio)





EL SILENCIO



La silenciosa noche. Aquí en el bosque
no se escuchan rumores.
Los gusanos trabajan.
Los pájaros de presa hacen lo suyo.
Pero yo no oigo nada.
Sólo el silencio que da miedo. Tan raro,
tan escaso se ha vuelto en este mundo
que ya nadie se acuerda de cómo suena,
nadie quiere
estar consigo mismo un instante.
Mañana
dejaremos de nuevo la verdadera vida para mañana.
No asco de ser ni pesadumbre de estar vivo:
extrañeza
de hallarse aquí y ahora en esta hora tan muda.
Silencio en este bosque, en esta casa
a la mitad del bosque.
¿Se habrá acabado el mundo?


José Emilio Pacheco

[Trianarts]




A silenciosa noite. Aqui no bosque
não se ouve um rumor.
Os bichos trabalham.
As aves de presa fazem o seu papel.
Mas eu não ouço nada.
Só o silêncio dá medo. Tão raro,
tão escasso se tornou neste mundo,
que ninguém já se lembra de como soa,
ninguém quer
estar consigo mesmo um instante.
Amanhã
deixaremos de novo para amanhã a vida verdadeira.
Nem nojo de ser, nem pesar de estar vivo:
estranheza de achar-se aqui e agora nesta hora tão muda.
Silêncio neste bosque, nesta casa
no meio do bosque.
Ter-se-á acabado o mundo?

(Trad. A.M.)

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25.2.20

Juan Vicente Piqueras (A sombra do que digo)





LA SOMBRA DE LO QUE DIGO



Ahora que el sol se va
de mí como yo de todo,
le doy la espalda y miro
mi sombra, ya más larga
que yo, sobre la tierra.

La luz le dice adiós
sólo a quien mira el cielo.

Ahora que el sol se ha ido
de mí, como yo de todo,
recuerdo hoy como si fuese ayer.

Con asombro apagado de lágrima, me alejo.
La luz es un recuerdo en lo que escribo.

Nadie en la noche dice
nada que no sea noche.


Juan Vicente Piqueras

[Life vest under your seat]





Agora que o sol se vai
de mim como eu de tudo,
viro-lhe as costas e olho
a minha sombra no chão,
mais comprida que eu.

A luz diz adeus
só a quem olha para o céu.

E agora que o sol se foi
de mim como eu de tudo,
recordo hoje como se fosse ontem.

Com assombro riscado de lágrima, afasto-me.
A luz é recordação no que escrevo.

Ninguém diz na noite
nada sem ser a noite.

(Trad. A.M.)

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23.2.20

Alberto Pimenta (Soneto drolático)





SONETO DROLÁTICO



o prémio que!... merda, não calhou
a panela que!... merda, furou
a dívida que!... merda, disparou
o banco que!... merda, fundou afundou fundou

a ferida que!... é de gritos, infectou
a hérnia que!... é de gritos, inchou
o hospital que!... é de gritos, não observou
a clínica do Ó aberto que!... é de gritos, fechou

o pai que patinou (para fora do ringue), pronto...
a mãe que foi atrás dele (e ainda não voltou), pronto...
a amiga que de noite zarpou, pronto...

e levou, tem graça!, a Coca consigo
deixou, tem graça!, um caixote que ficou
cheio, tem graça!, do que eu não digo.


Alberto Pimenta

[Hospedaria Camões]

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21.2.20

Graciela Perosio (De manhã cedo)





Temprano en la mañana,
antes de irse, él pone la taza
limpia, reluciente
sobre el individual con flores,
el platito, los cubiertos,
la servilleta de papel
junto a la cafetera térmica
con el café recién hecho.
Hay veces que ella
ni siquiera los usa.
Los guarda prolijamente en el armario
sin decir nada, sonriendo.
Pero piensa: extraño lenguaje
el de este amor.

Graciela Perosio




De manhã cedo,
antes de sair, ele põe a chávena
limpa, a brilhar,
em cima do individual com flores,
o pires, os talheres,
a toalha de papel
junto da cafeteira térmica
com café fresco.
Há vezes em que ela
nem se chega a servir,
e guarda tudo no armário
sorrindo, sem dizer nada.
Mas pensa: estranha linguagem
a do amor.

(Trad. A.M.)

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20.2.20

José María Zonta (Não é por mais nada)





No por otro motivo
juro que escribo
para envenenarte el alma.

José María Zonta





Não é por mais nada,
juro que escrevo
para te envenenar a alma.

(Trad. A.M.)

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18.2.20

Carlos de Oliveira (Tarde)





TARDE



A tarde trabalhava
sem rumor
no âmbito feliz das suas nuvens,
conjugava
cintilações e frémitos,
rimava
as ténues vibrações
do mundo,
quando vi
o poema organizado nas alturas
reflectir-se aqui,
em ritmos, desenhos, estruturas
duma sintaxe que produz
coisas aéreas como o vento e a luz.


Carlos de Oliveira

[Canal de poesia]

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16.2.20

José Luis García Martín (Elogio da memória)





ELOGIO DE LA MEMORIA



Es bueno recordar de vez en cuando
todo lo que no nos pertenece
y sin embargo es nuestro por un tiempo.
La luz de la mañana
en las ciudades que desconocemos
(hemos llegado de noche,
antes de otra noche nos iremos),
la luz de habla extranjera
y sin embargo íntima;
el vario humor del mar;
los libros de tu biblioteca
que tímidos fueron acercándose
para contarte su secreto
y ahora son los dueños de la casa;
los tres o cuatro amigos;
las ciudades de rostro innumerable
y un solo corazón;
el bosque de los cuentos
donde un día de niño te perdiste;
las campanadas, un domingo claro,
de Santa Maria Gloriosa dei Frari;
los ordenados grises de París,
el oro de los puentes y las cúpulas;
el agua industriosa de la ría
y el mar que no se ve, pero está ahí,
con su sonrisa cierta,
salvando tu inerme adolescencia.
Todo lo que no nos pertenece:
la hermosura del mundo,
el desierto y la hoguera,
las noches de verano
con su frescor y su melancolía;
quien nos amó, quien nunca nos ha amado;
el café y el periódico, aquella habitación
a la que vuelvo en noches
de insomnio y de deseo
(por la ventana cruza
un barco que se aleja
y no termina de alejarse nunca).
Todo lo que fue mío por un tiempo,
todo lo que sigue siendo mío para siempre:
una sonrisa que se desvanece,
un nombre que se borra en la memoria,
pero vuelve en el sueño
y me quema los labios;
aquel café de Padua
donde, entre risas, traducíamos a Baffo,
su desvergüenza y su fulgor;
el jardín de una casa que no existe...
Es bueno recordar de vez en cuando
todo lo que tuve y ya no tengo,
todo lo que no tuve y siempre tengo:
la luz recién nacida, el esplendor de los atardeceres,
el diario milagro del periódico,
esa extraña criatura
que dura menos que la rosa
y que contiene el mundo;
un palacio en Palermo
y un piso de estudiantes en Perugia
(en Via Garibaldi);
tu mano, un instante en mi mano
y con ella todos los tesoros.
Déjame recordar que soy un rey
antes de que la turba enfurecida,
antes de que esta turbia
sucesión de minutos me destrone
y ni el recuerdo de que he sido quede.

J. L. García Martín




É bom recordar de vez em quando
tudo o que não nos pertence
e todavia foi nosso por algum tempo.
A luz da manhã
nas cidades que não conhecemos
(chegámos de noite,
partiremos antes da noite seguinte),
a luz de fala estrangeira
e contudo íntima;
o vário humor do mar;
os teus livros que se foram chegando,
tímidos, a contar-te o seu segredo,
e são agora os donos da casa;
os três ou quatro amigos;
as cidades de rosto indecifrável
e de um só coração;
os bosques dos contos
onde um dia te perdeste em criança;
as badaladas, num domingo claro,
de Santa Maria Gloriosa dei Frari;
os aprumados cinzentos de Paris;
o dourado das pontes e das cúpulas;
a água industriosa da ria
e o mar que não se vê, mas está lá,
com seu certo sorriso,
salvando tua inerme adolescência.
Tudo o que não nos pertence:
a beleza do mundo,
o deserto e a fogueira,
as noites de estio,
com seu fresco e melancolia;
quem nos amou, e quem nunca nos amou;
o café, mais o jornal, e aquele quarto
a que volto em noites
de insónia e de desejo
(pela janela cruza
um barco a afastar-se
e nunca mais pára de se afastar).
Tudo o que foi meu por um tempo,
o que continua a ser meu para sempre:
um sorriso que se desvanece,
um nome que se apaga na memória,
mas que volta em sonhos
e me queima os lábios;
aquele café de Pádua
onde, entre risos, traduzíamos Baffo,
seu fulgor e desvergonha;
o jardim de uma casa que não há...
É bom recordar de vez em quando
tudo o que tive e já não tenho,
tudo o que não tive e sempre tenho:
a luz recém-nascida, o esplendor do entardecer,
o diário milagre do jornal,
essa estranha criatura
que menos que a rosa dura
e todavia encerra um mundo;
um palácio em Palermo
e uma casa de estudantes em Perugia
(via Garibaldi);
tua mão, por um instante na minha,
e com ela os tesouros todos.
Deixa-me recordar que sou um rei
antes que a turba enfurecida,
antes que esta turva
sucessão de minutos me destrone,
sem ficar sequer a lembrança do que fui.

(Trad. A.M.)

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15.2.20

Jorge Luis Borges (A Luís de Camões)





A LUIS DE CAMOENS



Sin lástima y sin ira el tiempo mella
las heroicas espadas. Pobre y triste
a tu patria nostálgica volviste,
oh capitán, para morir en ella

y con ella. En el mágico desierto
la flor de Portugal se había perdido
y el áspero español, antes vencido,
amenazaba su costado abierto.

Quiero saber si aquende la ribera
última comprendiste humildemente
que todo lo perdido, el Occidente

y el Oriente, el acero y la bandera,
perduraría (ajeno a toda humana
mutación) en tu Eneida lusitana.


JORGE LUIS BORGES
El Hacedor
(1960)




Sem lástima e sem ira o tempo derranca
as heróicas espadas. Pobre e triste
à pátria triste voltaste
oh capitão, para nela morrer

e com ela. No mágico deserto
se perdera a flor de Portugal
e o áspero espanhol, antes vencido,
ameaçava o seu flanco aberto.

Quero saber se para cá da ribeira
última percebeste humildemente
que tudo o que se foi, Ocidente

e Oriente, a espada e a bandeira,
havia de perdurar (alheio a toda
a mudança) na tua Eneida lusitana.

(Trad. A.M.)

__________________
> Outra versão: Acontecimentos (Augusto de Campos)

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13.2.20

Carlos Drummond de Andrade (Liberdade)





LIBERDADE



O pássaro é livre
na prisão do ar.
O espírito é livre
na prisão do corpo.
Mas livre, bem livre,
é mesmo estar morto.


Carlos Drummond de Andrade

[Acontecimentos]

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11.2.20

Ángeles Mora (Quase um conto)





CASI UN CUENTO



Él susurró que lo mejor sería
no enamorarse,
ella no le llevó la contraria,
para qué si se sabía vencida.
Ante todo se dejó acariciar
por sus manos manchadas de ternura.
Eso sí,
no se enamoró de sus manos.
Más tarde no impidió que sus labios
muy lentos la abrasaran,
pero tuvo cuidado,
no se enamoró de sus labios,
y aunque tampoco se opuso a que su lengua
la hiriera sin remedio,
no se enamoró de su lengua
ni de sus ojos ni de su voz
ni de la palidez que le subía a la cara
entre los besos,
esa palidez que a ella más y más la arañaba.
Pero tuvo cuidado y no se enamoró.
Para qué si se sabía vencida.
Una y otra vez volvieron a encontrarse.
Sin amor.
Eso sí,
felices como niños.


Ángeles Mora

[Trianarts]




Ele sussurrou-lhe que o melhor seria
não se apaixonarem,
ela não discutiu,
para quê, se se sabia vencida.
Antes de mais, deixou-se acariciar
pelas mãos dele manchadas de ternura.
Isso sim,
não se apaixonou pelas mãos.
Depois não impediu que seus lábios
muito lentos a queimassem,
mas teve cuidado,
não se enamorou dos lábios,
e mesmo que tão pouco se opusesse
a que sua língua a ferisse sem remédio,
não se enamorou da língua,
nem de seus olhos, nem da voz,
nem da palidez que à cara lhe subia
entre os beijos,
essa palidez que a ela mais e mais a arranhava.
Mas teve cuidado e não se apaixonou,
para quê, se se sabia vencida.
Uma e mais vezes se encontraram.
Sem amor.
Isso sim,
felizes como crianças.

(Trad. A.M.)

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10.2.20

Aurora Luque (Tópico)





TÓPICO



Ya no atrapes el día -no se deja,
no es tan fácil ser dueño del presente,
persistir en la dicha o detenerla
para el trámite mínimo
de asignarle palabras.
Y ni al acariciar
las sienes o los pómulos o el pecho
que con furia deseas, cuando la luz parece
palparse con las yemas de los dedos,
estás lejos al fin de los vampiros:
la Utopía, el Vacío, la Memoria.
Amas para escribirlo solamente,
la dicha pide a gritos que un recuerdo
del futuro la abrace y la duplique.
No corras tras el día. Si no lo acosas puede
que se tienda sumiso
de noche en tu regazo.

Aurora Luque




Não agarres o dia - ele não deixa,
ser dono do presente não é assim fácil,
nem manter a fortuna ou detê-la
para o trâmite mínimo
de lhe assinar palavras.
Nem ao afagar a fronte a face ou peito
que ardentemente desejas, quando a luz parece
palpar-se com as pontas dos dedos,
estás longe dos vampiros,
a Utopia, o Vazio, a Memória.
Amas só para escrever,
a fortuna pede aos gritos que uma lembrança
do futuro a abrace e a duplique.
Não corras atrás do dia. Se o não apertares,
talvez ele à noite
se estenda no teu regaço.

(Trad. A.M.)

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8.2.20

Emanuel Félix (Five o'clock tear)





FIVE O’CLOCK TEAR



Coisa tão triste aqui esta mulher
com seus dedos parados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher

Coisa mais triste o seu vaivém macio
p’ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora

Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la

E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito

E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos

E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio do silêncio
colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes

Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada


Emanuel Félix

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6.2.20

Raúl González Tuñón (Nostalgia-Devir)





NOSTALGÍA/DEVENIR/SOLEDAD/MULTITUD



Por momentos en días graves mas no solemnes
vuelvo los ojos a las madres nutricias, viejas fuentes,
y avanzo hacia la verde frescura de las nuevas.
Estoy solo en la calle y rodeado de gentes
en el patio de adentro de la intimidad.
Entre la multitud camino y escapo de ella cuando sueño
o cuando miro, lánguidas, pasar las nubes bajas.

Si, señor Rilke, el creador es un solitario,
pero sólo en el acto de crear, ya se lo dije.
Antes -usted lo supo en un instante intenso-
suele andar, si es auténtico, contemplando los mundos,
en el barro, en la estrella, en la sangre, en el hombre
y en el rumor espeso que viene del Mercado.


Raúl González Tuñón




Por momentos em dias graves mas não solenes
deito os olhos para as amas de leite, fontes antigas,
e avanço para a verde frescura das novas.
Estou sozinho na rua, rodeado de pessoas
no pátio interior da intimidade.
Caminho pelo meio da gente e fujo dela quando sonho
ou quando olho para as nuvens, lânguidas, a passar.

Sim, senhor Rilke, o criador é um solitário,
já lhe disse, mas só no acto da criação.
Antes disso - como o senhor soube em certo momento -
sendo autêntico, dedica-se à contemplação do mundo,
seja no pó ou nas estrelas, seja no sangue ou nos homens,
ou no espesso rumor que vem do Mercado.

(Trad. A.M.)

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5.2.20

Vicente Luis Mora (À pergunta de por que te amo)





A LA PREGUNTA DE POR QUÉ TE QUIERO



Porque la tesis va después del casus
porque la lluvia llega del oeste
el sol del este y éste del ocaso
te quiero porque baja la marea
y sube porque el cielo no es azul
te quiero porque el mar rompe en la costa
porque el amor la gravedad la muerte
hacen caer los cuerpos a la tierra
porque las nubes son en movimiento
y mueren como peces si se paran
porque la niebla es agua en suspensión
porque las cosas pasan y el reloj
no acierta nunca con la hora exacta
porque la rosa ya cortada muere
te quiero porque el átomo de cesio
es firme y el genoma variable
te quiero porque el sol calienta el aire
te quiero porque el cero es absoluto
porque mañana volarán las aves
porque hoy se acaba y esta noche es triste

casas vacías camas anchas frío

preguntas insensatas por teléfono


Vicente Luis Mora




Porque a tese vem depois do casus
porque a chuva vem do oeste
o sol do leste e este do ocaso
amo-te porque a maré desce
e sobe porque o céu não é azul
amo-te porque o mar rebenta na costa
porque o amor a gravidade a norte
fazem os corpos tombar para a terra
porque as nuvens são movimiento
e se param morrem como peixes
porque a névoa é água em suspensão
porque as coisas acontecem e o relógio
nunca acerta na hora exacta
porque a rosa fenece depois de cortada
amo-te porque o átomo de cesio
é firme e o genoma variável
amo-te porque o sol aquece o ar
amo-te porque o zero é absoluto
porque amanhã as aves hão-de voar
porque hoje se acaba e esta noite é triste

casas vazias largas camas e frio

tontas perguntas ao telefone

(Trad. A.M.)


>>  VLM (pag. oficial) / Los poetas (11p) / Lyrik-line (10p) / Vicente LM (blogue-1) / El boomeran (blogue-2) / Wikipedia

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3.2.20

Ricardo Silvestrin (O último poema)





O ÚLTIMO POEMA



Meu último poema talvez seja este.
Como saber quanto tempo ainda tenho,
se não há relógio, calendário, mapa
que digam o dia, o local, a hora exata
da morte que desde sempre me aguarda?

Me espreita na esquina, de tocaia,
trama uma hora branda, com cabelo branco,
pele enrugada e um ar de dever cumprido?

Já que esse é o enigma que jaz oculto,
escrevo cada poema como se fosse o último.


Ricardo Silvestrin

[Acontecimentos]

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1.2.20

Joaquín Giannuzi (Por alguma razão)





POR ALGUNA RAZÓN



Compré café, cigarrillos, fósforos.
Fumé, bebí
y fiel a mi retórica particular
puse los pies sobre la mesa.
Cincuenta años y una certeza de condenado.
Como casi todo el mundo fracasé sin hacer ruido;
bostezando al caer la noche murmuré mis decepciones,
escupí sobre mi sombra antes de ir a la cama.
Esta fue toda la respuesta que pude ofrecer a un mundo
que reclamaba de mí un estilo que posiblemente no me
correspondía.
O puede ser que se trate de otra cosa. Quizás
hubo un proyecto distinto para mí
en alguna probable lotería
y mi número no salió.
Quizá nadie resuelva un destino estrictamente privado.
Quizás la marea histórica lo resuelva por uno y por todos.
Me queda esto.
Una porción de vida que me cansó de antemano,
un poema paralizado en mitad de camino
hacia una conclusión desconocida;
un resto de café en la taza
que por alguna razón
nunca me atreví a apurar hasta el fondo.

Joaquín Giannuzi

[Emma Gunst]




Comprei café, cigarros, fósforos.
Fumei, bebi
e fiel à minha retórica particular
pus os pés sobre a mesa.
Cinquenta anos e uma certeza de condenado.
Como toda a gente quase, fracassei sem fazer ruído;
bocejando ao cair da noite murmurei minhas decepções,
cuspi na minha sombra antes de ir para a cama.
Esta a resposta que pude oferecer ao mundo
que reclamava de mim um estilo que possivelmente não me cabia.
Ou então foi outra coisa.
Houve talvez
um projecto diferente para mim
em qualquer provável lotaria,
mas o meu número não saiu.
Quiçá ninguém resolve um destino estritamente privado.
A maré histórica, porventura, resolve-o por um e por todos.
Resta-me isto.
Um pedaço de vida que me cansou de antemão,
um poema paralisado a meio do caminho
para uma conclusão desconhecida;
um resto de café na chávena
que por alguma razão
nunca me atrevi a apurar até ao fundo.

(Trad. A.M.)

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