12.10.21

António Ramos Rosa (Sem dizer fogo)




Sem dizer fogo – vou para ele.
Sem enunciar as pedras, sei que as piso
– duramente, são pedras e não são ervas.

O vento é fresco: sei que é vento,
mas sabe-me a fresco ao mesmo tempo que a vento.
Tudo o que eu sei, já lá está,
mas não estão os meus passos e os meus braços.

Por isso caminho, caminho porque há um intervalo
entre tudo e eu, e nesse intervalo,
caminho e descubro o meu caminho.

Mas entre mim e os meus passos
há um intervalo também:
então invento os meus passos
 e o meu próprio caminho.
E com as palavras de vento e de pedra,
invento o vento e as pedras,
caminho um caminho de palavras.

Caminho um caminho de palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim.

E porque a noite não tem limites
alargo o dia e faço-me dia
e faço-me sol porque o sol existe.

Mas a noite existe
e a palavra sabe-o.


António Ramos Rosa

.