21.3.19

José Watanabe (Animal de inverno)




ANIMAL DE INVIERNO



Otra vez es tiempo de ir a la montaña
a buscar una cueva para hibernar.
Voy sin mentirme: la montaña no es madre, sus cuevas
son como huevos vacíos donde recojo mi carne
y olvido.
Nuevamente veré en las faldas del macizo
vetas minerales como nervios petrificados, tal vez
en tiempos remotos fueron recorridos
por escalofríos de criatura viva.
Hoy, después de millones de años, la montaña
está fuera del tiempo, y no sabe
cómo es nuestra vida
ni cómo acaba.

Allí está, hermosa e inocente entre la neblina, y yo entro
en su perfecta indiferencia
y me ovillo entregado a la idea de ser de otra sustancia.
He venido por enésima vez a fingir mi resurrección.
En este mundo pétreo
nadie se alegrará con mi despertar. Estaré yo solo
y me tocaré
y si mi cuerpo sigue siendo la parte blanda de la montaña
sabré
que aún no soy la montaña.


José Watanabe

[Life vest under your seat]




É de novo o tempo de ir ao monte
em busca de uma lura para hibernar.
Vou sem me iludir, a montanha não é mãe
e as suas covas são como que ovos vazios,
onde recolho meu corpo e olvido.
Nas faldas do maciço verei novamente
filões de minério como que nervos petrificados, acaso
percorridos em tempos remotos
por calafrios de algum ser vivo.
Hoje, milhões de anos após, a montanha
está para além do tempo, não sabendo
como é nossa vida
nem como acaba.

Ei-la aí, inocente e bela no meio da névoa, e eu entro
em sua perfeita indiferença e enrosco-me
rendido à ideia de ser de outra matéria.
Venho pela enésima vez fingir a minha ressurreição.
Ninguém neste mundo pétreo
se alegrará com meu despertar. Estarei eu
só, tocarei em mim mesmo e,
meu corpo sendo a parte branda da montanha,
saberei
que não sou ainda a montanha.


(Trad. A.M.)