30.4.20

Ana Pérez Cañamares (O mau da trincheira)





LO MALO DE LA TRINCHERA



Lo malo de la trinchera
no es su húmeda estrechez.
El barro y la sangre abrigan
somos muchos aquí
y las fotos que nos mandaron desde casa
nunca se desgastan.

Siempre hay tiempo para una partida de cartas.
Para el momento íntimo y juguetón
de despiojarnos.
Alguien que baila al ritmo
de los tableteos lejanos
de las ametralladoras
o un buen imitador de generales
que nos hace reír.

Lo malo de la trinchera
es que no sabemos cuándo
tendremos que abandonarla.


Ana Pérez Cañamares

[Zumo de Poesia]




O mau da trincheira
não é ser húmida e apertada.
A lama e o sangue agasalham
somos muitos aqui
e as fotos que nos mandam de casa
não se gastam nunca.

Há sempre tempo para um jogo de cartas.
E para o momento íntimo e divertido
de catar os piolhos.
Há sempre alguém bailando ao ritmo
do matraquear distante
das metralhadoras
ou um belo imitador de generais
para nos fazer rir.

O mau da trincheira
é não sabermos quando
temos de a deixar.


(Trad. A.M.)

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28.4.20

Mario Quintana (Canção da janela aberta)





CANÇÃO DA JANELA ABERTA



Passa nuvem, passa estrela,
Passa a lua na janela...

Sem mais cuidados na terra,
Preguei meus olhos no Céu.

E o meu quarto, pela noite
Imensa e triste, navega...

Deito-me ao fundo do barco,
Sob os silêncios do Céu.

Adeus, Cidade Maldita,
Que lá se vai o teu Poeta.

Adeus para sempre, Amigos...
Vou sepultar-me no Céu!


Mario Quintana

[Acontecimentos]

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26.4.20

Amalia Bautista (Carminus)





CARMINUS



No es una pesadilla y no es un dulce sueño.
Empieza a amanecer, camino sola
por calles de un lugar que no conozco
en el que no me siento extraña ni extranjera.
Aun así me sorprende cada cosa,
la luz que va llegando a las paredes,
el eco de mis pasos, el olor de los patios
con naranjos y fuentes y azulejos,
el temblor que me agita en una esquina
(quizá el frío, quizá la negra vida).
Abiertos los zaguanes a mis ojos,
su frescor, su penumbra, parece que me hablan
en un idioma antiguo que mi sangre recoge.
Tantas puertas abiertas como bocas,
pero tu voz no sale de ninguna.
Y ninguna me llama por mi nombre.


Amalia Bautista




Pesadelo não é, nem um sonho doce.
Começa a amanhecer e eu caminho sozinha
pelas ruas de um lugar que não conheço
onde não me sinto estranha nem estrangeira.
E todavia surpreende-me cada coisa,
a luz a dar nas paredes,
o eco dos meus passos, o cheiro dos pátios
com azulejos, fontes, laranjeiras,
a tremura que me agita numa esquina
(talvez o frio, talvez a vida negra).
Abertos a meus olhos os saguões,
a sua frescura, a penumbra, parece que me falam
uma língua antiga que meu sangue reconhece.
Tantas portas abertas, parecem bocas,
mas de nenhuma sai tua voz.
E nenhuma me chama por meu nome.


(Trad. A.M.)

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25.4.20

Ángel Petisme (Nietzsche)





NIETZSCHE



Y qué importa que se rían cuando nos ven bailar
borrachos de amor por las calles,
en los andenes del metro, sobre la pureza
de los sentimientos y la moral de los días auténticos?

¿Y qué importa que nos llamen locos?
No te des mal. Decía Nietzsche:
Ellos no pueden escuchar la música.
Somos radiografías sobre la nieve,
tal vez no hacemos más que disfrutar
de cosas que a los demás asustan.

Ellos no pueden oír nuestra música,
disparan en las peceras y sospechan de todo.
Yuriko, yo te amo cuando cae la nieve
sobre nuestras radiografías y suena de nuevo
nuestra canción; la más hermosa e invisible
canción de un mundo misterioso que susurra:
si temes a la vida nunca la vivirás.

Y entonces descubro que he ganado mi reino
bajo el sol, abrazado a un espejo con el que bailo
por las calles, borracho de amor.


Ángel Petisme





E que importa que riam ao ver-nos bailar
bêbedos de amor pelas ruas,
nos cais do metro, sobre a pureza
dos sentimentos e a moral dos dias autênticos?

E que importa chamarem-nos loucos?
Deixa lá. Nietzsche dizia:
Eles não conseguem escutar a música.
Somos radiografias sobre a neve,
não fazemos mais talvez do que desfrutar
coisas que assustam os outros.

Eles não conseguem ouvir a nossa música,
disparam para os aquários e suspeitam de tudo.
Yuriko, eu amo-te ao cair da neve
sobre as nossas radiografias e tocar de novo
a nossa canção; a mais bela e invisível
canção de um misterioso mundo que sussurra:
se temeres a vida, jamais a viverás.

E então descubro que ganhei meu reino
sob o sol, abraçado a um espelho com que bailo
pelas ruas, bêbedo de amor.

(Trad. A.M.)

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23.4.20

Sebastião da Gama (Poema da minha esperança)




POEMA DA MINHA ESPERANÇA



Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.

O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...

Tic-tac... Tic-tac...
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)

Tic-tac...
(Como eu rio, cá p'ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)

Sebastião da Gama



>>  Antologia / Azeitão (19p) / Escritas (7p) /Wikipedia

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21.4.20

Álvaro Mutis (Se ouvires correr a água)





Si oyes correr el agua en las acequias,
su manso sueño pasar entre penumbras y musgos,
con el apagado sonido de algo
que tiende a demorarse en la sombra vegetal.
Si tienes suerte y preservas ese instante
con el temblor de los helechos que no cesa,
con el atónito limo que se debate
en el cauce inmutable y siempre en viaje.
Si tienes la paciencia del guijarro,
su voz callada, su gris acento sin aristas,
y aguardas hasta que la luz haga su entrada,
es bueno que sepas que allí van a llamarte
con un nombre nunca antes pronunciado.
Toda la ardua armonía del mundo
es probable que entonces te sea revelada,
pero sólo por esa vez.
¿Sabrás, acaso, descifrarla en el rumor del agua
que se evade sin remedio y para siempre?


Álvaro Mutis

[Electricidad con ictericia]




Se ouvires correr a água nas levadas,
seu sono manso passar entre musgos e penumbras,
apagado som de algo
que tende a demorar-se na sombra vegetal.
Se tiveres sorte e guardares esse instante
com a tremura incessante dos fetos,
com o limo atónito a debater-se
no leito imutável e sempre em viagem.
Se tiveres a paciência do seixo,
sua voz quieta, seu tom sem arestas,
e aguardares a chegada da luz,
é bom que saibas que ali te vão chamar
com um nome jamais antes pronunciado.
Toda a difícil harmonia do mundo
é provável que te seja então revelada,
mas só dessa vez.
Saberás, acaso, decifrá-la no rumor da água
que sem remédio se evade, para sempre?

(Trad. A.M.)

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20.4.20

Raquel Lanseros (Debaixo da raiz)





BAJO LA RAIZ



Una tarde de sol, dentro de varios siglos,
una mujer morena como yo
se tumbará tal vez a descansar
sobre esta misma tierra
donde una vez estuvo la casa de mis padres.

La mujer del futuro extenderá los muslos
mientras observa en calma el viaje de las nubes.
Será feliz, casi seguramente
el mundo en torno le parecerá
subordinado, a salvo.
Tan suyo, sobre todo.
Sí, sólo suyo, y considerará
que el verano y el sol le pertenecen.

Entonces ya hará años que no está
la casa de mis padres,
ni tampoco la huella
de haber estado nunca.

La tarde avanzará, apacible y serena.
La mujer jugará a arrancar hierbecillas
del mismo suelo donde pasé mi infancia.
Cantará, compondrá una guirnalda,
mirará al cielo, se quedará pensando…

La contemplo quién sabe desde dónde.
Y no sabría decir
si soy yo quien la mira
o bien otra mujer desde el pasado
es quien de pronto me está mirando a mí.


Raquel Lanseros




Uma tarde de sol, daqui a vários séculos,
uma mulher como eu morena
deitada talvez a descansar
nesta terra onde era uma vez
a casa de meus pais.

Essa mulher do futuro esticará as coxas
contemplando no céu a viagem das nuvens.
Será feliz, de certeza
o mundo em volta há-de parecer-lhe
subordinado, a salvo.
Tão seu, acima de tudo.
Sim, seu apenas, e o verão e o sol
julgará que lhe pertencem.

Então não haverá, de anos e anos,
a casa de meus pais,
nem marca sequer
de um dia ter existido.

A tarde avançará, amena e tranquila.
E a mulher há-de baixar-se, a arrancar
umas ervas do mesmo chão onde eu passei a infância.
Há-de cantar, compor uma grinalda,
olhará o céu, e ficará a pensar…

Contemplo-a, nem eu sei donde.
E tão pouco sei dizer
se sou eu mesmo quem a olha
ou se é outra mulher lá do passado
que de repente me está olhando a mim.


(Trad. A.M.)

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18.4.20

Carlos de Oliveira (Cantata)





CANTATA



A vida
é o sangue
do mistério,
o bago de uva
macerado
nos lagares do mundo,
e aqui se diz
para proveito dos que vivem
que a dor
é vã
e a alma
breve.


Carlos Oliveira

[Poemário]

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16.4.20

Alfredo Buxán (O sonho das palavras)





O SONHO DAS PALAVRAS



Vêm-me de muito longe as palavras
que alguém me sussurra cada noite
a meia voz quando tudo repousa
e tem um ar de quietude
que pode converter-se em ameaça
se baixarmos a guarda.
                       Afaga-me
a música pacífica que trazem
no alforje, o calor, o timbre,
mas não consigo entender o que me dizem,
se deveras me indicam um caminho
ou são alguns restos de areia
que trago no calçado uma vez
feita a travessia do deserto
e cumprido o tempo da vida.
                      Chegam ao pé de mim
em ondas cada vez mais ténues.
Esforço-me por percebê-las, com medo
que o vento do silêncio as leve
na sua frente e me despoje de tudo,
os últimos restos deste sonho,
o murmúrio de água que me derramam
na alma, sua frágil transparência,
a humidade infinita que me deixam
na pele, a esperança de entendê-las.


ALFREDO BUXÁN
Las Palabras Perdidas
(Poesía 1989-2008)
Bartleby Editores (2011)

(Trad. A.M.)

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15.4.20

Gabriel Zaid (A sair do paraíso)





SALIENDO DEL PARAÍSO



Ya con ésta me despido,
Ya dije lo suficiente.
Que sepa toda la gente
Que no tengo amor ni pido.
Lo que sufra, bien sufrido,
Y que nadie me contente.
Sólo dejo, por decente,
Este letrero, y adiós:
Mucho cuidado con Dios,
Que se carga a lo pariente.


Gabriel Zaid

[Cómo cantaba mayo]




E com esta me despeço,
já disse o que tinha a dizer.
Saibam todos
que eu não tenho amor nem o peço.
Aquilo que sofra, sofra,
e que ninguém me lamente.
Adeus, deixo apenas
este aviso à navegação:
Tende muito cuidado com Deus,
que ele aproveita-se dos crentes.

(Trad. A.M.)

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13.4.20

José Carlos Barros (Longe de casa)





LONGE DE CASA



A princesa
lava tachos e descasca batatas
das dez e meia às
quatro da tarde
e das seis às onze da noite.
Nos intervalos
varre o chão
e limpa as bancadas
da cozinha. Chega
a nem ter tempo
de usar a coroa.


José Carlos Barros

[Coração Acordeão]

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11.4.20

Alfonso Costafreda (Os limites)





LOS LÍMITES



Pienso en mis límites,
límites que separan
el poema que hago
del que no puedo hacer,
el poema que escribo
del que nunca podré escribir.
Límites también, en consecuencia,
de lo que amo
y de lo que nunca podré amar.

Límites de lo que quisiera decir
o ver o tener.
Palabras que daría
para descubrir, palabras para ayudar.
Límites del amor, palabras
insuficientemente valiosas
en un desierto inacabable.


Alfonso Costafreda

[Insolitos]




Penso nos meus limites,
que separam o poema que faço
do que não posso fazer,
o poema que escrevo
do que não poderei escrever.
Limites também, por isso mesmo,
daquilo que amo
e do que não poderei amar.

Limites do que queria dizer
ou ver ou ter.
Palavras que daria
para descobrir, palavras para ajudar.
Limites do amor, palavras
não o bastante valiosas
num deserto inacabável.


(Trad. A.M.)

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10.4.20

Alfonso Brezmes (De novo)





DE NUEVO



Lo que acecha en lo oscuro
nos aleja de nosotros mismos,
nos olfatea y luego nos rechaza
como un ogro inapetente,
para que podamos empezar de nuevo.

Lo que crece en el gris
corrige los adioses, los destiñe
como una sonata de Schubert
en una mañana de lluvia,
para que podamos regresar de nuevo.

Lo que habita en el blanco
borra todos los poemas, los dispersa
como ondas en un lago que duerme
despertado por la mano de un niño,
para que podamos escribir de nuevo.


Alfonso Brezmes




O que espreita no escuro
de nós mesmos nos afasta,
cheira e depois rejeita-nos
como um monstro horrível,
para podermos começar de novo.

O que cresce no cinzento
corrige os adeuses, descora-os
como sonata de Schubert
numa manhã de chuva,
para podermos voltar de novo.

O que habita no branco
apaga os poemas, espalha-os
como ondas de um lago adormecido
que uma mão de criança desperta,
para podermos escrever de novo.


(Trad. A.M.)

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8.4.20

António Barahona (E se o vento)





E se o vento varrer as folhas secas sem deixar
nenhuma?
Este Outono ela não guardará folhas dentro dos livros
E ele não escreverá mais poemas a falar da sua morte
E ambos serão obrigados a não sair do Verão, mesmo
no Inverno, à chuva, atrás dos vidros.


ANTÓNIO BARAHONA
Noite do Meu Inverno
Lisboa (2001)

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6.4.20

Alejandro Céspedes (A vertigem)





(X)

A vertigem de me ver ante mim mesmo,
o fugir de mim,
converte a existência num catálogo
de vãs condutas.
Todo o caminho desemboca em outro,
todo o rasto conduz ao nada.
A vida é vida apenas.
Vida sempre.
                    Espaço.

Espaço que me ignora.
O presente é a dívida
que o passado reclama.


ALEJANDRO CÉSPEDES
Hay un ciego bailando en el andén
(1993-6)

(Trad. A.M.)

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5.4.20

Alejandra Pizarnik (Dice que no sabe)





DICE QUE NO SABE



dice que no sabe del miedo de la muerte del amor
dice que tiene miedo de la muerte del amor
dice que el amor es muerte es miedo
dice que la muerte es miedo es amor
dice que no sabe


Alejandra Pizarnik

[Marcelo Leites]

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3.4.20

Francisco Duarte Mangas (Primavera audaz cheia de devir)




PRIMAVERA AUDAZ CHEIA DE DEVIR



falemos primeiro dos campos
seu repouso limpo

da glicínia na borda do caminho
falaremos depois das aves
que desadormecem a cantar
a primavera audaz cheia de devir
agora as palavras de tracção animal
no repouso dos campos
arado a aiveca o jugo
um açafate a cabaça de vinho

e já o dia se despede
perscruta o perdigueiro tenros melros
no fogo alado à beira da noite


Francisco Duarte Mangas

[Gazeta]



>>  Correio do Porto (30p) / Diário de Link (blogue/2007-16) / Escrito a lápis (JB-recensão) / Correio do Porto (entrevista)

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1.4.20

Aldo Luis Novelli (À distância)





A LA DISTANCIA



en las noches oscuras
sin luna y estrellas opacas
si observamos el horizonte
acá en los bordes del desierto
se ve un fueguito a lo lejos/
no es una ronda de amigos
bebiendo y cantando
alrededor de la la fogata/
tampoco los caños
de las destilerías petroleras
que ventean gas al viento surero/
ese pequeño fuego
que se ve a la distancia
es el inexorable infierno
que viene avanzando
sobre la piel del mundo.


Aldo Luis Novelli




em noites escuras
sem lua nem estrelas
se observarmos o horizonte
aqui na beira do deserto
vê-se ao longe uma fogueirinha/
não é uma roda de amigos
a beber e cantar
à volta do fogo/
sequer os tubos
da destilação do petróleo
expelindo gás ao vento do sul/
a pequena fogueira
que se vê à distancia
é o inferno inexorável
a avançar
pela pele do mundo.

(Trad. A.M.)

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