28.2.14

Coitado do Jorge (85)





CABEÇA





Cortei-te a cabeça?

Desculpa. Era a tua pior parte...

.

Laura Ponce (O caule)





EL TALLO



Tan frágil
es lo que sostiene,
tan frágil es
lo que derriba.

La vida
entera suspendida

en la comisura de unos ojos.

Laura Ponce



Tão frágil
o que segura,
tão frágil
o que derruba.

A vida
inteira suspensa

na comissura de uns olhos.


(Trad. A.M.)



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.

27.2.14

Pedro Tamen (Muito mais que praia)





MUITO MAIS QUE PRAIA



Ondeia, assume, rememora,
abriga a espuma
em coração disperso.
Uma ferida aberta
afirma e cede à sementeira cedo.
Perfaz, tacteia, roça
teu corpo ao corpo dela,
da já chorada inda que viva morte.


Pedro Tamen

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26.2.14

Miguel Hernández (Os cobardes)





LOS COBARDES



Hombres veo que de hombres
sólo tienen, sólo gastan
el parecer y el cigarro,
el pantalón y la barba.

En el corazón son liebres,
gallinas en las entrañas,
galgos de rápido vientre,
que en épocas de paz ladran
y en épocas de cañones
desaparecen del mapa.

Estos hombres, estas liebres,
comisarios de la alarma,
cuando escuchan a cien leguas
el estruendo de las balas,
con singular heroísmo
a la carrera se lanzan,
se les alborota el ano,
el pelo se les espanta.
Valientemente se esconden,
gallardamente se escapan
del campo de los peligros
estas fugitivas cacas,
que me duelen hace tiempo
en los cojones del alma.

¿Dónde iréis que no vayáis
a la muerte, liebres pálidas,
podencos de poca fe
y de demasiadas patas?
¿No os averguenza mirar
en tanto lugar de España
a tanta mujer serena
bajo tantas amenazas?
Un tiro por cada diente
vuestra existencia reclama,
cobardes de piel cobarde
y de corazón de caña.
Tembláis como poseídos
de todo un siglo de escarcha
y vais del sol a la sombra
llenos de desconfianza.
Halláis los sótanos poco
defendidos por las casas.
Vuestro miedo exige al mundo
batallones de murallas,
barreras de plomo a orillas
de precipicios y zanjas
para vuestra pobre vida,
mezquina de sangre y ansias.
No os basta estar defendidos
por lluvias de sangre hidalga,
que no cesa de caer,
generosamente cálida,
un día tras otro día
a la gleba castellana.
No sentís el llamamiento
de las vidas derramadas.
Para salvar vuestra piel
las madrigueras no os bastan,
no os bastan los agujeros,
ni los retretes, ni nada.
Huís y huís, dando al pueblo,
mientras bebéis la distancia,
motivos para mataros
por las corridas espaldas.

Solos se quedan los hombres
al calor de las batallas,
y vosotros, lejos de ellas,
queréis ocultar la infamia,
pero el color de cobardes
no se os irá de la cara.

Ocupad los tristes puestos
de la triste telaraña.
Sustituid a la escoba,
y barred con vuestras nalgas
la mierda que vais dejando
donde colocáis la planta.

Miguel Hernández

[Luz & sombra]



Homens sei que de homens
têm só e mais não gastam
o aspecto e o cigarro,
a barba e o par de calças.

São como lebres no coração,
galinhas bem lá por dentro,
galgos de rápido ventre,
que ladram em tempo de paz,
mas em tempos de canhões
desaparecem do mapa.

Estes homens, estas lebres,
comissários do alarme,
quando ouvem a cem léguas
o estrondo dos obuses,
põem-se logo a correr
com alvoroço no cu
e de cabelos em pé.
Com valentia se escondem,
galhardamente se escapam
do campo do perigo
estas fugitivas cacas,
que há muito tempo me doem
nos tomates da alma.

Onde ireis dar senão à morte,
pálidas lebres, podengos
de pouca fé e muitas patas?
Não vos envergonha ver
em tantas terras de Espanha
tanta mulher serena
no meio de tanta ameaça?
Um tiro por cada dente
reclama vossa existência,
cobardes de pele cobarde
e de coração de cana.
Tremeis como possessos
de um século de orvalho
e passais do sol à sombra
sempre desconfiados.
Achais as caves pouco
defendidas pelas casas.
Vosso medo requer ao mundo
muralhas e mais muralhas,
barreiras de chumbo à beira
de precipícios e valas
para a vossa pobre vida,
mesquinha de sangue e ânsias.
Não vos chega estar defendidos
por chuvas de sangue nobre
que não pára de cair,
cálida e generosa,
dia após dia,
sobre a gleba castelhana.
Não sentis o apelo
das vidas derramadas.
Para salvardes a pele
não vos bastam as tocas,
não vos chegam os buracos,
nem as retretes, nem nada.
Fugis e tornais a fugir,
dando ao povo razão,
enquanto bebeis a distância,
para vos matar pelas costas.

Sozinhos ficam os homens
no calor da batalha,
e vós, distantes delas,
querendo ocultar a infâmia,
não podeis apagar da cara
a cor da cobardia.

Ocupai o lugar triste
da triste teia de aranha.
Dispensai a vassoura
e com as nalgas varrei
a merda que deixais
onde quer que pondes o pé.


(Trad. A.M.)

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25.2.14

Um verso (131)





Um verso de Ana Paula Inácio
(lá da Terra Chã, ou lá donde é):



Os milagres acontecem a horas incertas




Ana Paula Inácio

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Paulo Leminski (Vão é tudo)





vão é tudo
que não for prazer
repartido prazer
entre parceiros

vãs
todas as coisas que vão



Paulo Leminski

.

24.2.14

Miguel d'Ors (Variações sobre um tema de Stevens)





VARIACIONES SOBRE UN TEMA DE STEVENS




No es el canto del mirlo: es el silencio
que nos deja, un silencio
que es algo diferente del silencio
porque en él suena aún el recuerdo del canto
del mirlo. Ni silencio
ni canto: lo que ocurre cuando el canto
ya ha acabado y aún no ha empezado el silencio.
Puedes llamarlo el alma.


Miguel d’Ors




Não é o canto do melro, é o silêncio
que nos deixa, um silêncio
que é algo diferente do silêncio
porque nele soa ainda a lembrança
do canto do melro. Nem silêncio
nem canto, aquilo que ocorre quando
o canto acabou já e não começou
ainda o silêncio.
Podemos dizer, a alma.

(Trad. A.M.)

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23.2.14

Murilo Mendes (Pós-poema)

 


PÓS-POEMA


O anteontem - não do tempo mas de mim -
Sorri sem jeito
E fica nos arredores do que vai acontecer
Como menino que pela primeira vez põe calça comprida.


Não se trata de ilusão, queixa ou lamento,
Trata-se de substituir o lado pelo centro.
O que é da pedra também pode ser do ar.
O que é da caveira pertence ao corpo;
Não se trata de ser ou não ser,
Trata-se de ser e não ser.


Murilo Mendes


[Poemblog]

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22.2.14

Coitado do Jorge (84)





ALMA GÉMEA




Busco alma gémea...
Mas corpo jovem


(dizia o anúncio do sexagenário)


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Miguel Martins (Parece)





PARECE



Parece
que não vale a pena
Parece
que já não vale a pena
Parece
que já nada vale a pena
Parece
que AQUI já nada vale a pena.


Miguel Martins

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21.2.14

Francisco J. Picón (Codeja)





HIELA



Hiela
en los arrabales de la soledad,
en los caminos recónditos de las miradas perdidas,
en el silencio dormido de la palabra muerta,
en el balcón donde se asoman las caricias olvidadas.
Hiela,
y muere abrasada cada saeta del tiempo.

Se marchitan
las flores nacidas de la semilla del miedo,
las esperas acotadas en los mapas del olvido,
las espinas erosionadas por la fuerza de un recuerdo,
las heridas infectadas por la saliva del desprecio.
Se marchitan,
y brotan excitadas las frutas de la ausencia.

Vuelan
las mentiras disfrazadas de sueños y promesas,
las arrugas de una edad que abandonó la paciencia,
las sabanas desteñidas de sudores, gemidos y caricias,
las canciones afónicas de gritos y somnolencia.
Vuelan,
y bucea entre las nubes el sabor de tantos labios.

Se apagan
las llamas de la hoguera de la vanidad y el orgullo,
las pasiones encendidas con el fuego del desencanto,
las razones desubicadas en el salón de los sentidos,
las aventuras consumadas entre nicotina y alcohol.
Se apagan,
y se encienden los rubores, los deseos y la melancolía.


Francisco J. Picón




Codeja
nos arrabaldes da solidão,
nos caminhos recônditos dos olhares perdidos,
no silêncio dormente da palavra morta,
na varanda onde assomam os carinhos olvidados.
Codeja,
e morre abrasado cada ponteiro do tempo.

Murcham
as flores nascidas da semente do medo,
as esperas balizadas nos mapas do olvido,
as espinhas gastas pela força da lembrança,
as feridas infectadas pela saliva do desprezo.
Murcham,
e brota excitado o fruto da ausência.

Voam
as mentiras disfarçadas de sonhos e promessas,
as rugas de uma idade sem grande paciência,
os lençóis tingidos de suor, de gemidos e carícias,
as canções afónicas de gritos e sonolência.
Voam,
e mergulha entre as nuvens o sabor de tantos lábios.

Apagam-se
as chamas da fogueira da vaidade e do orgulho,
as paixões acendidas no fogo do desencanto,
as razões deslocados no salão dos sentidos,
as aventuras vividas entre o álcool e a nicotina.
Apagam-se,
e acendem-se os rubores, desejos e melancolias.


(Trad. A.M.)

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20.2.14

Mário Cesariny (Lembra-te)






Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos


Mário Cesariny


[Canal de poesia]

.

19.2.14

Coitado do Jorge (83)





ESTRESSE



- Estresse de sexo, dói-me a cabeça...

- Quer dizer – interrompeu ela – sexo a mais...

- Não-não, sexo a menos!


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Maria do Rosário Pedreira (Se o vires)





Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que me sento na cama, distraída, a dobar demoras
e, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.
Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por
causa dos outros laços que não desfaço, sei que o
amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se

o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso
sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele
não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos
separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,
mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires,

diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.


Maria do Rosário Pedreira


[Abro páginas]

.

18.2.14

Max Aub (Testamento)





TESTAMENTO



Tiéndanme en la tierra
con los ojos abiertos,
que pueda ver las nubes
corriendo por el cielo.

Y que me dore el sol
y que me cubra el viento.

Dejd las alimañas
blanquear mi esqueleto.
Dejadme ver las nubes
que no alcancé despierto.

Dejadme cara al cielo
con los ojos abiertos.
Partid tranquilos:
mayores órbitas
me abrirán los brillantes cuervos.
No os preocupéis
veré más nubes y más cielo.

Max Aub

[La sombra de los sueños]



Estendei-me no chão
com os olhos abertos,
que possa ver as nuvens
a correr pelo céu.

E que me creste o sol
e me cubra o vento.

Deixai os bichos
branquear-me o esqueleto.
Deixai-me ver as nuvens
que não alcancei desperto.

Deixai-me de cara para o céu
e com os olhos abertos.
Ide-vos tranquilos,
órbitas maiores
me hão-de abrir os corvos.
Não vos preocupeis,
mais céu e mais nuvens verei.

(Trad. A.M.)

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17.2.14

Marcos Siscar (Tome seu café e saia)





TOME SEU CAFÉ E SAIA



a quem interessa o fracasso
do outro por que nos interessa
o fracasso ou a dor de viver
é mais forte que o abraço
(por que na despedida o beijo
só então inadiável por que
as mãos nos cabelos apenas
antes da morte os corpos se encontram)
eu lhe ofereço este cansaço
talvez você se interesse
talvez você morra de astúcia
tome seu café e saia


Marcos Siscar

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16.2.14

Um verso (130)





Um verso de Manuel de Freitas
(esticando três numa linha...):






A suave desrazão daquele charro fez-nos perceber subitamente tudo




Manuel de Freitas

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Gina Saraceni (Das batalhas do amor)





De las batallas del amor se regresa
con el vientre abierto,

sin paredes,
dando tumbos
por el arduo combate
de la noche.

Se regresa sin armas
con el pulso latiendo
debajo de los párpados
y con los pies arrastrando
la demora del cuerpo
antes del adiós.

Cuerpo a cuerpo es la batalla.

Sólo así se hace una guerra.
Solo así se conoce
cómo tocan las manos
cuando pierden los dedos.

Solo así vale la pena morir:
mirando de frente cómo
se disuelve el rostro
cuando pierde
el control y el alfabeto
cómo se tuerce en un puñado
de ruidos que se hunden
adentro de los ojos
donde solo hay lugar
para perderse.

Lo llaman amor
este combate de brazos y lenguas,
esta cercanía sin intervalos
donde la orilla y la ola
se desangran por el tormento
de volverse a separar;
este tiempo de guerra
que echó raíces
en las venas de junio,
en el estertor de una arteria,
en el corazón herido de muerte.

De las batallas del amor
se regresa con un ejército
de fantasmas en el costado,
con las heridas hundidas
en los dedos
poseídos por esa guerra
que sigue ardiendo
en la línea de combate.


Gina Saraceni

[Emma Gunst]



Das batalhas do amor volta-se
de ventre aberto,

sem paredes,
dando tomos e tombos
no duro combate
da noite.

Sem armas se volta,
o pulso a latejar
por baixo das pálpebras,
os pés arrastando
o vagar do corpo
antes do adeus.

Corpo a corpo é a luta.

Só assim se faz a guerra.
Só assim se conhece
como tocam as mãos
quando perdem os dedos.

Só assim vale a pena morrer,
mirando de frente como
se dissolve o rosto
quando perde o domínio e o alfabeto,
como se torce em ruídos
por dentro dos olhos
onde há só lugar
para perder-se.

Chamam-no amor,
este combate de braços e línguas
este perto sem intervalo
onde a beira e a onda
se dessangram no tormento
da separação;
este tempo de guerra
que deitou raízes
nas veias de Junho,
no estertor de uma artéria,
no coração ferido de morte.

Das batalhas do amor
volta-se com um exército
de fantasmas no flanco,
com as feridas nos dedos
possuídos da guerra
sempre acesa
na linha de combate.

(Trad. A.M.)



>>  Vanguardia y tradición (14p) / Las malas juntas (3p) / Poetas siglo XXI (6p)

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15.2.14

Maria Teresa Horta (Caminho)






CAMINHO



Na boca as palavras
encontram-se
equilibram-se

deslizam na língua
são leite
ou saliva

Persistem resistem
objectos de mirra
com ancas de vidro
dunas perspectivas

são passos
caminhos

Poemas sensíveis

Na boca as palavras
adoecem
insistem

Razões obscuras
moles nas gengivas
rumores imprevistos

São docas antigas

Vaginas
ou quistos


Maria Teresa Horta

[Luz & sombra]

.

14.2.14

Meira Delmar (Além)





ALLÁ


Si acaso al otro lado de la vida
otra vez, por azar, nos encontramos,
¿se reconocerán nuestras miradas
o seremos tan sólo un par de extraños?
De todos modos te amaré lo mismo.
Juntos. O separados.

Meira Delmar



Se porventura do outro lado da vida
outra vez, por acaso, nos cruzarmos,
reconhecer-se-ão nossos olhares
ou seremos apenas um par de estranhos?
De todo o modo amar-te-ei igual.
Juntos. Ou separados.

(Trad. A.M.)

.

12.2.14

Mario Benedetti (Chau número três)





CHAU NÚMERO TRES



Te dejo con tu vida
tu trabajo
tu gente
con tus puestas de sol
y tus amaneceres
sembrando tu confianza
te dejo junto al mundo
derrotando imposibles
seguro sin seguro
te dejo frente al mar
descifrándote a solas
sin mi pregunta a ciegas
sin mi respuesta rota
te dejo sin mis dudas
pobres y malheridas
sin mis inmadureces
sin mi veteranía
pero tampoco creas
a pie juntillas todo
no creas nunca creas
este falso abandono
estaré donde menos
lo esperes
por ejemplo
en un árbol añoso
de oscuros cabeceos
estaré en un lejano
horizonte sin horas
en la huella del tacto
en tu sombra y mi sombra
estaré repartido
en cuatro o cinco pibes
de esos que vos mirás
y enseguida te siguen
y ojalá pueda estar
de tu sueño en la red
esperando tus ojos
y mirándote.

Mario Benedetti



Deixo-te com tua vida
teu trabalho
tua gente
com teus pôres do sol
e teus amanheceres
semeando a confiança
deixo-te junto ao mundo
derrotando impossíveis
seguro sem seguro
deixo-te frente ao mar
decifrando-te a sós
sem minha pergunta às cegas
sem minha resposta quebrada
deixo-te sem minhas dúvidas
pobres e mal-feridas
sem minhas verduras
sem minha experiência
mas não creias tão pouco
em tudo a pés juntos
não creias nunca creias
neste falso abandono
estarei onde menos
esperares
por exemplo
numa árvore anosa
cabeceando de sono
estarei num horizonte
distante sem horas
na marca do tacto
na tua sombra e na minha
estarei repartido
em quatro ou cinco miúdos
desses que tu olhas
e a seguir te seguem
e oxalá possa estar
no teu sonho na rede
esperando o teu olhar
e a olhar-te.

(Trad. A.M.)

.

11.2.14

Mario Quintana (Projeto de prefácio)





PROJETO DE PREFÁCIO



Sábias agudezas… refinamentos…
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe.
Um poema não é também quando páras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre…
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.


Mario Quintana


[Sopoesia]

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10.2.14

Francisco J. Picón (Hoje é o momento)





HOY ES EL MOMENTO



Si esperas a mañana
no me busques, ya me habré ido,
no mires detrás del velo
que protege tus recuerdos,
habré desaparecido
al otro lado del espejo de la memoria

Si esperas a mañana
la vida se perderá entre los latidos
del corazón del olvido
a borbotones de desengaño,
habrá partido
en un vagón del tren de la huída

Porque mañana es sólo una palabra
porque hoy es el momento
porque el sabor de un instante
no entiende de saetas de espera
porque un segundo es eterno
cuando se vive el presente
porque si esperas a mañana
el mundo será tan distinto
que no te reconocerás entre la gente…

Si recuerdas el ayer
los poros de tu piel envejecerán de hastío
aletargados por no cumplir sueños,
los dedos de tu deseo acariciaran vacíos,
ausencias sin dueño
en el hueco de un verbo durmiente

Si recuerdas el ayer
las arrugas se nutrirán de miedos,
los labios se resecarán sin besos,
en tu mirada no habrá más brillos
ni notarás el aroma de un aliento
rozando los surcos de tu vientre…

Porque ayer es sólo una palabra
porque hoy es el momento
porque los abrazos de siempre
se alimentan de aventura
porque un recuerdo no es eterno
cuando se vive el presente
porque si no olvidas el ayer
la vida será un suspiro
perdido entre tanta gente…


Francisco J. Picón



Se esperas o amanhã
não me procures, terei já partido,
não olhes por trás do véu
que te guarda as lembranças,
eu terei passado para
o outro lado do espelho da memória

Se esperas o amanhã
a vida perder-se-á nos latejos
do coração do olvido
em borbotões de desengano,
terá embarcado
num vagão do comboio da fuga

Porque amanhã é só uma palavra
porque hoje é o momento
porque o sabor de um instante
não sabe nada de ponteiros de espera
porque um segundo é eterno
quando se vive o presente
porque esperando o amanhã
o mundo será tão diferente
que não te reconhecerás entre a gente...

Se recordas o ontem
os poros da pele envelhecer-te-ão de fastio
apáticos por adiarem sonhos,
os dedos do desejo afagarão o vazio,
ausências sem dono
dentro de um verbo adormecido

Se recordas o ontem
as rugas nutrir-se-ão de medos,
os lábios hão-de secar sem beijos,
não haverá brilho no teu olhar,
nem sentirás o calor de um hálito
a roçar-te os sulcos do ventre...

Porque ontem é só uma palavra
porque hoje é o momento
porque os abraços de sempre
se alimentam de aventura
porque uma lembrança não é eterna
quando se vive o presente
porque se não esqueces o ontem
a vida será só um suspiro
perdido por entre a gente...

(Trad. A.M.)




>>  Poetas siglo XXI (28p) / Loreajan (blogue) / El pisapoeta (2p+entrevista) / Literaturame (outra entrev.) / Las afinidades electivas (3p)

.


9.2.14

Rui Pires Cabral (Nocturno com aviões)





NOCTURNO COM AVIÕES



Não estejas só. Tu também és
o que já foste e o que esperaste
vir a ser. A manhã que se aproxima

há-de passar, não importa. Para já,
os diligentes aviões de madrugada
sobrevoam o desenho das colinas

de Lisboa - e cá dentro, muito fundo,
numa redoma de música, os amigos
ainda bebem para esquecer

o futuro, que outro remédio
não têm, se a hora não se repete
e a vida é só esta espuma.

Rui Pires Cabral


[Os livros tristes]


.

8.2.14

Mariano Crespo (Testamento amargo)






TESTAMENTO AMARGO



Mi muy querida.
Acabo de dejar las lentes sobre el escritorio.
Ahora froto mis ojos para espantar en vano el cansancio.
Suena el Impromptu nº 4,
en do sostenido, de Chopin y llueve.
Caen lentamente las gotas y las corcheas
sobre los cristales, los geranios y las sombras.
Ayer repasé el periódico y no vi tu esquela.
Era el ejemplar del 12 de marzo,
el aniversario de mi derrota sin banderas,
y ya he dicho que llovía,
pero no que estaba en zapatillas
sí que sonaba Chopin
y he omitido
que había una ausencia de gatos.

Con las notas de Federico
te he empezado un cumplido epitafio.
Mas como siempre fuiste imprevisible,
morena teñida,
y no llegaste al recuadro
reservado para que te diera sepultura,
he decidido
- y perdóname el protagonismo -
desaparecer yo solito
y diluirme en un mutis altivo
y rencoroso
a la manera que siempre soñé para ti.

No sería digno
de nuestra manera de entender la vida
el despedirse al au revoir, a la francesa,
sin dejarte un cabás, una carpeta,
una cajita que, a manera de testamento,
perpetuase tanto odio.
De tal modo
que al recibo de la corriente
te lego el epistolario
que entre nosotros
transitaron los pájaros,
la distancia y los carteros.
Mata tu tedio leyendo las palabras que plasmé,
y las que no acerté a decirte,
torpe como siempre he sido,
por perderme en las pajas luminosas
sin ver el grano de la sinceridad.

Releo
yo también
el transcurrir del desafecto.
Busco la fórmula adecuada
para aguijonearte las entrañas,
pues los insultos que me pide el alma
son muy ordinarios
y para ti,
dulce puta,
los quiero extraordinarios.

Tan solo te amé un día,
aquel en que estábamos declarando
un estado de felicidad permanente
y sonaba Georges Moustaki
en el cassete de Juanjo.
Se había muerto Franco
sin tener tiempo de fusilarle.
Desde la alameda
me doy la vuelta
y me marcho.

Que la amargura te siga amargando.

Mariano Crespo


 [Faro sin mar]



Minha querida,
acabo de deixar os óculos esquecidos na secretária,
descansando agora os olhos para espantar o cansaço.
Toca o Improviso n.º 4,
em dó sustenido, de Chopin, e chove.
Ontem, ao passar os olhos pelo jornal, não vi o teu necrológio.
Era o número de 12 de Março,
aniversário da minha derrota sem bandeiras,
e disse já que chovia,
mas não que estava de sapatilhas
sim que tocava Chopin
e não mencionei
que gatos não, não havia.

Com as notas de Federico
comecei a compor-te o epitáfio.
Mas como sempre foste imprevisível,
morena retinta,
e não chegaste ao talhão
reservado para a tua sepultura,
decidi por mim
- perdoa-me o protagonismo -
desaparecer eu sozinho,
apagando-me numa saída altiva
e rancorosa,
ao modo que sempre sonhei para ti.

Não seria digno
da nossa forma de entender a vida
despedir-me à francesa, au revoir,
sem te deixar um cesto, uma pasta,
uma caixinha, a perpetuar tanto ódio,
assim à maneira de testamento.
De sorte que
ao receberes a presente
lego-te o epistolário
que entre nós transportaram as aves,
a distância e os carteiros.
Mata o tédio a ler as palavras que plasmei,
e as que não cheguei a dizer-te,
desajeitado como sempre fui,
por me perder nas palhas luminosas
e não ver o grão da sinceridade.

Releio
eu também
o percurso do desafecto.
Busco a fórmula adequada
para espicaçar-te as entranhas,
pois os insultos que o íntimo me pede
são muito ordinários
e para ti,
minha puta,
eu quero dos extraordinários.

Eu amei-te tão só um dia,
aquele em que declarámos
o estado de felicidade permanente,
ouvindo Georges Moustaki
na cassete de Juanjo.
Franco havia morrido
sem ter tempo de o fuzilar.
De pé na alameda,
dou meia volta
e vou-me embora.

Que a amargura te amargue sempre.

(Trad. A.M.)



>  Espelho: Vicente Gallego

.

7.2.14

Manuel de Freitas (Pressa de viver)

 




PRESSA DE VIVER



Negro, trinta e dois anos,
dealer. Pensava que a guerra
no Kosovo tinha por motivo único
a resistência à conversão em euros
─ e talvez nisso tivesse, afinal, uma obscura
razão. Noutra noite, vi-me obrigado
a explicar-lhe o melhor que pude
o que era o FMI - que ele decerto
interpretou como um partido de 'tugas’
vagamente hermético. De facto, é outra
a sua economia: contos de xamon, pastilhas,
piropos de esquina, os dois ou três filhos
de que apenas bêbedo se lembra.

Mas não é bem disso que eu hoje
queria falar. Passámos a noite
lado a lado, no mesmo balcão.
Demorei algum tempo a cumprimentá-Io
─ «tá-se?». Pediu logo grandes, imensas
desculpas por não me ter visto.
Que era «pressa de viver», garantiu-me,
aquilo que nos torna tão cegos é
às evidências, ao rosto desse próximo
que só por bíblico acaso amamos
─ quando o ódio, mais discreto,
dá nome e sentido às ruas.

Fingi acreditar, procurei não
desmentir o seu olhar verde
vindo de outro qualquer planeta.
Seria difícil explicar-lhe àquela hora
a compulsiva demora de morrer
que me faz sair de casa e procurar,
entre ninguém, a pior das companhias: eu.

Acabou por levar para a rua
uma imperial de plástico, lembrado
talvez dos possíveis clientes
a quem ajudará a esquecer um emprego,
o desamor, o calor sinistro deste Verão.
Na verdade, pouco mais haveria
a dizer sobre este corpo brando que
há vários anos se encosta às minhas noites.
Serve-me de escudo para os bárbaros mais novos
─ e protege-se, o melhor que pode,
da rusga sem objecto a que chamamos vida.


Manuel de Freitas

[Canal de poesia]

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6.2.14

Alfonso Brezmes (Três desejos)





TRES DESEOS



Que no escuches otra voz
distinta de la mia - dijiste
soplando el primer fósforo.

Que nada digas que me hiera
fue tu segundo deseo - y la oscuridad
nos iba envolviendo poco a poco.

Que no acabe este sueño,
-susurraste, soplando por última vez.
Y todo desapareció.

Y nos encontramos de pronto
en medio de la noche.
Sordos mudos y ciegos.

Alfonso Brezmes

[Nunca llegan tarde las hadas]




Que não escutes outra voz
distinta da minha - disseste
soprando o primeiro fósforo.

Que não digas nada que me fira
foi o teu segundo desejo - e o escuro
ia-nos envolvendo pouco a pouco.

Que não acabe este sonho
- sussurraste, soprando a última vez.
E tudo desapareceu.

E de repente nos achámos
no meio da noite.
Surdos, mudos e cegos.

(Trad. A.M.)


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5.2.14

Manuel António Pina (Tanto silêncio)





TANTO SILÊNCIO



Para cá de mim e para lá de mim, antes e depois.
E entre mim eu, isto é, palavras,
formas indecisas
procurando um eixo que
lhes dê peso, um sentido capaz de conter
a sua inocência
uma voz (uma palavra) a que se prender
antes de se despedaçarem
contra tanto silêncio.
São elas, as tuas palavras, quem diz "eu";
se tiveres ouvidos suficientemente privados
podes escutar o seu coração
pulsando sob a palavra da tua existência,
entre o para cá de ti e o para lá de ti.
Tu és aquilo que as tuas palavras ouvem,
ouves o teu coração (as tuas palavras "o teu coração")?

Manuel António Pina


[O café dos loucos]

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4.2.14

María Sanz (E a tarde era ele)





Y LA TARDE ERA ÉL



Salías a su encuentro aquella tarde
profundamente gris,
con los ojos cegados
por la luz interior que te mentía.
Alargabas el paso, no sus ecos,
acostumbrada a ser una invisible
ternura sin destino,
doliente oscuridad sobre el albero.
Y la tarde era él.
Se apareció en la lluvia,
mientras no terminabas de creerte
su mirada de ámbar
apresando tu enésimo delirio.
La tarde estaba en él, y en él se iba.
Alargaste la muerte, no su vuelo,
con los ojos clavados
en el profundo gris que te cercaba.

María Sanz


[María Sanz]



Saías ao seu encontro
nessa tarde cinzenta,
com os olhos cegados
pela luz íntima que te mentia.
Alongavas o passo, não seu eco,
afeita a ser uma invisível
ternura sem destino,
dorida escuridão sobre o terreno.
E a tarde era ele.
Apareceu com chuva,
enquanto duvidavas ainda
do seu olhar de âmbar
apresando teu enésimo delírio.
A tarde estava nele e nele se ia.
Alongaste a morte, não seu voo,
de olhos cravados
no cinzento em teu redor.

(Trad. A.M.)

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3.2.14

Manoel de Barros (Matéria de poesia-I)





MATÉRIA DE POESIA (1)



Todas as coisas cujos valores podem ser
Disputados no cuspe à distância
Servem para poesia

O homem que possui um pente
E uma árvore
Serve para poesia

Terreno de 10x20, sujo de mato - os que
Nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
Servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
São bons para poesia
As coisas que não levam a nada
Têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo
Tem seu lugar
Na poesia ou na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
Caco de vidro, grampos,
Retratos de formatura,
Servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como
Por exemplo: pedras que cheiram
Água, homens
Que atravessam períodos de árvore,
Se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
E que você não pode vender no mercado
Como, por exemplo, o coração verde
Dos pássaros,
Serve para poesia

As coisas que os líquenes comem
- sapatos, adjetivos -
têm muita importância para os pulmões
da poesia

Tudo aquilo que a nossa
Civilização rejeita, pisa e mija em cima,
Serve para poesia

Os loucos de água e estandarte
Servem demais
O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso
Tudo que explique
O alicate cremoso
E o lodo das estrelas
Serve demais da conta

Pessoas desimportantes
Dão pra poesia
Qualquer pessoa ou escada

Tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para poesia

O que é bom para o lixo é bom para a poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório:
A palavra repositório eu conheço bem:
Tem muitas repercussões
Como um algibe entupido de silêncio
Sabe a destroços

As coisas jogadas fora
Têm grande importância
- como um homem jogado fora

Aliás é também objeto de poesia
Saber qual o período médio
Que um homem jogado fora
Pode permanecer na terra sem nascerem
Em sua boca as raízes da escória

As coisas sem importância são bens de poesia

Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
Ao poema, e as andorinhas de junho.


Manoel de Barros


[Luz & sombra]

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2.2.14

Andrés Trapiello (Fala)





HABLA



¿A qué lengua se traduce la lluvia?
¿Cuántas letras forman el perfume
que la rosa destila? ¿Con qué rima
uncirías las olas de la playa?
¿Serías tú capaz de discernir
los hemistiquios en el beso último
de dos amantes, y ponerle acentos
al silencio sutil de sus pupilas?
¿Qué humana ortografía serviría
para ese ladrido que a lo lejos
se oye en plena noche o para el pulso
que late en todo astro, incluso muerto?
Dime con qué alfabeto se transcribe
el sueño de la vida,
dímelo sin palabras, que son merma,
sin rima, sin acentos, sin medida,
y luego, habla.

ANDRÉS TRAPIELLO
Habla y otros poemas
(2003)

[Life vest under your seat]



Em que língua se traduz a chuva?
Quantas letras compõem o perfume
da rosa? Com que rima
ungirias as ondas da praia?
Serias tu capaz de discernir
os hemistíquios no beijo último
dos amantes, ou pôr acentos
no silêncio subtil de suas pupilas?
Que humana ortografia serviria
para esse latido que se ouve ao longe
em plena noite, ou para o pulso
que bate em todo o astro, mesmo morto?
Diz-me em que alfabeto se transcreve
o sonho da vida,
diz-me sem palavras, que perda são,
sem rima, sem acentos, sem medida,
e depois, fala.

(Trad. A.M.)

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1.2.14

Ana Hatherly (Um poeta barroco)





Um poeta barroco disse:
As palavras são
As línguas dos olhos
Mas o que é um poema
Senão
Um telescópio do desejo
Fixado pela língua?
O voo sinuoso das aves
As altas ondas do mar
A calmaria do vento:
Tudo
Tudo cabe dentro das palavras
E o poeta que vê
Chora lágrimas de tinta.


Ana Hatherly

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