23.1.09

Vitorino Nemésio (Buarcos)



. . . . . . [Jorge Rodrigues]





(Buarcos)






Primeiro de Agosto, primeiro de Inverno - diz o ditado.

Mas só à borda do mar se faz (quando faz) o dito certo.

Anos há que trazem a amostra do Outono ao arrepio do horizonte.

Uma primeira andorinha deserta o beiral encalmado da casinha do pescador.

Já não se sabe bem se é a que arribou em Março ou a que ela própria chocou.

Filhas e mães, na espécie, têm quase a mesma envergadura, irmanam-se no voo e nas voltas à busca do cibo.

O vento ponteiro à praia de Buarcos arrepiou os juncos e as tamargueiras empoadas na casca da estrada troada pelas carroças do peixe e pelos carros de bois da rede.

Já abana os toldos remendados das barracas de banho pobres e, pela terra dentro, nos campinhos de milho encamisado, um esboço de tufão do equinócio cria uma intimidade outoniça nas figueiras sujas de pó.

Voltarão ainda as calmas do Agosto continental e do Setembro das colheitas, mas os céus de pérola e chumbo já aí estão planeados: as malhas do banhista já servem para recatar a pele susceptível.



- VITORINO NEMÉSIO, Corsário das Ilhas, 1956, Histórias de Mateus Queimado (O lagosteiro do lugre).