26.8.08

Ral Brandão (Às vezes é um nada)





( Às vezes é um nada ...)



Ou a vida é um acto religioso - ou um acto estúpido e inútil.

Considero os meses mais felizes da minha vida aqueles em que eu e minha mulher fomos viver para uma aldeia remota.

Ainda hoje me penetra a solidão perfumada dos montes.

A casa não tinha vidros e à noite o silêncio doirado de estrelas entrava pelas janelas e desabava sobre nós…

Há horas em que as coisas nos contemplam e estão por um fio a comunicar connosco.

Às vezes é um nada, um momento de êxtase em que distintamente ouvimos os passos da vida caminhando.

O homem sozinho está mais perto de Deus e das coisas eternas.

Sabe-lhe melhor a vida, compreende melhor a morte.

Um pormenor que o interesse entranha-se-lhe na alma para sempre, como um perfume que nunca mais se esvai…

Ainda este ano o Maio foi tão quente que toda a noite se lavrou ao luar…



- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Balanço à vida.


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