31.12.08

INDICE DE AUTORES (2005-8)









ACQUARONI, Rosana
AGUIAR, Cristóvão
AGUIAR, Jorge
AGUSTINI, Delmira
ALBERTY, Rafael
ALEGRE, Manuel
ALEGRIA, Claribel
ALEIXANDRE, Vicente
ALEXANDRE, António Franco
ALMEIDA, José António
ALMUTÂMIDE, Mohâmede
ALONSO, Dámaso
ANDRADE, Carlos Drummond
ANDRADE, Eugénio
ANDRADE, Mário
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner
ASSIS, Machado
BANDEIRA, Manuel
BAPTISTA, José Agostinho
BARROS, Manoel
BAUTISTA, Amalia
BEAUVOIR, Simone
BELO, Ruy
BENEDETTI, Mário
BERGAMÍN, José
BERTO, Al
BIEDMA, Jaime Gil
BORGES, Jorge Luís
BOTTO, António
BRANDÃO, Fiama Hasse Pais
BRANDÃO, Raul
BRECHT, Bertolt
BRINES, Francisco
BRITO, Casimiro
CADILHE, Gonçalo
CAMÕES, Luís
CARNEIRO, Mário Sá
CELAYA, Gabriel
CENTENO, Yvette
CERNUDA, Luís
CESARINY, Mário
CHAR, René
CORREIA, Natália
CORTÁZAR, Julio
CRUZ, Sor Juana Inês
CUENCA, Luis Alberto
DIEGO, Eliseo
EDSON, Russel
ELOY BLANCO, Andrés
ELUARD, Paul
FAFE, José Fernandes
FELIPE, León
FERREIRA, David Mourão
FIGUEIREDO, Tomaz
FONTE, Ramiro
GALEANO, Eduardo
GALLEGO, Vicente
GAMONEDA, António
GARCIA MARTÍN, José Luís
GELMAN, Juan
GIDE, André
GONZÁLEZ, Angel
GONZÁLEZ IGLESIAS, J. A.
GULLAR, Ferreira
HELDER, Herberto
HERCULANO, Alexandre
HERNÁNDEZ, Miguel
HILST, Hilda
HORTA, Maria Teresa
INÁCIO, Ana Paula
JÚDICE, Nuno
KAVAFIS, Konstandinos
LEIRIA, Mário-Henrique
LIMA, Ângelo
LISPECTOR, Clarice
LOBO, Francisco Rodrigues
LOPES, Adília
LOPES, Fernão
MACHADO, António
MARTINS, Albano
MATTOS, António Almeida
MEIRELES, Cecília
MEXIA, Pedro
MIRANDA, F. Sá
MONETTE, Hélène
MONTEIRO, Adolfo Casais
MORAES, Vinicius
MORIN, E.
MOURA, Gabriela
MUTIS, Álvaro
NAMORADO, Joaquim
NEGREIROS, José Almada
NEMÉSIO, Vitorino
NERUDA, Pablo
NESSI, Alberto
NIETZSCHE, Friedrich
OLIVEIRA, Carlos
OLIVEIRA, Mário Rui
O’NEILL, Alexandre
OSÓRIO, António
PACHECO, Fernando Assis
PACHECO, José Emílio
PANERO, Juan Luís
PANERO, Leopoldo Maria
PAZ, Octavio
PEDREIRA, Maria do Rosário
PESSOA, Fernando
PIMENTA, Alberto
PIRES, Graça
PITTA, Eduardo
PLATH, Sylvia
PRADO, Adélia
PRÉVERT, Jacques
QUINTANA, Mário
RANGEL, Violeta C.
REIS, António
RIBEIRO, Aquilino
RIBEIRO, Bernardim
RITSOS, Yannis
ROSA, António Ramos
SABINES, Jaime
SAFO
SALINAS, Pedro
SENA, Jorge
TAGORE, Rabindranath
TAVARES, Gonçalo M.
TORGA, Miguel
UÁZIR, Abdalá Ibne
VALÉRY, Paul
VERDE, Cesário
VICENTE, Gil
WILLIAMS, William Carlos
YEATS, W.B.
YOURCENAR, Marguerite
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29.12.08

Olhar (40)

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S. Miguel
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- Povoação
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(Açores)
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Coitado do Jorge (49)







D.O.C.





Adorei o D.O.C.
Tinha um jantar combinado com a Monica (Bellucci), que à última hora não pôde.
Queria mandar-me o Brad (Pitt)…

- Ó filha, qué-queu faço com o Brad Pitt, o meu limite é o José (Castelo Branco).

Maneiras que.
Fui lá com o Conde…




Ana Paula Inácio (Homenagem)








HOMENAGEM A 4 POETAS E 1 CINEASTA





Livra-me das tentações
de fugir ao fisco
e que em Fevereiro pague sempre
os meus impostos.
Afasta-me do supérfluo e
da vaidade e recorda-me que
um dia hei-de ter hemorróidas.
E não me deixes cair no pecado
da ideologia
para que não leve com o proletariado nas trombas.
Guia-me pelos caminhos do amor
até um centro comercial
onde o amado me acompanhará
a experimentar um a um cada vestido.
E, por último, faz com que
todo o iogurte que coma seja
— foda-se! —
de morango.




Ana Paula Inácio


Telhados de Vidro, n.º 11,
Averno, Lisboa, 2008.


[Hospedaria Camões]
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Lugares: Um-buraco-na-sombra (16p+bio) / Portugal poetry (7p+nota (ingl.) /
Instituto Camões (2p+nota)
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27.12.08

José Fernandes Fafe (Salmo à manhã)








SALMO À MANHÃ






Telhas,
teclas.



O gato no telhado é o pianista.
Melhor: o organista.



Tubos dum órgão, chaminés,
fumegam botes e casas cor de rosa…



O gato arranha um salmo…
Como o Sr. Jourdain fazia prosa.




José Fernandes Fafe




José Emílio Pacheco (Retorno a Sísifo)


























RETORNO A SÍSIFO






Rodó la piedra y otra vez como antes
la empujaré, la empujaré cuestarriba
para verla rodar de nuevo.
Comienza la batalla que he librado mil veces
contra la piedra y Sísifo y mí mismo.
Piedra que nunca te detendrás en la cima:
te doy las gracias por rodar cuestabajo.
Sin este drama inútil sería inútil la vida.





José Emilio Pacheco







Rodou a pedra e outra vez a empurrarei
como dantes, a empurrarei encosta acima
para novamente a ver rodar.
Começa a luta que abracei mil vezes
contra a pedra, e Sísifo e contra mim mesmo.
Pedra que nunca te deterás no cume:
dou-te graças por rodares encosta abaixo.
Sem este drama inútil seria inútil a vida.


(Trad. A.M.)






25.12.08

Alberto Nessi (As coisas)






AS COISAS



Onde é que metes as coisas todas que lês?
- perguntas-me após o aguaceiro
enquanto o céu se acende com relâmpagos
tardios. Azul cobalto com cinza. Eu estou sentado
à hindu e espreito lá do divã. Onde é que as ponho?
Umas acabam nos escombros
vem o camião na última sexta de cada mês
e leva os tapetes falsos
os cadeirões rachados, os brinquedos coxos.
Umas prendem-se nos fios, outras
leva-as o vento e enterra-as na areia.
Ficam as coisas que não deixam em paz
as coisas que cortam, que magoam
as que escavam galerias
as coisas que gorjeiam e reluzem
as coisas vivas
as coisas.


Alberto Nessi

(Trad. A.M.)


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Fontes: Festival de poesia de Medellin (3p(esp.)+nota) / Poesia semanal (5p(esp.)+vídeo) /
Lyrikline (10p(it.)+vídeo) / Culturactif (pag.especial)


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Casimiro de Brito (Meus pensamentos)








Meus pensamentos são nómadas
e vagarosos
como a água que vem da montanha
e não sabe nada
do coração dos homens. O meu, por exemplo,
tem a leveza do vento
e corre para casa como se fosse
um cão que precede
os passos do dono.



Casimiro de Brito


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Raul Brandão (Nenhuma desgraça pôde com ela)






(Nenhuma desgraça pôde com ela…)





Duas sombras têm acompanhado a minha vida e estão aqui a meu lado…

Minha mãe gastou-se a sonhar, só nervos e paixão; viu cair por terra todos os seus sonhos - e teimou em sonhar, atrevendo-se contra todo o universo!

A realidade temerosa afastou-a sempre de si.

Venceu-a. (…)

A Mari’Emília foi, até morrer, nossa criada.

Era um tipo popular, de energia admirável.

Estou a vê-la de bigode branco, olhos espertos de um azul já um pouco desbotado pela velhice, mas teimando em exprimir ternura até à morte.

Vejo-lhe a boca desdentada a sorrir e sinto nas minhas mãos o calor das suas mãos e o dedo grosso e enorme a que me apegava quando ia para a mestra na Foz velha.

Doente de uma perna, sempre a conheci a mancar.

Atravessou toda a vida a mancar e a sorrir.

Porque essa é que era a expressão mais íntima e mais bela da sua alma: a alegria na desgraça.

Infatigável e risonha - o riso sempre pronto no trabalho e na dor.

Só a conheci alegre e morreu com um sorriso e um dente depois de nos servir a vida inteira. (…)

O que é que nós lhe demos para assim nos amar?

Sofrimento, trabalho, até cair exausta de dedicação.

E ela deu-nos à vida a alegria.

Mancou e riu até ao fim.

Nenhuma desgraça pôde com ela.

Resistiu sempre.

Serviu e amou.

E no fim morreu, ainda sorrindo-nos e com estas palavras na boca: - Levo-vos no coração!




- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Há que tempos!...




23.12.08

David Mourão-Ferreira (Ladainha dos póstumos natais)










LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS






Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito




David Mourão-Ferreira


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21.12.08

Ver (9)

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Tâmega

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Mohâmede Almutâmide (Evocação de Silves)











EVOCAÇÃO DE SILVES


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Eis, Abu Bacre, saúda os meus lares em Silves e pergunta-lhes
se, como penso, ainda se lembram de mim.


Saúda o Palácio das Varandas da parte de um donzel
que sente perpétua saudade daquele alcácer.


Ali moravam guerreiros como leões e brancas gazelas.
E em que belas selvas e em que belos covis!


Quantas noites passei divertindo-me à sua sombra
com mulheres de cadeiras opulentas e talhe fatigado
brancas e morenas que produziam na minha alma
o efeito das espadas refulgentes e das lanças obscuras!


Quantas noites passei deliciosamente
junto a um recôncavo do rio com uma donzela
cuja pulseira rivalizava com a curva da corrente!


O tempo passava e ela servia-me o vinho do seu olhar
e outras vezes o do seu vaso
e outras o da sua boca.


As cordas do seu alaúde feridas pelo plectro
estremeciam-me como se ouvisse a melodia das espadas
nos tendões do colo inimigo.


Ao retirar o seu manto, descobriu o talhe,
florescente ramo de salgueiro,
como se abre o botão para mostrar a flor.



Mohâmede Almutâmide




- Beja (1040-1095)




Consultar: Inforarte (perfil)
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Ramiro Fonte (Terra)










TIERRA






Diles que te quería,
lo sabía el cerezo que da flor en abril
y el torsión que llega a nuestras playas
con su leyenda efímera de rumbos.
Pero núnca comprendí ese rencor
que oprime el corazón de tus gentes;
que ofrece hiel cuando se pide agua,
acido pan cuando una voz se pide.
Díles que te quería.
Muchas veces en sueños
paseo por esos lugares donde creció un día
la inmemorial nostalgia de los inviernos
como crecen los niños con la caída de los meses.
Lentamente me di al mundo, inútilmente,
con la propensión al desamparo que tenemos las personas
a las costumbres del olvido. Pero díles
que te quería, madre, que te quería.




RAMIRO FONTE
Pasa un Segredo (1988)








Diz-lhes que te amava,
sabia-o a cerdeira que dá flor em Abril
e o destroço que nos chega às praias
com sua efémera lenda de rumos.
Mas jamais percebi esse rancor
que oprime o coração das tuas gentes;
que oferece mel quando se pede água,
ácido pão quando uma voz se pede.
Diz-lhes que te amava.
Muita vez em sonhos
passeio por esses lugares onde cresceu um dia
a imemorial nostalgia dos Invernos
como crescem os meninos com o cair dos meses.
Lentamente me dei ao mundo,
inutilmente,
com a propensão ao desamparo que têm as pessoas
aos usos do esquecimento. Mas diz-lhes
que te amava, mãe, que te amava.


(Trad. A.M.)




- Dedicado a M.C.R., mestre na arte, e que chorou o Ramiro Fonte, aqui.


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18.12.08

Juan Antonio González Iglesias (Digo o que me dita)










DIGO LO QUE ME DICTA MI CORAZÓN SERENO






Otros escriben para desconcierto
de las generaciones actuales
y venideras. Yo
sólo aspiro a que alguien
(no necesariamente en el futuro)
en alguna cultura muy antigua
me comprenda.




Juan Antonio González Iglesias






Outros escrevem para desconcerto
das gerações actuais
e vindouras. Eu
aspiro só a que alguém
(não necessariamente no futuro)
numa cultura muito antiga
me compreenda.


(Trad. A.M.)





Fontes: A media voz (14p) / Wikipedia (com linques)


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Gonçalo M. Tavares (A água)










A ÁGUA






No café trazem-me um copo com água
como se ele resolvesse todos os meus problemas.
É ridículo - penso - não há saída.
No entanto, depois de beber a água
fico sem sede.
E a sensação exclusiva do organismo
acalma-me por momentos.
Como eles sabem de filosofia - penso -
e regresso, logo a seguir, à angústia.




Gonçalo M. Tavares




Fontes: Wikipedia / Gonçalo-1 (blogue) / Gonçalo-2 (sítio of.)



Antes, aqui: O carpo

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16.12.08

Olhar (39)

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Serra do Alvão
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Manoel de Barros (Sabiá com trevas)










SABIÁ COM TREVAS



(IX)



O poema é antes de tudo um inutensílio.


Hora de iniciar algum
convém se vestir roupa de trapo.


Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.


Faz bem uma janela aberta
uma veia aberta.


Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema
enquanto vida houver.


Ninguém é pai de um poema sem morrer.



Manoel de Barros




[Blocos online]

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14.12.08

Raul Brandão (O resto é balbúrdia)






(O resto é balbúrdia...)




Entendo que este mundo é religioso e a minha vontade seria falar baixinho, bulir pouco.

Os dias mais felizes da minha vida passei-os ao sol, contemplando.

Não é que deteste a acção.

A acção é o fim da vida.

Mas é preciso distinguir entre acção e agitação.

Compreendo a acção dos santos e dos heróis, a acção pelo bem e pelo cristianismo - a grande acção.

O resto é balbúrdia.

Também há outra acção mais bela talvez ainda, a acção desconhecida e humilde, obscura, feita de exemplos e sacrifícios - a da mulher no seu lar, a do homem que cumpre a existência e que, com os pequenos meios de que dispõe, vai além da vida.

Digamos tudo: toda a acção que não tem um fim idealista ou não representa um sacrifício, não vale nada.

Esta acção exerce-a muito melhor do que eu ali o meu vizinho, que foi ao Porto buscar uma pobre de pedir, que não lhe era nada, trouxe-a para casa e reparte com ela o pão e a malga do caldo, ou a criatura desconhecida que no lar apagado cumpre todos os dias monótonos o seu dever monótono.

Sejamos humildes, porque a gente chega ao fim da vida sem ter entendido nada deste mundo, quanto mais do outro…



- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Balanço à vida.



António Osório (Sonho)









SONHO





Gostaria me sonhasses
vento sobre flor;
espiga de outro sono,
bolbo de outra vida.


Gostaria me encontrasses
ave caída;
e lhe desses depois
o voo de outros séculos.




António Osório



[Lídia Aparício]



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12.12.08

Ver (8)

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- Trancoso
- Barca de Alva
- Castelo Rodrigo
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Fiama Hasse Pais Brandão (Da voz das coisas)






DA VOZ DAS COISAS



Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho

Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz.


FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
As Fábulasedições quasi
(2002)


[Canal de poesia]

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11.12.08

José Fernandes Fafe (Metafísica do encontro)





METAFÍSICA DO ENCONTRO




Se não tivesse sido a esquadra americana, que fez esgotar a cerveja na cidade, eu não teria ido à outra banda beber um fino… Não nos teríamos encontrado, por conseguinte.
Mas, também, se o teu isqueiro não se tem avariado e a tua voz não fosse - até na adversidade! - manselinha (- “Por favor…” Nas comissuras dos lábios, tanto destino cruzado! - “Muito obrigado, Senhor…”) sequer teria reparado em ti…
Qual é a explicação da tua voz? Herdaste-a de teus pais? De teus avós? De que Senhora Aónia és descendente?
“Poeta desempregado…”. espalham para aí os teus. Mas se não fosse um poeta… quem te houvera de amar, ó minha feia? E empregado… como é que eu poderia, às quatro horas da tarde - numa quinta-feira - estar, digam-me lá, na outra banda?
Os marujos… e se eles eram cupidos… (crescidos, americanos, vestidos à marinheira…) que nos feriram com uma seta, teleguiada, certeira…

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Foram as manobras da NATO…
Foi um isqueiro empanado…
Foram as voltas do Mundo…
Foi uma loucura (dizem os amigos)… que engendrou - cegamente - o nosso encontro em Cacilhas.
Coisa tão bela e absurda como o aparecimento do Homem!



José Fernandes Fafe


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10.12.08

Juan Gelman (Mujeres)










MUJERES





decir que esa mujer era dos mujeres es decir poquito
debía tener unas 12.397 mujeres en su mujer
era difícil saber con quién trataba uno en ese pueblo de mujeres
ejemplo:


yacíamos en un lecho de amor
ella era un alba de algas fosforescentes
cuando la fui a abrazar se convirtió en Singapur
llena de perros que aullaban


recuerdo cuando se apareció envuelta en rosas de agadir
parecía una constelación en la tierra
parecía que la cruz del sur había bajado a la tierra
esa mujer brillaba como la luna de su voz derecha


como el sol que se ponía en su voz
en las rosas estaban escritos todos los nombres de esa mujer menos uno
y cuando se dio vuelta
su nuca era el plan económico
tenía miles de cifras y la balanza de muertes favorables a la dictadura militar
nunca sabía uno adónde iba a parar esa mujer
yo estaba ligeramente desconcertado
una noche le golpié el hombro para ver con quién era y vi en sus
ojos desiertos un camello


a veces
esa mujer era la banda municipal de mi pueblo
tocaba dulces valses hasta que el trombón empezaba a desafinar
y los demás desafinaban con él
esa mujer tenía la memoria desafinada


usté podía amarla hasta el delirio
hacerle crecer días del sexo tembloroso
hacerla volar como pajarito de sábana
al día siguiente se despertaba hablando de malevich


la memoria le andaba como un reloj con rabia
a las tres de la tarde se acordaba del mulo que le pateó la infancia
una noche del ser ellaba mucho esa mujer y
la devoraron todos los fantasmas que pudo alimentar con sus miles de mujeres
y era una banda municipal desafinada
yéndose por las sombras de la placita de mi pueblo


yo compañeros una noche como ésta
que nos empapan los rostros que a lo mejor morimos
monté en el camellito que esperaba en sus ojos
y me fui de las costas tibias de esa mujer


callado como un niño bajo los gordos buitres que me comen de todo
menos el pensamiento de cuando ella se unía como un ramo de dulzura
y lo tiraba en la tarde



Juan Gelman


Fontes: Poesi.as (104p) / Sololiteratura (90p) / A media voz (36p) / Wikipedia / La Bitácora de Gelman (blogue pessoal)
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Nuno Júdice (Poema-2)










POEMA-2





Atravesso o jardim, de manhã,
até beber o último trago de névoa.


As estátuas empurram-me com
os seus braços brancos.


Um cisne confunde-se
com um jarro;


mas não sei se o lago
se confunde com ele.


No banco, um fantasma
estende-me uma chávena de café.


No fundo, discutimos ambos
um problema de existência.


É que nem ele nem eu
temos a certeza um do outro


quando a cidade, no Outono,
se veste de nuvem.




NUNO JÚDICE
O Movimento do Mundo (1996)


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Coitado do Jorge (48)










CHATEADO






Ando tão chateado, ultimamente, que quando entro na piscina a água até faz “chhhhh”.

Aliás, na semana passada, à saída, fitei o edifício do outro lado da rua e, com a secante do olhar, tirei-lhe os dois andares cimeiros.

Pobre edifício, na semana anterior, tinha-lhe tirado o sótão…


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7.12.08

Julio Cortázar (Encargo)










ENCARGO






No me des tregua, no me perdones nunca.
Hostígame en la sangre, que cada cosa cruel sea tú que vuelves.
No me dejes dormir, no me des paz!
Entonces ganaré mi reino,
naceré lentamente.
No me pierdas como una música fácil, no seas caricia ni guante;
tállame como un sílex, desespérame.
Guarda tu amor humano, tu sonrisa, tu pelo. Dalos.
Ven a mí con tu cólera seca de fósforo y escamas.
Grita. Vomítame arena en la boca, rómpeme las fauces.
No me importa ignorarte en pleno día,
saber que juegas cara al sol y al hombre.
Compártelo.
Yo te pido la cruel ceremonia del tajo,
lo que nadie te pide: las espinas
hasta el hueso. Arráncame esta cara infame,
oblígame a gritar al fin mi verdadero nombre.


París, 1951/1952




JULIO CORTAZAR
Salvo el crepúsculo


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Olhar (38)














Ria de Aveiro

(Canal de Mira)

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Abdalá Ibne Uázir (Não desesperes)











Não desesperes de chegar a califa
pois Ibne Amr foi nomeado inspector das alfândegas.



Desgraçada época em que se fazem coisas como esta
colocar altos cargos nas mãos de um limpador de esgotos…




Abdalá Ibne Uázir



- Alcácer do Sal (1218)




(Trad. Garcia Domingues)


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5.12.08

Ferreira Gullar (Pergunta e resposta)











PERGUNTA E RESPOSTA





Se é fato que
toda a massa do sistema
solar (somando a de Saturno e Marte
e Terra e Vênus e Urano e Mercúrio
e Plutão, mais
os satélites, mais
os asteróides, mais) equivale
apenas a 2% da massa
total do Sol e
que o Sol não é mais
que um mínimo ponto
de luz na estonteante tessitura de
gás e poeira da Via
Láctea e que a ViaLáctea é apenas uma
entre bilhões de galáxias
que à velocidade de 300 mil km por segundo
voam e explodem
na noite então pergunto:
o que faz aí
meu poema com seu
inaudível ruído?



E respondo:
Inaudível
para quem esteja
na galáxia NGC 5128
ou na constelação
de Virgo ou mesmo
em Ganimedes
onde felizmente não estás,
Cláudia Ahimsa,
poeta e musa do planeta Terra.




[Ferreira Gullar]


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Vitorino Nemésio (Lagoa do Negro)







(Lagoa do Negro)




Com cerca de vinte anos de raiz na ilha Terceira, eu nem ouvira sequer falar na lagoa do Negro, quanto mais enxergá-la!

E, contudo, embora aqui levasse uma meninice sedentária, algumas vezes passara pela estrada central, do Sul ao Norte da ilha, onde, a uns dois terços do caminho de Angra aos Biscoitos, por uma leve ruga aberta no Pico da Bagacina, se alcança esse magnífico bebedoiro e banheira do gado seco da ilha.


- VITORINO NEMÉSIO, Corsário das Ilhas, Segundo corso (A Lagoa do Negro), 1956.


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3.12.08

Francisco Sá de Miranda (Dezarrezoado amor)










DEZARREZOADO AMOR, DENTRO EM MEU PEITO





Dezarrezoado amor, dentro em meu peito
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.


Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força, faz, desfaz,
sem respeito nenhum, e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.


Doutra parte a razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo: em fim vem o seu dia.


Então não tem lugar certo onde aguarde
amor; trata treições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?




F. Sá de Miranda

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Jaime Gil de Biedma (Pandémica y celeste)











PANDÉMICA Y CELESTE





Imagínate ahora que tú y yo
muy tarde ya en la noche
hablemos hombre a hombre, finalmente.
Imagínatelo,
en una de esas noches memorables
de rara comunión, con la botella
medio vacía, los ceniceros sucios,
y después de agotado el tema de la vida.
Que te voy a enseñar un corazón,
un corazón infiel,
desnudo de cintura para abajo,
hipócrita lector - mon semblable - mon frère!




Porque no es la impaciencia del buscador de orgasmo
quien me tira del cuerpo a otros cuerpos
a ser posiblemente jóvenes:
yo persigo también el dulce amor,
el tierno amor para dormir al lado
y que alegre mi cama al despertarse,
cercano como un pájaro.
¡Si yo no puedo desnudarme nunca,
si jamás he podido entrar en unos brazos
sin sentir - aunque sea nada más que un momento -
igual deslumbramiento que a los veinte años !




Para saber de amor, para aprenderle,
haber estado solo es necesario.
Y es necesario en cuatrocientas noches
- con cuatrocientos cuerpos diferentes -
haber hecho el amor. Que sus misterios,
como dijo el poeta, son del alma,
pero un cuerpo es el libro en que se leen.




Y por eso me alegro de haberme revolcado
sobre la arena gruesa, los dos medio vestidos,
mientras buscaba ese tendón del hombro.
Me conmueve el recuerdo de tantas ocasiones...
Aquella carretera de montaña
y los bien empleados abrazos furtivos
y el instante indefenso, de pie, tras el frenazo,
pegados a la tapia, cegados por las luces.
O aquel atardecer cerca del río
desnudos y riéndonos, de yedra coronados.
O aquel portal en Roma - en vía del Balbuino.
Y recuerdos de caras y ciudades
apenas conocidas, de cuerpos entrevistos,
de escaleras sin luz, de camarotes,
de bares, de pasajes desiertos, de prostíbulos,
y de infinitas casetas de baños,
de fosos de un castillo.
Recuerdos de vosotras, sobre todo,
oh noches en hoteles de una noche,
definitivas noches en pensiones sórdidas,
en cuartos recién fríos,
noches que devolvéis a vuestros huéspedes
un olvidado sabor a sí mismos!
La historia en cuerpo y alma, como una imagen rota,
de la langueur goûtée à ce mal d'être deux.
Sin despreciar
- alegres como fiesta entre semana -
las experiencias de promiscuidad.




Aunque sepa que nada me valdrían
trabajos de amor disperso
si no existiese el verdadero amor.
Mi amor,
íntegra imagen de mi vida,
sol de las noches mismas que le robo.




Su juventud, la mía,
- música de mi fondo -
sonríe aún en la imprecisa gracia
de cada cuerpo joven,
en cada encuentro anónimo,
iluminándolo. Dándole un alma.
Y no hay muslos hermosos
que no me hagan pensar en sus hermosos muslos
cuando nos conocimos, antes de ir a la cama.




Ni pasión de una noche de dormida
que pueda compararla
con la pasión que da el conocimiento,
los años de experiencia
de nuestro amor.
Porque en amor también
es importante el tiempo,
y dulce, de algún modo,
verificar con mano melancólica
su perceptible paso por un cuerpo
- mientras que basta un gesto familiar
en los labios,
o la ligera palpitación de un miembro,
para hacerme sentir la maravilla
de aquella gracia antigua,
fugaz como un reflejo.




Sobre su piel borrosa,
cuando pasen más años y al final estemos,
quiero aplastar los labios invocando
la imagen de su cuerpo
y de todos los cuerpos que una vez amé
aunque fuese un instante, deshechos por el tiempo.
Para pedir la fuerza de poder vivir
sin belleza, sin fuerza y sin deseo,
mientras seguimos juntos
hasta morir en paz, los dos,
como dicen que mueren los que han amado mucho.




Jaime Gil de Biedma




Fontes: Wikipedia / A media voz (28p) / Poesia-inter.net (30p)

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1.12.08

Eugénio de Andrade (Devias estar aqui)










DEVIAS ESTAR AQUI






Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um.



Eu vi a terra pura no teu rosto,
só no teu rosto e em mais nenhum…




Eugénio de Andrade


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Raul Brandão (O meu momento é este)







(O meu momento é este…)




Espero no que aí vem e que sinto que contém uma grande verdade - a verdade eterna.

Espero pelo dia - mesmo na cova o espero - em que acabe a exploração do homem pelo homem.

Espero pelo dia em que a instrução seja realmente gratuita e obrigatória para todos - e o ensino religioso.

Quero o culto de Deus vivo nas escolas.

Espero que a terra seja de quem a cultiva.

É absurdo possuir a terra como quem tem papéis para receber os juros.

Espero que a herança seja contida em justos limites.

Espero o dia em que o homem compreenda que o supérfluo é um crime.

Mais justiça e mais pão para todos.

Mais Deus para todos.

Há sempre um momento em que os homens lançam contas à vida.

O meu momento é este…




- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Balanço à vida.


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29.11.08

Casimiro de Brito (Beijo-a no sono)










Beijo-a no sono — beijo-a
mentalmente não vá eu acordar
a luz dos meus dias.





Casimiro de Brito


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José Luis García Martín (Elogio do olvido)






ELOGIO DEL OLVIDO



A qué grabar un nombre en las paredes,
manchar con torpes trazos la blancura
deslumbrante, impoluta, de la nada?
A qué este vano empeño de ir dejando señales,
de escribir en la arena, a resguardo del viento,
las triviales miserias que conforman tu vida?
Sobre las tercas líneas que dibujan un rostro
ha de pasar la mano piadosa de los años
borrando letras, sílabas, palabras sin sentido.
El papel en que escribes volverá a estar en blanco.
Y habrá dicha mayor que no haber sido?


JOSÉ LUIS GARCIA MARTIN
El pasajero
(1992)




Para quê gravar um nome nas paredes,
manchar com torpes traços a brancura
deslumbrante, impoluta, do nada?
Para quê este vão empenho de ir deixando sinais,
de escrever na areia, ao abrigo do vento,
triviais misérias que te conformam a vida?
Sobre as linhas teimosas que esboçam um rosto
há-de passar a mão piedosa dos anos
apagando letras, sílabas, palavras sem sentido.
O papel em que escreves voltará a estar em branco.
E haverá ventura maior do que não ter sido?


(Trad. A.M.)

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Fontes: A media voz (17p) / Wikipedia

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27.11.08

Pedro Mexia (Código Civil)





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CÓDIGO CIVIL





Raparigas abraçadas ao Código Civil,
serve para alguma coisa,
o Código Civil, nunca imaginei,
que bom ser Código Civil.




PEDRO MEXIA
Vida Oculta (2004)

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