31.5.25

María Zambrano (Nem brisa, nem sombra)




Ni brisa ni sombra.
¿Por qué, muerte, así te escondes?
Sal, salte, sácate de tu abismo,
escápate tú, ¿Quién te retiene?
¿Por qué no borras con tu mirada el universo?
¿Por qué no deshaces las piedras
con tu sombra, muerte, sólo con tu sombra,
con tu mano desnuda,
con tu rostro de estatua,
desnuda presencia a quien nada resiste?
Enseña, muestra tu cara a los mundos,
que ya no haya espacio,
ni cielos, ni viento, ni palabras.
Quiero hundirme en el silencio.

María Zambrano

 

 

Nem brisa nem sombra.
Porquê, morte, assim te escondes?
Sai, anda, tira-te de teu abismo,
foge, quem te retém?
Porque não apagas com teu olhar o mundo todo?
Porque não desfazes as pedras
com tua sombra, morte, com tua sombra só,
com tua mão nua,
com teu rosto de estátua,
presença nua a que nada resiste?
Anda, mostra a cara ao mundo,
que não haja mais espaço,
nem céu, nem vento, nem palavras.
No silêncio eu quero afundar-me.


(Trad. A.M.)

.

29.5.25

Paulo Henriques Britto (Embora não fôssemos)




Embora não fôssemos nem um pouco
como duas gazelas se apascentando entre as açucenas,

nem muito menos como um rebanho de cabras
que descesse as colinas de Galaad,

nem por isso merecíamos ser confortados,
em vez de com bálsamos e maçãs,

com meio vidro de formicida cada um
num quarto de hotel barato em Cafarnaum.


Paulo Henriques Britto

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27.5.25

Miguel Sánchez-Ostiz (Miliário negro)




MILIARIO NEGRO

 

 

Cada día más lejos
del que fuiste
del que no conseguiste ser
cada día más lejos de ti mismo
mudo ciego desconocido
detrás de tu propia sombra
siempre en fuga.

 

Miguel Sánchez-Ostiz

[Hector Castilla]



Cada dia mais longe
do que foste 
do que não conseguiste ser
cada dia mais longe de ti mesmo 
mudo cego desconhecido 
atrás da tua própria sombra
sempre em fuga.


(Trad. A.M.)

 .

26.5.25

Óscar Alonso Pardo (À traição)



A TRAICIÓN

 

Me gusta andar sin rumbo fijo
dejándome llevar por mis zapatos
cruzar las calles de mi ciudad en pleno invierno
sintiendo el frío de la mañana,
mirar el río, que se funde entre la niebla,
y pensar que la vida merece la pena, sí,
aunque a veces nos sorprenda por la espalda,
la muy hija de puta,
con un maldito puñal entre sus garras.


Óscar Alonso Pardo

 

Gosto de andar sem rumo,
deixar-me levar pelos sapatos,
correr as ruas da cidade em pleno inverno
a sentir o frio da manhã,
olhar o rio, mergulhado no nevoeiro,
e pensar que a vida merece a pena, sim,
apesar de às vezes nos enganar pelas costas,
a filha da puta,
com um maldito dum punhal entre as garras.


(Trad. A.M.)


>>  Hector Castilla (10p/e mais) / Libros y aguardientes (3p) / Facebook

.

24.5.25

Ricardo Silvestrin (Não mais que a beleza)




não mais que a beleza de um artista
que faz o que quer porque sabe fazer
o que quer

não mais que a indiferença do tempo
transformando tudo em passado
até a grandeza

não mais que o afeto por coisas
idéias bichos pessoas
dado de graça

não mais que o ficar em silêncio
na beira da praia
com os olhos abertos

não mais que o respeito pela palavra
mesmo que ela seja usada contra você
e é


Ricardo Silvestrin

.

22.5.25

Jesús Jiménez Domínguez (O mundo em quarentena)




EL MUNDO EN CUARENTENA

 

Tras muchos días de niebla
convaleciendo entre algodones,
las cosas del mundo se curaron
y volvieron a ser ellas mismas:
la rama ya no quiso ser el pájaro,
ni la piedra quiso ser el agua,
ni la realidad quiso ser el deseo. 

Emergieron de la niebla más dulces,
más dóciles y más blandas.
Aquí están: igual que si alguien,
durante todo este tiempo,
hubiera hundido en la leche
los trozos duros del pan.


Jesús Jiménez Domínguez

 

 

Após muitos dias de névoa,
convalescendo entre algodões,
as coisas do mundo sararam
e tornaram a ser elas mesmas:
o ramo não quer já ser pássaro,
nem a pedra quer ser água,
nem a realidade desejo.

Emergiram do nevoeiro mais doces,
mais suaves, mais dóceis.
E aqui estão, tal como se alguém,
este tempo todo,
mergulhasse no leite
os bocados duros do pão.


(Trad. A.M.)

.

21.5.25

Luis Eduardo García (Mau dia)




MAL DÍA

 

Mientras ves el capítulo final
de Las mansiones más lujosas del mundo
se acaba el oxígeno
de tu pecera.

Luis Eduardo García

 

Enquanto vês o último capítulo
de ‘As mansões mais luxuosas do mundo’
acaba-se-te o oxigénio
do teu aquário.


(Trad. A.M.)

.

19.5.25

Maria Esther Maciel (Onde o poema)




ONDE O POEMA


Entre o nervo e o osso
Entre o eco e o oco
Entre o mais e o pouco
Entre a sombra e o corpo
Entre a voz e o sopro
Entre o mesmo e o outro


Maria Esther Maciel

.

17.5.25

María Laura Decésare (Perguntas sem resposta)




PREGUNTAS SIN RESPUESTA 

 

Extraño nuestra casa,
moverme como un gato.
Perder el tiempo
observando la noche.
Echo de menos el silencio
que nos habitaba,
el tictac del reloj
que nunca tuve, el aroma
 café de madrugada, la pila
de libros sobre la mesa
pero sobre todo extraño
las preguntas sin respuesta.
 

María Laura Decésare

  

Falta-me a nossa casa,
eu mexer-me como um gato.
Perder o tempo 
a observar a noite.
Sinto falta do silêncio 
que nos habitava,
o tiquetaque do relógio
que nunca tive, o cheiro
a café de madrugada, a pilha
de livros sobre a mesa
mas faltam-me sobretudo
as perguntas sem resposta.
 

(Trad. A.M.)

 .

16.5.25

Miguel Sánchez-Ostiz (Argizaiola)




ARGIZAIOLA

 

Y nos hacemos memoria antigua descendiendo.
Descendiendo hasta el patio infantil de grava y moscas,
hasta la silenciosa compañía del juguete roto
en la casa enemiga,
hasta la matriz
y hasta el primer beso ácido
que todavía en el sueño inquieto del verano
la lengua trenza y atenaza,
y hasta esa primera mano
que enredó en nuestro pelo,
y hasta el asombro nunca apagado
de amanecer junto a otro cuerpo,
y hasta el envidiado pájaro:
ese pálpito primero.
Y también, descendiendo, poner la mirada
en el diente que insomne desgarra la sábana
sin descorrer por ello los velos de la sorpresa.
Y así mismo, enroscándonos,
descender a la herida y a la fiebre
y al primer terror
y siempre al primero y al segundo cuerpo.
Hasta la luz y hasta la muerte descendiendo.

Miguel Sánchez-Ostiz



Descendo, nos fazemos memória antiga.
Descendo até ao pátio infantil de cascalho e moscas,
até à silenciosa companhia do brinquedo partido
na casa inimiga,
até à matriz
e ao primeiro beijo ácido
que no sonho inquieto do verão
a língua tece e atazana,
e até essa mão primeira
que nos passou pelo cabelo,
e até ao assombro nunca desfeito 
de amanhecer junto de outro corpo,
e até ao invejado pássaro,
esse pressentimento primeiro.
E também, descendo, pôr o olhar
no dente que rasga o lençol,
sem levantar por isso os véus da surpresa.
E outrossim, enroscando-nos,
descer à ferida e à febre e ao primeiro terror
e sempre ao primeiro e ao segundo corpo.
Até à luz, até à morte,
sempre descendo.


(Trad. A.M.)

 

>>  Zenda (5p) / Hector Castilla (5p/ e mais) / Vivir de buena gana (blogue) / Wikipedia

.

14.5.25

Rui Caeiro (Ainda atacas)




Ainda atacas
como pode atacar um amor já ido
lá de vez em quando ainda atacas
irrompes num súbito alarme
sacodes-me de alto a baixo
impiedosa
mente
sacodes
me
e devagar te afastas
como um sol a pôr-
-se


Rui Caeiro

.

12.5.25

Jacob Iglesias (Respostas)




RESPUESTAS



Aún tardarás años en encontrarlas.
Tantos, que cuando ya las poseas,
si es que eso llega a suceder,
ya no sabrás qué hacer con ellas.

Jacob Iglesias 

 

 

Levarás anos ainda a encontrá-las.
Tantos, que quando as tiveres,
caso isso chegue a acontecer,
não saberás o que fazer com elas.


(Trad. A.M.)

.

11.5.25

Ida Vitale (Residua)




RESIDUA



Corta la vida o larga, todo
lo que vivimos se reduce
a un gris residuo en la memoria.

De los antiguos viajes quedan
las enigmáticas monedas
que pretenden valores falsos.

De la memoria sólo sube
un vago polvo y un perfume.
¿Acaso sea la poesía?


Ida Vitale

[La ceniza]

 

Curta ou longa a vida, tudo
o que vivemos se reduz
a uma cinza na memória.

De antigas viagens ficam
moedas enigmáticas
fingindo valores falsos.

Da memória sobe apenas
uma vaga poeira, um perfume.
Será acaso a poesia?


(Trad. A.M.)


9.5.25

Tanussi Cardoso (Autorretrato)




 AUTORRETRATO

 

O tigre, em silêncio, 
é o que penso. 

Quando ataca, 
é o que posso.

Tanussi Cardoso

.

7.5.25

Javier Olalde (Penso, logo existe)




(1.7)

Pienso, luego existe la tarde
y el mar con ella,
y tu presencia al borde de la tarde y del agua 
llegando de algún sitio, 
sin que existan la tarde ni el mar 
ni tu presencia al borde de la tarde 
llegando mientras pienso.

Javier Olalde

 


Penso, logo existe a tarde
e o mar com ela
e a tua presença à beira da tarde
e da água vinda de algum lado,
sem existirem a tarde ou o mar
nem a tua presença à beira da tarde
vinda enquanto eu penso.


(Trad. A.M.)

.

6.5.25

Jesús Jiménez Domínguez (Aniversário)




CUMPLEAÑOS

 

Lo mismo que un sonido no se conduce
con idéntica velocidad en el agua y en el aire,
está probado que los años no discurren
de igual modo en el corazón y en la cabeza.
¿Alguna vez tu cabeza pensó que tenías cuarenta
mientras tu corazón sentía varios menos?
Por mucho que sumen y repasen sus cuentas
acaban siempre discutiendo sin ponerse de acuerdo.
Lo dijo Émile Chartier de otra forma:
El tiempo es corto para el que piensa,
e interminable para el que desea.

Corazón y cabeza, extraños vecinos que se encuentran
y se saludan recelosos: ciego uno, sordo el otro.
Enemigos íntimos que, invariablemente,
sigo invitando en mis días de cumpleaños.
Sólo un instante coinciden en la escalera:
mientras el primero sube de comprar las velas,
el segundo baja con la digestión ya hecha.


Jesús Jiménez Domínguez



Tal como o som não se transmite
com igual velocidade no ar e na água,
assim os anos não correm de igual modo
na cabeça e no coração.
Algum dia tua cabeça pensou que tinhas quarenta anos,
ao passo que o coração sentia uns tantos a menos?
Ambos acabam sempre a discutir e não chegam a acordo,
por mais que somem e revejam as contas.
Disse-o Émile Chartier de outro modo:
O tempo é curto para quem pensa
e interminável para quem deseja
.

Coração e cabeça, estranhos vizinhos que se cruzam
e saudam receosos, um cego, outro surdo.
Inimigos íntimos que continuo, invariavelmente,
a convidar no dia dos meus anos.
Por instantes coincidem na escada,
o primeiro subindo depois de comprar as velas,
o segundo a descer já feita a digestão.


(Trad. A.M.)


>>  Poesi.as (35p) / Zenda (7p) / Disgrafie (5p) / JJD (blogue/2009-19) / Wikipedia

.


4.5.25

Sebastião da Gama (Pequeno poema)




PEQUENO POEMA

 

Quando eu nasci, 
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama

 .

2.5.25

Abelardo Linares (Um poema de amor)




UM POEMA DE AMOR QUE NÃO É DE X

  

Eu não te quero mentir, por isso mesmo
não tenho mais remédio senão dizer-te
exactamente em quinze endecassílabos
e numa só frase, uma só 
- e terminada com ponto final —
que o amor que tu queres, o perfeito,
o que leva à insónia e ao suspiro,
o que tu mereces tão justamente,
posto que o vales, o de dez,
não to posso dar, pois o que te ofereço,
tal como se nadasse no mar ártico
ou fosse um pato a caminhar pela auto-estrada,
tudo já desnudez e desconcerto,
o que te ofereço é o que vai de um a nove,
porque

    o meu amor
                        é 
                            um amor
                                        ‘sin cero’
                                         (vá, sem zero).


Abelardo Linares

 (Trad. A.M.)

 .

1.5.25

Manuel Rico (Silêncio e sombra)




SILENCIO Y SOMBRA

 

Tal vez no esté en la muerte la amenaza.
Sí en el silencio, en la sombra que, a veces,
adelgaza la realidad, la deja
a merced del designio
de las ruinas.
                      Hoy ves a un niño
dibujar en el vaho de la ventana
el contorno de un sueño:
una casa en el campo, acaso un río. 

Quizá ignore que el tiempo
y la temperatura borrarán sueño y vaho
y que sólo algún día la memoria
podrá ofrecerle un resto del instante
vivido. 

Ese día, tal vez, descubra
el conjuro de la tinta que alienta en las palabras
y recobre el instante hasta habitarlo
con gozo y con zozobra, como viento
bebido en un abril remoto.
 

Manuel Rico

 

 

Talvez a ameaça não esteja na morte,
e sim no silêncio, na sombra que às vezes
emagrece a realidade e a deixa
à mercê do desígnio
das ruínas.
               Vês uma criança
desenhar no bafo do vidro da janela
o contorno de um sonho
- uma casa no campo, acaso um rio.

Talvez ignore que o tempo
e o calor apagarão sonho e bafo
e que só um dia a memória
poderá oferecer-lhe um reso do instante vivido.

Nesse dia talvez descubra
o esconjuro da tinta que respira nas palavras
e recobre o instante até o habitar
com gozo e inquietação, como vento
bebido num distante Abril.


(Trad. A.M.)

.