30.5.24

Mary Oliver (O que eu sei fazer)




WHAT I CAN DO

 

The television has two instruments that control it.
I get confused.
The washer asks me, do you want regular or delicate?
Honestly, I just want clean.
Everything is like that.
I won’t even mention cell phones.

I can turn on the light of the lamp beside my chair
Where a book is waiting, but that’s about it.

Oh yes, and I can strike a match and make fire.

Mary Oliver



A televisão tem dois comandos
e eu fico confusa.
A máquina de lavar pergunta-me, é roupa normal ou delicada?
Francamente, roupa limpa é o que eu quero.
E é tudo assim,
já nem falo dos telemóveis.

Eu sei ligar a luz da lâmpada ao lado da cadeira,
onde um livro me espera, mas é tudo.

Ah sim, e sei riscar um fósforo e fazer lume.

(Trad. A.M.)

 .

28.5.24

Jesús Beades (Non nobis)




NON NOBIS



Y ahora que tu esfuerzo se ve recompensado
con un hermoso premio en la Ciudad de Soria,
y por fin has oído, un momento, la Gloria
(ese rumor de aplausos), y te ves publicado,
y alguien que no conoces reseña tus poemas
en páginas leídas por la gran minoría,
te citan en lecturas, y ves, de pronto, un día
que tus amadas líneas se estudian por morfemas
en la Universidad. Ahora, piensa un poco:
recuerda que eres polvo y el polvo que levantas
cuando caes al suelo. También que no son santas
ninguna de tus obras, y que sería un loco
pensamiento el orgullo. Y medita un segundo
que el Premio que tú esperas tampoco es de este mundo.
 

Jesús Beades 

 

E agora que teu esforço se vê recompensado
com um belo prémio na cidade de Sória,
e ouviste por fim, um instante, a Glória
(esse rumor de aplausos), e te vês publicado,
e alguém que não conheces resenha teus poemas
em páginas lidas pela grande minoria,
e te citam em leituras, e vês, de repente, um dia,
que tuas amadas linhas se estudam por morfemas
na Universidade… Agora, pensa um pouco,
lembra-te que és pó e o pó que levantas
quando cais ao chão. Também que não são santas
tuas obras, e que o orgulho seria
um pensamento tolo. Pondera um instante
que o prémio que esperas não é deste mundo tão pouco.


(Trad. A.M.)

.

27.5.24

Javier Salvago (Tédio)



TEDIO


Está detrás de todo, en el fondo de todo,
estropeándolo y manchándolo todo con sus
torpes manos.
Como una araña gigante e invisible que al menor
descuido te atrapa en su viscosa tela, vive
siempre al acecho.
Si te ve feliz, te pone trampas.
Si te ve luchar, te sonríe con malicia y te pregunta:
¿Para qué?
Aparece en cualquier momento y en cualquier
lugar.
Llega con su mirada vacía, con sus palabras vacías,
con su vacía existencia, y trata de seducirte y
de convencerte de que nada, absolutamente
nada merece la pena.

Lo grave es que casi siempre lo consigue.

Javier Salvago

 

Está por trás de tudo, no fundo de tudo,
estropiando e manchando tudo
com suas mãos desajeitadas.
Como uma aranha gigante, invisível, que ao menor
descuido te apanha na teia viscosa,
está sempre à espreita.
Se te vê feliz, põe- te armadilhas.
Se te vê lutar, sorri-te maliciosa e pergunta:
Para quê?
Aparece em qualquer momento, em qualquer
lugar.
Chega de olhar vazio, com suas palavras vazias.
sua vazia existência, e trata de seduzir-te,
de convencer-te de que nada, absolutamente
nada merece a pena.

O mal é que o consegue quase sempre.

(Trad. A.M.)

.

25.5.24

Mario de Andrade (Quando eu morrer)




Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.


Mário de Andrade

 .

23.5.24

Santiago Sylvester (Litania da ordem natural)




LETANÍA DEL ORDEN NATURAL

 

En el planeta Tierra y por ahora
el sol es sólo uno y hay millones de mariposas:
la naturaleza sabe lo que hace.
Hay una muerte por cada ser vivo
y las cosas caen de arriba hacia abajo:
la naturaleza sabe lo que hace.
Las horas empiezan y terminan,
el verde abunda en el campo: pasto, ramas, hojas;
y la acequia va siempre en bajada:
la naturaleza sabe lo que hace.

Imagine lo contrario: muchos soles 
y una sóla mariposa, el paisaje al rojo vivo
o las cosas cayendo en cualquier dirección,
y entenderá el alivio del que dijo “mejor es lo que sucede”
cuando vio que llovía sensatamente en Maimará. 

La naturaleza sabe lo que hace, y nosotros 
nos protegemos de incendios, plagas, terremotos, 
sobrellevamos derrumbes
y las rutas que más usamos son las cibernéticas.
Necesitamos ser cuerpo
pero la naturaleza tiene otros proyectos,
y nos hicimos tenaces en la resistencia.
La naturaleza sabe lo que hace,
nosotros también.

Santiago Sylvester

 

No planeta Terra e por agora
o sol é só um e há milhões de mariposas:
a natureza sabe o que faz.
Há uma morte por cada ser vivo
e as coisas caem de cima para baixo:
a natureza sabe o que faz.
As horas começam e terminam,
o verde abunda nos campos: pasto, ramos, folhas;
e a regueira é sempre a descer:
a natureza sabe o que faz.

Imagine-se o contrário, muitos sóis
e uma só mariposa, a paisagem de vermelho vivo
ou as coisas a cair em qualquer direcção,
já se vê o alívio daquele que disse ‘o melhor é o que acontece’
quando viu que chovia sensatamente em Maimará.

A natureza sabe o que faz, e nós protegemo-nos
de incêndios, pragas, terramotos,
suportamos desmoronamentos
e as ruas que mais usamos são as cibernéticas.
Necessitamos de ser corpo
mas a natureza tem outros projectos,
e fizemo-nos tenazes na resistência.
A natureza sabe o que faz,
nós também.


(Trad. A.M.)


>>  Crear en Salamanca (12p) / Otra iglesia (muitos p) / Isliada (7p) / El desaguadero (6p)

.

22.5.24

Chantal Maillard (Intervalo)




INTERVALO

 

Entre uma imagem tua
e outra imagem de ti
o mundo fica parado.
Em suspenso. E minha vida
é esse pássaro colado ao cabo
de alta tensão,
depois da descarga.


Chantal Maillard

(Trad. A.M.)

.

20.5.24

Mário Cesariny (O Raul Leal era)



O Raul Leal era
o único verdadeiro doido do "Orpheu".
Ninguém lhe invejasse aquela luxúria de fera?
Invejava-a eu.

Três fortunas gastou, outras três deu
ao que da vida não se espera
e à que na morte recebeu.
O Raul Leal era
o único não-heterónimo meu.

Eu nos Jerónimos ele na vala comum
que lhe vestiu o nome e o disfarce
(Dizem que está em Benfica) ambos somos um
dos extremos do mal a continuar-se.

Não deixou versos? Deixei-os eu,
infelizmente, a quem mos deu.
O Almada? O Santa-Ritta? O Amadeo?
Tretas da arte e da era. O Raul era
Orpheu.

 

Mário Cesariny

[Escritas]

 .

18.5.24

Blanca Varela (Justiça)

 



JUSTIÇA

 

Chegou o pássaro
e devorou o verme
veio o homem
e devorou o pássaro
veio o verme
e devorou o homem


Blanca Varela

(Trad. A.M.)

.

17.5.24

Javier Egea (Carta)




CARTA

 

Entonces era triste, muy triste estar sin ti.

Pero las cosas sucedieron como tú bien conoces:
que estaba el mar vacío, los teléfonos secos,
que nos fuimos muriendo sobre aquella distancia.

Después no quedó nada ni nadie y comprendimos:
se volvió el mundo raro como una piel vencida.

Tú no fuiste posible, ni siquiera existías.

Sin embargo esta noche qué triste en el insomnio,
qué amargo estar sin ti.

Javier Egea

[Trianarts]

 

Era triste então, muito triste estar sem ti.

Mas as coisas aconteceram como tu bem sabes,
estava a maré vaza, os telefones secos,
fomos morrendo com aquela distância.

Depois não ficou nada nem ninguém e compreendemos,
 o mundo tornou-se estranho como uma pele vencida.

Tu não foste possível, nem sequer existias.

Contudo esta noite que triste na insónia,
que amargo estar sem ti.

(Trad. A.M.)

 .

15.5.24

Sebastião da Gama (Louvor da poesia)




LOUVOR DA POESIA 

 

Dá-se aos que têm sede,
não exige pureza.
Ah!, se fôssemos puros,
p'ra melhor merecê-la... 

Sabe a terra, a montanhas,
caules tenros, raízes,
e no entanto desce
da floresta dos mitos. 

Água tão generosa
como a que a gente bebe,
fuja dela Narciso
e quem não tenha sede.
 

Sebastião da Gama

 .

13.5.24

Manuel Moya (Andaluzia)




ANDALUCÍA 

 

No sé si tengo patria, de verdad que no lo sé,
pero siento que si yo tuviera patria
sería esta luz,
estos castaños, estas encinas, este calabobo
que besa hoy la tierra,
pero yo no tengo patria,
porque mi patria son los hombres
que labraron estos cerros,
los que plantaron estos árboles,
los que fueron a la siega, los que majaron el gazpacho
bajo la bendita sombra del olivo
y encalaron sus casas
e hirieron con su voz rasgada las lentas noches del invierno,
los que llevaron sus bueyes hasta el agua,
los del cucharro y el mancaje,
los de la luna tatuada entre sus cejas.

Mi patria, si es que tengo patria,
es mi padre dejándose la vida sobre el surco,
las manos de mi madre sacando agua del pozo,
ésa es y fue siempre mi patria,
la que hunde sus rodillas en el tiempo,
la de la luz por siempre hambrienta,
la vencida siempre, la mil veces humillada,
la siempre renacida, la que en la luz
labra su sino y su bandera.
 

Manuel Moya

  

Não sei se tenho pátria, de verdade não sei,
mas sinto que se tivesse pátria, seria esta luz,
estes castanheiros e azinheiras,
esta chuva molha-tolos
que beija hoje a terra,
mas eu não tenho pátria
porque a minha pátria são os homens
que lavraram estes cerros,
os que plantaram estas árvores,
os que foram à segada, os que manjaram o gaspacho
à sombra bendita da oliveira
e caiaram as casas
e feriram com sua voz rasgada as lentas noites de inverno,
os que levaram os bois a beber,
os da lua tatuada na testa.

Minha pátria, se é que tenho pátria,
é meu pai largando a vida sobre a seita,
as mãos de meu pai a tirar água do poço,
essa é e foi sempre a minha pátria,
a que afunda os joelhos no tempo,
a da luz faminta para sempre,
a sempre vencida, mil vezes humilhada.
a sempre renascida, a que na luz
lavra sua sina e bandeira.

(Trad. A.M.)

.

12.5.24

Isabel Fraire (Escrever)




Escrever     centenas de vezes        o mesmo poema

                   com palavras diferentes

                  esse é o destino do poeta

 

 

Isabel Fraire

(Trad. A.M.)

.

 

10.5.24

Manuel Silva-Terra (Outono)




OUTONO 

 

como a tantas outras árvores
ao diospireiro caem as folhas


ficam os ramos despidos
com os frutos pendentes
e redondos
pingando mel


Manuel Silva-Terra

[Sobre o lado esquerdo]

 .

8.5.24

Luis Eduardo Aute (Branco e negro)




BLANCO Y NEGRO

 

Lo blanco es blanco
y lo negro es negro;
no hay grises
que valgan por medio.

Luis Eduardo Aute

[La ceniza

 

O branco é branco
e o negro é negro
- não há cinzentos
pelo meio, que valham.


(Trad. A.M.)


>>  Pucelarte (9p) / Fausto Marcelo (13p) / Trianarts (8p) / Wikipedia

.


7.5.24

Hilario Barrero (Caçador furtivo)




CAZADOR FURTIVO



El silbido de plomo se dirige hacia él
y al penetrar en el firme dintel de su equilibrio
el vuelo se le olvida, la sangre se le espesa,
un chasquido le enturbia la mirada
y siente, en el rincón de las entrañas,
la pesadez amarga de la pólvora.
Sin aire que alimente sus cimientos,
el maderaje de su esqueleto en llamas,
se desploma como una flor cortada por un niño.


Hilario Barrero

 

O silvo de chumbo vai direito a ele
e ao penetrar no firme dintel do seu equilíbrio
esquece-lhe o voo, o sangue espessa-se,
um estampido turva-lhe o olhar
e sente, nas entranhas,
o peso amargo da pólvora.
Sem ar que o sustente,
o madeirame do esqueleto a arder,
despenha-se como uma flor ceifada da planta.


(Trad. A.M.)

.

5.5.24

Manuel Resende (Uma palavra)




UMA PALAVRA

 

Longe de mim querer corromper a juventude,
é um trabalho que sobreleva as
minhas capacidades.
Antes cicuta.
Mas tenho que explicar o sentido
da palavra “desesperança”.

É uma esperança negativa.
A gente senta-se num cais
e deixa o sol trabalhar.
O sol minúsculo, isto é, o calor na pele.
Chamo a isto a experiência mínima.

Feito isto:
Venha de lá então
essa catástrofe.

Manuel Resende

[Poemário]

 .

3.5.24

Graciela Perosio (No seco das palavras)




en la sequedad de las palabras claras
gotea
fuego incesante

aves migratorias reparten
un cielo de preguntas
por el mundo

el desierto de hojas blancas
mujer
es tu cobijo

ésta es tu casa
 

Graciela Perosio

 

 

no seco das palavras claras
goteja
fogo incessante

aves migratórias repartem
um céu de perguntas
pelo mundo

o deserto de folhas brancas
mulher
é teu abrigo

esta é tua casa

 

(Trad. A.M.)

 .

2.5.24

Gloria Fuertes (Lamento na montanha)

 



LAMENTO EN LA MONTAÑA

 

Aún te veo, río de mi vida,
con los ojos que miran las montañas.

Yo era una montaña con almendros
montaña solitaria.
Y viniste alegre con tu canto
y me besaste toda con tu agua.
Me dejaste inquietud para la noche
y el alma enamorada.

Aún te veo, río de mi vida,
en la curva lejana,
te vas cantando más entre los chopos,
te vas cantando más que en tu llegada.
Y yo,
paralítica montaña;
inmóvil te recuerdo,
enferma de volcanes, alocada,
espero tu regreso, río loco,
que pasaste besando
mi cuerpo de montaña.
Tuviste que seguir tu destino de río,
y yo el mío triste de tierra amontonada.

Me dice el viento que vas al mar,
Te sigo río mío, con los ojos,
Te sigo río mío con los ojos,
ya que no puedo seguirte con las plantas.
Soñé… te quedarías a mi lado,
como un lago sin cisnes,
para siempre,
acunando mi ansia.
Qué locura más loca
enamorarse de un río una montaña!

 

Gloria Fuertes

[Life vest under your seat]

  

Ainda te vejo, rio da minha vida,
com os olhos com que miram as montanhas.

Eu era uma montanha de amendoeiras,
solitária montanha,
e vieste tu com teu canto alegre
e toda me beijaste com tua água,
deixando-me inquieta para a noite
e de alma enamorada.

Ainda te vejo, rio da minha vida,
na curva longínqua,
lá vais a cantar por entre os choupos,
lá vais cantando mais do que à chegada.
E eu,
paralítica montanha,
imóvel te recordo,
enferma de vulcões, aloucada,
espero o teu regresso, rio louco,
que aqui passaste beijando
meu corpo de montanha,
tu seguindo teu destino de rio,
eu meu fado triste de terra amontoada.

Diz-me o vento que vais para o mar
e eu sigo-te, rio meu, com os olhos,
sigo-te, rio meu, com os olhos,
já que não posso seguir-te com os pés.
Sonhei... ficarias a meu lado,
como um lago sem cisnes,
para sempre,
embalando minha ânsia.
Que loucura mais louca,
enamorar-se de um rio uma montanha!


(Trad. A.M.)

.