31.8.21

Rosario Castellanos (Presença)





 PRESENCIA

 

Algún día lo sabré. Este cuerpo que ha sido
mi albergue, mi prisión, mi hospital, es mi tumba. 

Esto que uní alrededor de un ansia,
de un dolor, de un recuerdo,
desertará buscando el agua, la hoja,
la espora original y aun lo inerte y la piedra.
Este nudo que fui (inextricable
de cólera, traiciones, esperanzas, 
vislumbres repentinos, abandonos,
hambres, gritos de miedo y desamparo
y alegría fulgiendo en las tinieblas
y palabras y amor y amor y amores)
lo cortarán los años. 

Nadie verá la destrucción. Ninguno
recogerá la página inconclusa.
 

Entre el puñado de actos
dispersos, aventados al azar, no habrá uno
al que pongan aparte como a perla preciosa.
Y sin embargo, hermano, amante, hijo,
amigo, antepasado, no hay soledad, no hay muerte
aunque yo olvide y aunque yo me acabe.

Hombre, donde tú estás, donde tú vives
permanecemos todos.
 

Rosario Castellanos 

 
 

Um dia o saberei. Este corpo que já foi 
meu albergue, prisão, hospital,
é agora meu caixão. 

Isto que juntei em volta de uma ânsia,
uma dor, uma lembrança,
vai desertar buscando a água, a folha,
o esporo da origem e até o inerte e a pedra.
Este nó que eu fui (inextricável
de cólera, traições, esperanças,
vislumbres repentinos, abandonos, 
fomes, gritos de medo e desamparo
e alegria fulgindo nas trevas
e palavras e amor e amor e amores)
hão-de cortá-lo os anos. 

Ninguém verá a destruição. Nem
apanhará a página inconclusa.

Entre o punhado de actos 
dispersos, aventados ao acaso, não haverá um só
que ponham de lado como pedra preciosa.
E contudo, irmão, filho, amante,
amigo, antepassado, não há solidão nem há morte,
mesmo que esqueça, mesmo que eu acabe. 

Homem, onde estás tu, onde tu vives,
permanecemos todos.


(Trad. A.M.)

 .

30.8.21

Roque Dalton (27 anos)




27 AÑOS

 

Es una cosa seria
tener veintisiete años
en realidad es una
de las cosas más serias
en derredor se mueren los amigos
de la infancia ahogada
y empieza a dudar uno
de su inmortalidad.


Roque Dalton

[Literatura



Coisa séria
ter vinte e sete anos
na verdade é uma
das coisas mais sérias
à volta morrem os amigos
da infância extinta
e começamos até a duvidar
da nossa imortalidade.


(Trad. A.M.)

.

28.8.21

Sophia de Mello Breyner Andresen (Ir beber-te)




Ir beber-te num navio de altos mastros
no alto mar
ó grande noite alucinada
e pura,
brilhante e escura,
bordada de astros. 

Para ti sobe a minha inquietação e sobressalto,
o meu caos, desilusão e agonia,
pois trazes nos teus dedos
a sombra, o silêncio e os segredos,
a perfeição, a pureza e a harmonia.
 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 .

26.8.21

Roger Wolfe (O homem de acção)





EL HOMBRE DE ACCIÓN 



Invertir cerca de un paquete
de cigarrillos 
en la escritura
de un poema 
de apenas ocho versos. 
Pequeños riesgos 
de la gran literatura 
contemporánea. 


Roger Wolfe 




Investir quase um maço
de cigarros 
na escrita 
de um poema
 de apenas oito versos. 
Pequenos riscos 
da grande literatura 
contemporânea.


(Trad. A.M.)
.

25.8.21

Pedro Sevilla (Eterna busca)




ETERNA BUSCA               

 

Como se entra na carne de quem amamos,
com medo e turbação,
buscando salvação, prazer, ternura,
consolo, vida, morte,

assim eu entrei nos livros,
abrindo, afagando, rasgando,
em busca de palavras curativas,
de sinais, de caminhos luminosos,

assaltando-me sempre,
por dentro do abraço ou poema,

o mesmo pesar,
o mesmo fundo silêncio.


Pedro Sevilla

(Trad. A.M.)

.

23.8.21

Paulo Leminski (A gente ia ser homero)




a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores
 

Paulo Leminski

 .

21.8.21

Rocío Wittib (Do outro lado deste poema)




Del otro lado de este poema
es invierno,
llegan las siete de la tarde
como un hombre llega a su casa después del trabajo,
tal vez como llegas vos,
cuando el cielo es ya metal oscuro
y el aire cuerpo de ese frío
que lo atraviesa todo.

Por tus calles se encenderán los faroles,
la luna más arriba
se acomodará entre las estrellas,
será una noche inmóvil
como el telón de una obra
que dio su última función. 

Vos, estando solo en la pieza
sintiendo tal vez un poco de cansancio
encenderás un cigarrillo,
te desvestirás
como se desviste julio al llegar agosto,
y al salir el humo por tu boca
te llevará los ojos a nuestra foto,
pensarás en mí
y latirá más fuerte tu corazón. 

Yo que solo sé extrañarte,
intento escribir este poema
pero más intento atarme a él
para no cruzar a tu lado.


Rocio Wittib

 

  

Do outro lado deste poema
é Inverno,
chegam as sete da tarde
tal como um homem chega a casa após o trabalho,
tu porventura,
quando o céu é já de metal escuro
e o ar corpo desse frio
que tudo trespassa.

Por tuas ruas se acenderão as luzes,
a lua mais acima
se acomodará entre as estrelas,
será uma noite imóvel
como o pano de um teatro
que teve ontem a última sessão.

Tu, sozinho na sala,
acenderás um cigarro,
talvez um pouco cansado,
tirarás a roupa
como faz Julho ao entrar Agosto,
e ao expelir o fumo
darás com os  olhos na nossa foto,
pensarás em mim
e baterá mais forte o teu coração. 

Eu que morro de saudades tuas,
tento escrever este poema
e tento mais prender-me a ele
para não passar a teu lado. 


(Trad. A.M.)

.


20.8.21

Rocío Acebal Doval (Nota biográfica)




NOTA BIOGRÁFICA

 

Yo nací -comprendedme-
en tiempo de internet y construcciones.
En la televisión contaban el milagro:
un nuevo mundo unido por la red,
una Europa inclusiva y una paz
-neoliberal- perpetua.

A mis pies se ofrecía un futuro tranquilo
de puertos cada vez más resguardados,
de campos fértiles y cielos limpios:
un camino dispuesto para el éxito.

Yo nací -comprendedme   y quizá
consigáis perdonarme-   un instante
antes de la tormenta, abocada
a ver desde la cuna el hundimiento
y vivir aferrada a los tablones:
náufraga del progreso.

Rocío Acebal Doval

[Emma Gunst]

 

 

Eu nasci – compreendei-me –
no tempo da internet e das construções.
Na televisão falavam do milagre,
um mundo novo, unido pela rede,
uma Europa inclusiva e uma paz
– neoliberal – perpétua.

A meus pés oferecia-se um futuro tranquilo
de portos cada vez mais abrigados,
de campos férteis e céus limpos,
um caminho feito para o êxito.

Eu nasci – compreendei-me e talvez
me perdoeis – um instante
antes da tempestade,
a ver do berço a coisa a afundar-se
e a viver agarrada às tábuas,
náufraga do progresso.


(Trad. A.M.)

.

18.8.21

Miguel Torga (S. Leonardo da Galafura)




S. LEONARDO DA GALAFURA

 

À proa dum navio de penedos,
a navegar num doce mar de mosto,
capitão no seu posto
de comando,
S. Leonardo vai sulcando
as ondas
da eternidade,
sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
é num antecipado desengano
que ruma em direcção ao cais divino. 

Lá não terá socalcos
nem vinhedos
na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
serão charcos de luz
envelhecida;
rasos, todos os montes
deixarão prolongar os horizontes
até onde se extinga a cor da vida.

Por isso, é devagar que se aproxima
da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
é um sorvo a mais de cheiro
a terra e a rosmaninho!


Miguel Torga

 .


16.8.21

Roberto Juarroz (O céu não é já uma esperança)




(102)

El cielo ya no es una esperanza,
sino tan sólo una expectativa
El infierno ya no es una condena,
sino tan sólo un vacío.

El hombre ya no se salva ni se pierde
tan sólo a veces canta en el camino.



Roberto Juarroz

[Poesia del mondongo]

 

 

O céu não é já uma esperança,
mas tão só uma expectativa
O inferno não é já uma condenação,
mas tão só um vazio.

O homem já não se salva nem perde
somente às vezes canta pelo caminho.


(Trad. A.M.)

.

15.8.21

Roberto Bolaño (Ressurreição)




RESURRECCIÓN

 

La poesía entra en el sueño
como un buzo en un lago.
La poesía, más valiente que nadie,
entra y cae
a plomo
en un lago infinito como Loch Ness
o turbio e infausto como el lago Balatón.
Contempladla desde el fondo:
un buzo
inocente
envuelto en las plumas
de la voluntad.
La poesía entra en el sueño
como un buzo muerto
en el ojo de Dios.

Roberto Bolaño


 

A poesia entra no sonho
como no lago um mergulhador.
A poesia, valente como ninguém,
entra e cai
a prumo
num lago infinito como Loch Ness
ou turvo e infausto como o lago Balatón.
Contemplai-a lá do fundo,
um mergulhador
inocente
envolto nas penas
da vontade.
A poesia entra no sonho
como no olho de Deus
um mergulhador morto. 

(Trad. A.M.)

.

13.8.21

Manuel Silva-Terra (Sol de outono)




SOL DE OUTONO


declina maduro
gota a gota
cai levemente
inclina-se na tarde
junto dos ramos
perfumados das videiras


Manuel Silva-Terra

[Sobre o lado esquerdo]


>>  Sobre o lado esquerdo (6p) / Wikipedia

 .

11.8.21

Luis Alberto de Cuenca (Volta Guilherme de Aquitania)




VUELVE GUILLERMO DE AQUITANIA

 

Haré un poema de la pura nada.
Tú y yo seremos los protagonistas.
Nuestro vacío, nuestras soledades
ni un solo instante compartidas, nuestro
mortal aburrimiento, la derrota
diaria, serán cosas que se encuentren
en el poema, que no será largo,
porque todo eso cabe en unos pocos
versos, tal vez en nueve nada más,
o en diez, si cuento este que lo cierra.

 

Luis Alberto de Cuenca

[Autorretrato en espejo convexo]

 

 

Vou fazer um poema do puro nada,
tu e eu como protagonistas.
Nosso vazio, nossas solidões
nem por um instante partilhadas,
nosso aborrecimento mortal, a derrota
diária, serão o conteúdo
do poema, que não será longo,
porque tudo isto cabe em poucos
versos, talvez nove, não mais,
ou dez, contando este de fecho.


(Trad. A.M.)

___________________________


[Guilherme IX da Aquitania]

.

10.8.21

Gisela Galimi (Uma caixinha pequena)




Una cajita pequeña
escondida en el fondo de una caja.
Una caja singular
en la que cabe
la diaria realidad,
la noche,
el llanto.

Una cajita adentro de una caja,
el corazón.

 

Gisela Galimi

[Emma Gunst]

 

 

Uma caixinha pequena
escondida no fundo de outra caixa.
Uma caixa singular
em que cabe 
a diária realidade,
a noite,
o pranto 

Uma caixinha dentro de outra,
o coração.

(Trad. A.M.)

.

8.8.21

João Cabral de Melo Neto (Dúvidas apócrifas)




DÚVIDAS APÓCRIFAS DE MARIANNE MOORE

 

Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?

Não haverá nesse pudor
de falar-me uma confissão,
uma indireta confissão,
pelo avesso, e sempre impudor?

A coisa de que se falar
até onde está pura ou impura?
Ou sempre se impõe, mesmo impura-
mente, a quem dela quer falar?

Como saber, se há tanta coisa
de que falar ou não falar?
E se o evitá-la, o não falar,
é forma de falar da coisa?

 

João Cabral de Melo Neto

[Otra iglesia]

 .

6.8.21

Raúl Nieto de la Torre (Auto-retrato de outro)




AUTORRETRATO DE OTRO



Mi infancia son recuerdos de cierta primavera
en casa de mis padres, fútbol, flexo, deberes,
zapatillas con alas para volar a pie.
Mi juventud, un mapa en blanco
donde poder perderme.
Alquimista suspenso, nunca aprendí la fórmula
para elevar al cielo un círculo vacío.
Mi caja de Pandora era una caja china.
Tendí mi ropa del revés
porque no se secase cuando el viento soplara.
Crecí perdiendo paraísos.
Apuntalé la noche en un cuaderno.
Una ventana obtuve por respuesta
cuando cerré la puerta a mis espaldas.
Libros, películas, domingos rotos,
llamadas telefónicas, las sábanas en blanco,
discotecas con música de chicle,
la tristeza fingida para escribir un verso.
Tuve dos perros buenos que no comían gato,
una novia morena, una chupa de cuero,
retales solamente para un autorretrato.


Raúl Nieto de la Torre

[Cómo cantaba mayo]

 

 

Minha infância são lembranças de uma certa Primavera
em casa de meus pais, futebol, deveres, candeeiro,
sapatilhas com asas para fazer voar os pés.
A juventude, um mapa em branco
onde pudesse perder-me.
Alquimista sem diploma, nunca aprendi a fórmula
para fazer subir ao céu um círculo vazio.
Minha caixa de Pandora era uma caixa chinesa.
Minha roupa estendi-a do avesso
para não secar quando soprasse o vento.
Fui crescendo a perder paraísos.
A noite marquei-a num caderno,
tendo por resposta uma janela
quando fechei a porta nas minhas costas.
Livros, filmes, domingos rompidos,
 telefonemas, os lençóis em branco,
discotecas com música de chicla,
a tristeza fingida para lavrar um verso.
Tive dois cães que não comiam gato,
uma noiva morena, uma chupeta de couro,
retalhos apenas para um auto-retrato.


(Trad. A.M.)

_________

> A ler, segundo a fonte inspiradora: Antonio Machado (Retrato)

.

5.8.21

Octavio Paz (Silêncio)




SILENCIO

 

Así como del fondo de la música
brota una nota
que mientras vibra crece y se adelgaza
hasta que en otra música enmudece,
brota del fondo del silencio
otro silencio, aguda torre, espada,
y sube y crece y nos suspende
y mientras sube caen
recuerdos, esperanzas,
las pequeñas mentiras y las grandes,
y queremos gritar y en la garganta
se desvanece el grito:
desembocamos al silencio
en donde los silencios enmudecen.
 

Octavio Paz

 
 

Assim como do fundo da música 
brota uma nota
que ao vibrar cresce e refina
até morrer noutra música,
assim brota do fundo do silêncio 
outro silêncio, aguda torre, ou espada,
e sobe, e cresce, e suspende,
e ao subir caem
esperanças, recordações,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e o grito
morre-nos na garganta:
desembocamos no silêncio 
onde os silêncios fenecem.

(Trad. A.M.)

  .

3.8.21

Luís Miguel Nava (Retrato)




RETRATO

 

A pele era o que de mais solitário havia no seu corpo.
Há quem, tendo-a metida
num cofre até às mais fundas raízes,
simule não ter pele, quando
de facto ela não está
senão um pouco atrasada em relação ao coração.
Com ele porém não era assim.
A pele ia imitando o céu como podia.
Pequena, solitária, era uma pele metida
consigo mesma e que servia
de poço, onde além de água ele procurara protecção.


Luís Miguel Nava

[Acontecimentos]

 .

1.8.21

Raúl Gustavo Aguirre (És, agora és)




Eres, ahora eres, nostalgia de lo ido,
ausencia de la ausencia, olvido del olvido.
Te busco en otros seres: eres, ahora eres,
aquello que no eres.

¿Te he de encontrar un día? No hay día por delante.
Sólo esta noche, con el agravante
de la continuidad en la pregunta.

Estamos atrapados. La eternidad se agota.
La recta infinitud está doblada y rota.
Eres, ahora eres, toda la nada junta.


Raúl Gustavo Aguirre

 

 

És, agora és, saudade do já vivido,
ausência da ausência, olvido do olvido.
Busco-te em outros seres: és, agora és,
aquilo que não és.

Encontrar-te-ei algum dia? Não há dia por diante,
só esta noite, com a agravante
de se repetir a pergunta.

Estamos apanhados. A eternidade esgotada.
A recta infinitude rompida e rasgada.
És, agora és, nada vezes nada.

(Trad. A.M.)

.