27.3.09

Vitorino Nemésio (Tovim, Coimbra)









(Tovim, Coimbra)





Tovim, Coimbra.

Está um tempo torvo, gelado.

Chove a potes.

As oliveiras molhadas parecem chorar a sua viuvez de azeitona.

Mas quando vem um olho de sol e a terra enxuga, as cavas desatam os fumozinhos do húmus e tudo parece desentranhado em promessas.

O vale é verde, sim, mas distante…

A esta hora os toros de pinheiro estarão mais descascados, talvez com barbas de líquenes.

Um silvo de locomotiva abala a montanha na direcção dos povoados e sentem-se os porquinhos grunhir de regalo no cortelho, com os róseos focinhos na água quente, grossa dos mimos de farinha.

Qualquer dia vão-lhes ao chiadoiro; entretanto, cevam e fossam, felizes.

A vida animal parece ditosa ao homem saudoso e mísero, carregado de responsabilidade, de recordações, de projectos.

Só o verde dos pinhais e das culturas o aquieta e reconforta.

Oiço cavar.



- VITORINO NEMÉSIO, Corsário das Ilhas, 1956, Histórias de Mateus Queimado (Freiras da Praia).


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