23.11.08

Nuno Júdice (Poema)








POEMA





Em um novo poema sobre a morte, sem me ter ainda convencido
de que, embora morto, algo permanecia no meu ser que partici-
pava da Vida e do movimento inumerável dos objectos batidos
pelo vento, afirmei que a Poesia me acompanhava.
Como se a Poesia fosse algo que eu nomeasse fisicamente… que tocasse…
E ao constatar uma impossibilidade objectiva, fiz uma experiên-
cia que a confirmou definitivamente: li tudo o que tinha escrito.
Foi como se não tivesse lido nada. Sem me dar conta sequer
de um estilo, de uma gramática, da própria língua… Foi
como se não soubesse ler.
Ao apresentar a narrativa exacta do que aconteceu, descubro
que também aqui não tenho nenhum objectivo, nenhum
pretexto, nenhum facto que justifique o poema. Mas ele
existe apesar disso. E é por isso mesmo que, sem arte
poética e sem argumentos, o apresento e mantenho.







NUNO JÚDICE
O Pavão Sonoro (1972)