21.3.08

Raul Brandão (Não me arrependo)







Se tivesse de recomeçar a vida, recomeçava-a com os mesmos erros e paixões.

Não me arrependo, nunca me arrependi.

Perdia outras tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho puído.

Não me habituo: não posso ver uma árvore sem espanto, e acabo desconhecendo a vida e titubeando como comecei a vida.

Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura de uma pedra.

Não sei - nem me importo - se creio na imortalidade da alma, mas do fundo do meu ser agradeço a Deus ter-me deixado assistir um momento a este espectáculo desabalado da vida.

Isso me basta.

Isso me enche: levo-o para a cova, para remoer durante séculos e séculos até ao juízo final.



- RAUL BRANDÃO, Memórias, I, prefácio.



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