21.11.25

Amalia Bautista (A pesagem do coração)




EL PESAJE DEL CORAZÓN


Que nadie por tu culpa haya pasado hambre,
haya sentido miedo o frío.
Que nadie haya dejado de vivir por tu culpa,
ni temido la muerte, ni deseado morir.
Que ninguno haya dicho tu nombre con espanto
o mirado tu rostro con desprecio.
Que los demás te lloren cuando partas.
Así tu corazón no habrá albergado el plomo
que lastra las mudanzas.
Así tu corazón será más leve
que la más leve pluma.

Amalia Bautista 

 

Que ninguém passe fome por tua culpa,
nem sinta medo ou frio.
Que ninguém deixe de viver por tua causa,
nem tema a morte ou queira morrer.
Que ninguém diga teu nome com espanto
ou olhe com desprezo a tua cara.
Que os outros te chorem quando morras.
Assim teu coração não guardará
o chumbo que é o lastro das mudanças.
Assim teu coração será mais leve
que a mais ligeira pluma.


(Trad. A.M.)

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20.11.25

Álvaro Cunqueiro (Meti meus dias)




Metí todos mis días en un hatillo remendado
y me eché a andar.
Yo mismo hacía los caminos que me llevaban
lejos, mas allá de los bosques,
por la orilla del mar, por el mar mismo.
Y en el hatillo, al lado de los días míos,
—infancia, juventud, madurez, vejez—
iba metiendo el pan de las limosnas.
Alguna vez el pan estaba aún caliente y al tocarlo
resucitaba un día mío en el que, muy joven,
vi a una mujer hermosa que cogía flores en el jardín.
En el sur me agasajaban con vasos de vino.
Pero ya es tiempo de volver. Me canso, y ya no sé soñar.
Como una colmena hendida por un rayo
ya no enjambran las abejas en verano
dentro de mí. Sueños no hay, ni inquietudes.
En la vieja casa haré lumbre y le contaré a las llamas
de qué modo muere un vagabundo.

Álvaro Cunqueiro

 


Meti meus dias numa trouxa remendada
e pus-me a andar.
Eu mesmo fazia os caminhos que me levavam
longe, além dos bosques,
pela beira do mar, pelo mar mesmo.
E na trouxa, ao pé dos dias
– infância, juventude, maturidade, velhice –
ia metendo o pão da esmola.
Às vezes o pão estava quente ainda e ao tocar-lhe
ressuscitava aquele dia em que, muito jovem,
vi uma mulher bela colhendo flores no jardim.
No sul recebiam-me com copos de vinho.
Mas é tempo já de voltar, canso-me e nem sei já sonhar.
Como uma colmeia fendida por um raio,
não fazem já enxame as abelhas no verão
dentro de mim. Sonhos não há, nem inquietação.
Acenderei lume na casa velha e contarei às chamas
de que modo morre um vagabundo.


(Trad. A.M.)

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18.11.25

Alessandro Celani (Faz-te feroz, poesia)



Faz-te feroz, poesia
quando ferozes são os tempos
Aprende com os animais por esses campos
como matam e são mortos
Aprende com o tempo que vem em auxílio
de quem está morto já
Não vás nas cantigas dos poetas
diz a verdade sobre a morte
quem matou e quem foi morto
nome por nome
 

Alessandro Celani

(Trad. A.M.)

[Interno Poesia]

 

>>  Nazione Indiana (recensão/3p) /  Facebook (óbito) / Instagram

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16.11.25

Antonio Orihuela (O mundo fantástico)




O MUNDO FANTÁSTICO DA SARDINHA PORTUGUESA


Dois milhões de pobres
e latas de sardinha a nove euros.

Chamemos-lhe liberalismo.


Antonio Orihuela

 (Trad. A.M.)

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15.11.25

Ana Pérez Cañamares (Sei que são nove)




Sé que son las nueve por cómo
me pesan las piernas.
El día es largo, pero el tiempo es corto.

En un momento, para hacer tu salsa
segaste las plantas de hierbabuena.
Lo que la primavera parió despacio
desapareció de golpe una tarde de otoño.
Atardece. El cansancio se posa
sobre mis hombros como un buitre.

Sé que es la hora del telediario
porque me siento carroña.
 

Ana Pérez Cañamares 

 

Sei que são nove pela maneira
como me pesam as pernas.
O dia é longo, mas curto o tempo. 

Num instante, para fazer o teu molho,
cortaste as plantas de hortelã.
O que a primavera pariu devagar
desapareceu de súbito numa tarde de outono.
Entardece. O cansaço pousa
nos meus ombros como um abutre. 

Sei que é a hora do telejornal
porque me sinto derrancada.
 

(Trad. A.M.)

 .

13.11.25

A.M.Pires Cabral (A umas flores amarelas)




A UMAS FLORES AMARELAS


Encontro-as por acaso numa ilharga
sombria do caminho. São amarelas.
Reluzem como um sol que arda na noite. 

Estas flores tão densamente de ouro,
eriçadas de estames que parecem
a pelagem dum gato posto à prova,

a mim, que me comovo com igrejas singelas
de preferência a grandes catedrais, 

mostram um esplendor totalmente inesperado
neste chão de pedra que ninguém diria
poder florir assim. 

Ó flores cujo nome desconheço,
prolongai esse fulgor humilde em cada dia
de que ainda disponho para ver as flores, 

antes de as flores virem ter comigo.
 

A.M.Pires Cabral 

[Hospedaria Camões]

 .

11.11.25

Alfredo Buxán (Silêncio)




SILÊNCIO 

 

Não dizer nada já 
àquilo que te rodeia,
viver sem fazer ruído. 

Escutar apenas
o canto profundo 
das pedras,
                    o som
antigo do que estava
ali desde o princípio. 

Calar como elas calam.
 

ALFREDO BUXÁN
Las cosas quietas
La Garza Roja
(2025)

 

(Trad. A.M.)

 .

10.11.25

Amalia Bautista (A ponte)

 



EL PUENTE 

 

Si me dicen que estás al otro lado
de un puente, por extraño que parezca
que estés al otro lado y que me esperes,
yo cruzaré ese puente.
Dime cuál es el puente que separa
tu vida de la mía,
en qué hora negra, en qué ciudad lluviosa,
en qué mundo sin luz está ese puente
y yo lo cruzaré.           


Amalia Bautista

 

Se me disserem que estás no outro lado
duma ponte, por estranho que pareça
tu estares ali e me esperares,
eu passarei essa ponte.
Diz-me que ponte separa
a tua vida da minha,
em que hora negra, em que cidade chuvosa,
em que mundo sem luz está essa ponte
e eu a passarei. 


(Trad. A. M.)

 .

8.11.25

Álamo Oliveira (Graciosa ilha)




GRACIOSA ILHA

 

chego como as palavras de verão
que se deixam afogar no lago das sombras.
vejo a ilha na concha da mão
dormir sob o cobertor da serenidade.
sento-me ao lado do tempo como
moinho parado à espera que d. quixote
me assalte com a utopia a trote de rocinante.

aqui a vida é a rendeira que se diverte
a prender a morte na sua teia de linho
e caio na ignorância de uma laça perdida.
estou aqui sem ter jeito para ver
quem navega pela penumbra misteriosa do nevoeiro.

às vezes esqueço que não posso ver o mundo
sem arredar a cortina das araucárias.
arredo-a plissada de silêncios
e só uma garça rasga o céu
com a liberdade do seu voo.

ah se a ilha moesse esta solidão
e a desse aos ventos da memória
talvez soubesse o seu nome de forma graciosa
e a inscrevesse como um sonho
que se avista na linha do mar. apenas.

Álamo Oliveira

[Lusofonias]

 

>>  Lusofonias (monográfico) / Já não gosto de chocolates / Wikipedia

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6.11.25

Aldo Luis Novelli (O oleiro-III)




EL ALFARERO-III 

(8)

venimos del barro elemental
con las manos vacías
y el alma iluminada. 

a poco de andar
rozando la piel del mundo
nos ponemos de pie
y reímos de alegría
al sabernos humanos. 

pero en la mitad del camino
dejamos de reír
llenamos las manos de baratijas
y el alma va perdiendo su luz
se vuelve opaca
como la tierra sucia que vuela
en las ciudades de cemento. 

al final del camino
nos despojamos
de las cargas de la espalda
vaciamos nuestras manos
nos arrodillamos en el barro
y oramos al dios sol
para que nos ilumine nuevamente el alma.
 

Aldo Luis Novelli

[Marcelo Leites] 

 

(8)

Nós vimos do barro elementar
com as mãos vazias
e a alma iluminada.
 

A pouco de andar
roçando a pele do mundo
pomo-nos de pé
e rimos de alegria
ao sabermo-nos humanos.

Mas a meio do caminho
deixamos de rir
enchemos as mãos de bugigangas
e a alma vai perdendo a luz
tornando-se opaca
como a poeira que voa
na cidade de cimento. 

No fim do caminho
tiramos o carrego das costas
esvaziamos as mãos
e ajoelhamos na lama
pedindo ao deus sol
que nos ilumine a alma de novo.
 

(Trad. A.M.)

 .

5.11.25

Basilio Sánchez (Árvores)




ÁRBOLES

 

El buscador de sombra
reconoce en un árbol su majestuosidad,
pero elige en secreto su pobreza.

El rastreador de símbolos
encuentra en la corteza arrancada de los árboles
una caligrafía primitiva,
las huellas de una forma en desuso
de comunicación con la existencia:
una expresión remota, la más rudimentaria,
del agradecimiento.

No hay consuelo para los desterrados:
para ellos el bosque es la quimera
de un retorno imposible,
la lluvia de otros días,
la memoria de un árbol levantándose
entre el cielo y los hombres
ante la puerta de la casa,
el ruido de sus hojas disputándose el aire.

Basilio Sánchez

 

O buscador de sombra
reconhece numa árvore a majestade,
mas prefere-lhe em segredo a pobreza.

O pesquisador de símbolos
encontra na casca das árvores
uma primitiva caligrafia,
os traços de uma forma desusada
de comunicação com a existência:
uma expressão remota, a mais rudimentar,
de agradecimento.

Não há consolação para os desterrados,
para eles o bosque é a quimera
de um impossível retorno,
a chuva de outros dias,
a memória de uma árvore erguendo-se
entre os homens e o céu
frente à porta de casa,
com o ruído das folhas a disputarem o ar.


(Trad. A.M.)

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3.11.25

Francisco Rodriges Lobo (Se coubesse em meus versos)




Se coubesse em meus versos e em meu canto
a tristeza sem fim que o peito encerra,
moveria aos penedos desta serra
a nova piedade e novo espanto.

Se puderam meus olhos chorar tanto
quanto se deve à causa que os desterra,
cobriram já em lágrimas a terra,
escurecendo o seu tão verde manto.

Mas o que tem amor dentro encerrado
na alma, que à língua e olhos se defende,
não pode ser com lágrimas contado:

Ah! quem sabe sentir quanto compreende
que o mal que está oculto em meu cuidado
não se vê, não se mostra, não se entende.


Francisco Rodrigues Lobo

[Um reino maravilhoso]

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1.11.25

Victor Herrero de Miguel (Filologia)




FILOLOGIA

 

Compreende-lo agora. Tanto estudo,
tanta morfologia e a sintaxe
do latim e do grego,
as tardes com Eurípedes,
tanto afã dedicado a entrever
que lógica governa os acasos
que dão impulso às línguas,
tanta filologia
era de todo necessária
para estar em silêncio frente ao mundo.


Victor Herrero de Miguel

(Trad. A.M.)

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