24.6.24

Rui Caeiro (A dois passos)




A DOIS PASSOS

 

Quando penso em ti, essoutra que eu nunca mais
soube ao certo quem era, ou quem eras, em ti
e em tudo aquilo que me deste, tanto que eu
nunca soube onde colocar e logo vinha o vento
e levava, quando penso em ti e mais em tudo
o que deixaste avariado na minha vida e eram
todos os pobres artefactos dela, da minha vida
quando penso em ti, isto é, quando penso em
nós, nessa coisa insólita e paupérrima que nós
éramos, ou que nós fomos um dia, é no inferno
é ainda e só e mais uma vez no inferno que eu
penso – esse tempo esse calor esse frio essa espera
insuportável. É no inferno que penso, mas devo
reconhecer, em abono da verdade, que não era
no inferno que nós estávamos, era a dois passos
dele e se queres mesmo saber era agradável
pela boa e simples razão de que não havia mais
nada, era intensa e insuportavelmente agradável
Faltava um pouco o ar, é certo, mas quem é que
se ia importar com uma coisa dessas, havia um calor
que nos enregelava os ossos, havia um frio que nos
aquecia. Era a dois passos do inferno – estava-se bem.

Rui Caeiro

 

>>  Canal de poesia (14p) / Jogos Florais (entrevista) / Wikipedia

.


22.6.24

Santiago Sylvester (Um desconhecimento contém muitas coisas)




UN DESCONOCIMIENTO CONTIENE MUCHAS COSAS

 

No sé demasiadas cosas
y a demasiadas preguntas tengo que contestar no sé: esto
no es jactancia ni falsa humildad: ¿es limitación?: no sé;
no sé a qué hora sale el próximo tren;
no sé a qué hora llega el vuelo de Madrid;
no sé cómo se llamaba el cuarto hijo de María de Médici ni
el primero de María Estuardo;
no sé quién ganó el campeonato de patinaje sobre hielo;
no sé cuántos dientes tenía un tiranosaurio;
no sé regatear;
no sé cuánto cuesta un automóvil de cualquier marca;
no sé cómo es la liturgia de la Iglesia Católica
y no sí si recuerdo la anterior;
no sé qué hora es en Pekín, cuánta gente nace y muere por
día en el planeta, cuántos kilómetros recorre el Paraná,
por qué no hice lo que podría haber hecho,
y no sé si debiera saber estas cosas o seguir ignorándolas
como si no fueran necesarias:

son
las nueve de la noche del 3 de Diciembre: ha empezado la
despedida de este martes que no recordaré: a esta hora
tengo algo de vértigo: un problema en el oído medio
del que tampoco sé;
quisiera ahorrar el tiempo que no uso, pero no sé cómo hacerlo.


Santiago Sylvester

 

 

Eu não sei demasiadas coisas
e a demasiadas perguntas tenho de responder não sei; isto
não é jactância nem falsa humildade, é limitação? não sei;
não sei a que horas sai o próximo comboio;
não sei a que horas chega o voo de Madrid;
não sei como se chamava o quarto filho de Maria de Médici,
nem o primeiro de Maria Stuart;
não sei quem ganhou o campeonato de patinagem no gelo;
não sei quantos dentes tinha um tiranossauro;
não sei regatear;
não sei o preço de um automóvel de qualquer marca;
não sei como é a liturgia da Igreja Católica
e não sei se recordo a anterior;
não sei que hora é em Pequim, quantas pessoas nascem e morrem
por dia no planeta, quantos quilómetros tem o curso do Paraná,
porque não fiz o que podia ter feito.
e não sei se devia saber estas coisas ou continuar a ignorá-las
como se não fossem necessárias:

são
nove da noite de 3 Dezembro:
começou a
despedida desta terça que não
recordarei: agora mesmo
tenho como que uma vertigem, um problema no ouvido médio
de que também não sei;
queria poupar o tempo que não uso, mas não sei como fazer.


(Trad. A.M.)

.

21.6.24

Manuel Moya / Xi Shuao Quan (Se algo sou)




Si algo soy, he de serlo hasta que todo
quepa en lo que soy.

No hay nada que no pueda ser,
ni camino que me lo impida.

En cada cosa he de ser yo,
grande o pequeño, sea lo que haga.

Pues en cada charco se refleja toda la luna.
La luna entera, toda, temblando.

Xi Shuao Quan

 

Se algo sou, sê-lo-ei até que tudo
caiba naquilo que sou.

Não há nada que não possa ser,
nem caminho que mo impeça.

Em cada coisa hei-de ser eu,
grande ou pequeno, faça o que faça.

Pois em cada charco se reflecte a lua,
a lua inteira, toda, tremendo.


(Trad. A.M.)

.

19.6.24

Pier Paolo Pasolini (Muitas vezes)




Molte volte un poeta si accusa e calunnia,
esagera, per amore, il proprio disamore,
esagera, per punirsi, la propria ingenuità,
è puritano e tenero, duro e alessandrino.
È anche troppo acuto nell’analisi dei segni
delle eredità, delle sopravvivenze:
ha anche troppo pudore nel concedere
qualcosa alla ragione e alla speranza.
Ebbene, guai a lui! Non c’è un istante
di esitazione: basta solo citarlo! 


Pier Paolo Pasolini



Muitas vezes um poeta acusa-se e calunia,
exagera, por amor, seu próprio desamor,
exagera, para se punir, a sua ingenuidade,
é puritano e terno, duro e alexandrino.
Fino demais no exame dos sinais
das heranças, das sobrevivências;
com muita reserva a ceder 
frente à razão e à esperança.
Ora bem, ai dele! Não podemos hesitar 
um instante: bastará apenas citá-lo!


(Trad. A.M.)

 .

18.6.24

Vicente Muñoz Álvarez (As horas vazias)




LAS HORAS VACÍAS

 

Puede que tal vez
en lo profundo
todo se reduzca a esto


y que todo
lo que al fin
y al cabo
podamos hacer
frente a la erosión
del tiempo

sea simple
e inútilmente

aprender a esperar


Vicente Muñoz Alvarez

 

 

Pode ser que talvez
lá no fundo
tudo se reduza isto

E que tudo
o que ao fim
e ao cabo
podemos fazer
face à erosão
do tempo

Seja simplesmente
e inutilmente

Aprender a esperar


(Trad. A.M.)


17.6.24

Elías Moro (Auto-retrato)

 



AUTORRETRATO 

 

Veo pasar el tiempo que me falta.
He adquirido con los años
la cordura y la destreza,
huyo como de la peste
de los extremos que me cercan.
Domino el idioma y su ortografía,
comprendo la métrica del verso
y practico su rigor con un celo
que más me valiera dedicar
a otros menesteres.
Conservo principios en desuso
y, excepto en lances de amor,
soy tibio e indolente;
entonces, la pasión me puede.
Porque me declaro idealista
y me reconozco pragmático,
a veces me asalta la sospecha
de que de algún modo me engaño.
Bajo esta luz en penumbra me miro.
Soy un invierno más viejo
y este tampoco es el poema.
 

Elías Moro

  

Vejo passar o tempo que me falta.
Ganhei com os anos
destreza e cordura,
e fujo como da peste
dos extremos que me cercam.
Domino a língua e a sua ortografia,
compreendo a métrica do verso
e pratico o seu rigor com um zelo
que mais valia dedicar
a outros misteres.
Conservo princípios desusados
e, excepto em lances de amor,
sou tíbio e indolente;
então, a paixão vence-me.
Porque me declaro idealista
e me reconheço pragmático,
às vezes assalta-me a suspeita
de que de algum modo me engano.
Sob esta luz em penumbra, observo-me.
Sou um inverno mais velho
e este não é o poema tão pouco.

(Trad. A.M.)

.

16.6.24

Karmelo C. Iribarren (Romantismo)




ROMANTICISMO

 

Dice que le regalé una estrella,
dice que fue en el puerto,
una noche de domingo,
cuando empezábamos a salir.
Yo no recuerdo nada, la verdad,
hace media vida de eso. Pero,
vete tú a saber. Bien mirado, puede
que hasta sea cierto: veinte años,
tonto perdido de amor,
y sin un duro en el bolsillo...
Qué otra cosa le vas a regalar.
 

Karmelo C. Iribarren 

[No supiste]



Diz que lhe ofereci uma estrela,
um domingo à noite, no porto,
quando começámos a sair.
Eu não me lembro de nada,
vá-se lá saber, ao fim destes anos
todos. Mas, vendo bem,
até que pode ser. Vinte anos,
doido perdido de amores,
sem um tostão no bolso,
vais-lhe oferecer o quê?


(Trad. A.M.)

 .

14.6.24

Paulo Henriques Britto (Duas bagatelas)




DUAS BAGATELAS

 

Então viver é ísso,
é essa obrigação de ser feliz
a todo custo, mesmo que doa,
de amar alguma coisa, qualquer coisa,
uma causa, um corpo, o papel
em que se escreve,
a mão, a caneta até,
amar até a negação de amar,
mesmo que doa,
então viver é só
esse compromisso com a coisa,
esse contrato, esse cálculo
exato e preciso, esse vicio,
só isso.


Paulo Henriques Britto

 .

12.6.24

José Mateos (Canção 21)




CANCIÓN 21


En tu corazón ya cae
la lluvia que anuncia el viento;
y septiembre es este frío
del alma, más que del cuerpo.

Ahora el camino, entre dunas,
sin sol, y el mar desganado
te dicen que todo acaba,
que es poco tiempo un verano.

Mientras aguardas, aún puedes
ver, al umbral de la puerta,
la playa sola y el faro
cómo salen de la niebla.

Esperarás otro año
para volver, si es que vuelves...
La vida, las mismas notas
no las repite dos veces.

José Mateos
 

 

Cai-te já no coração
a chuva que o vento anuncia,
e Setembro é este frio
de alma, mais que do corpo.

Agora o caminho, pelas dunas,
sem sol, e o mar abúlico
dizem-te que tudo acaba,
que um verão é pouco tempo.

Enquanto aguardas, podes ver
ainda, da soleira da porta,
a praia sozinha e o farol
como saem na névoa.

Esperarás outro ano
para voltar, se voltares…
A vida, as mesmas notas
não as dá duas vezes,


(Trad. A.M.)

.

11.6.24

José Luis García Martín (Lua)




(LUNA)

 

Juega a esconderse
la luna entre las ramas
o entre las nubes.·

Camino solo
por la noche de marzo
contigo, luna.·

Si estás conmigo,
¿cómo estar solo,
aunque te escondas?.

Dios me sonríe
escondido en las ramas
con la alta luna.·

Tú que no existes,
ilumíname el mundo
nunca me dejes.
 

J.L. García Martín 
 

 

Brinca a esconder-se
entre os ramos a lua
ou entre as nuvens.

Caminho sozinho
pela noite de Março
contigo, ó lua.

Se tu estás comigo,
como estar só,
embora te escondas?

Deus me sorri,
escondido nos ramos
com a alta lua.

Tu que não existes,
ilumina-me o mundo,
nunca me deixes.


(Trad. A.M.)

.

9.6.24

Miguel Martins (Gosto de pessoas que aceleram)




Gosto de pessoas que aceleram
ante a inevitabilidade do precipício,
roubando assim alguns segundos
ao indecente gozo de Deus.

 

Miguel Martins

[Blog 1.º esquerdo]

.

 

7.6.24

Jorge Luis Borges (Outro poema dos dons)




OTRO POEMA DE LOS DONES

 

Gracias quiero dar al divino
laberinto de los efectos y de las causas
por la diversidad de las criaturas
que forman este singular universo,
por la razón, que no cesará de soñar
con un plano del laberinto,
por el rostro de Elena y la perseverancia de Ulises,
por el amor, que nos deja ver a los otros
como los ve la divinidad,
por el firme diamante y el agua suelta,
por el álgebra, palacio de preciosos cristales,
por las místicas monedas de Ángel Silesio,
por Schopenhauer,
que acaso descifró el universo,
por el fulgor del fuego,
que ningún ser humano puede mirar sin un asombro antiguo,
por la caoba, el cedro y el sándalo,
por el pan y la sal,
por el misterio de la rosa,
que prodiga color y que no lo ve,
por ciertas vísperas y días de 1955,
por los duros troperos que en la llanura
arrean los animales y el alba,
por la mañana en Montevideo,
por el arte de la amistad,
por el último día de Sócrates,
por las palabras que en un crepúsculo se dijeron
de una cruz a otra cruz,
por aquel sueño del Islam que abarcó
mil noches y una noche,
por aquel otro sueño del infierno,
de la torre del fuego que purifica
y de las esferas gloriosas,
por Swedenborg,
que conversaba con los ángeles en las calles de Londres,
por los ríos secretos e inmemoriales
que convergen en mí,
por el idioma que, hace siglos, hablé en Nortumbria,
por la espada y el arpa de los sajones,
por el mar, que es un desierto resplandeciente
y una cifra de cosas que no sabemos,
por la música verbal de Inglaterra,
por la música verbal de Alemania,
por el oro, que relumbra en los versos,
por el épico invierno,
por el nombre de un libro que no he leído: Gesta Dei per Francos,
por Verlaine, inocente como los pájaros,
por el prisma de cristal y la pesa de bronce,
por las rayas del tigre,
por las altas torres de San Francisco y de la isla de Manhattan,
por la mañana en Texas,
por aquel sevillano que redactó la Epístola Moral
y cuyo nombre, como él hubiera preferido, ignoramos,
por Séneca y Lucano, de Córdoba,
que antes del español escribieron
toda la literatura española,
por el geométrico y bizarro ajedrez,
por la tortuga de Zenón y el mapa de Royce,
por el olor medicinal de los eucaliptos,
por el lenguaje, que puede simular la sabiduría,
por el olvido, que anula o modifica el pasado,
por la costumbre,
que nos repite y nos confirma como un espejo,
por la mañana, que nos depara la ilusión de un principio,
por la noche, su tiniebla y su astronomía,
por el valor y la felicidad de los otros,
por la patria, sentida in los jazmines
o en una vieja espada,
por Whitman y Francisco de Asís, que ya escribieron el poema,
por el hecho de que el poema es inagotable
y se confunde con la suma de las criaturas
y no llegará jamás al último verso
y varía según los hombres,
por Frances Haslam, que pidió perdón a sus hijos
por morir tan despacio,
por los minutos que preceden al sueño,
por el sueño y la muerte,
esos dos tesoros ocultos,
por los íntimos dones que no enumero,
por la música, misteriosa forma del tiempo.

 

Jorge Luis Borges

[Life vest under your seat

 

Graças quero dar ao divino
labirinto dos efeitos e das causas
pela diversidade das criaturas
que formam este singular universo,
pela razão, que não deixará de sonhar
com um plano do labirinto,
pelo rosto de Helena e a perseverança de Ulisses,
pelo amor, que nos deixa ver os outros como os vê a divindade,
pelo firme diamante e a água solta,
pela álgebra, palácio de preciosos cristais,
pelas místicas moedas de Ángel Silesio,
por Schopenhauer,
que decifrou talvez o universo,
pelo fulgor da chama,
que não se pode contemplar sem um assombro antigo,
pelo mogno, o cedro, o sândalo,
pelo pão e pelo sal,
pelo mistério da rosa,
que dá calor e não se vê,
por certas vésperas e dias de 1955,
pelos rijos soldados da planície,
arreando os cavalos e a aurora,
pela manhã em Montevideu,
pela arte da amizade,
pelo último dia de Sócrates,
pelas palavras que se disseram ao crepúsculo
de uma cruz para outra,
por aquele sonho do Islão que abarcou mil e uma noites,
por aquele outro sonho do inferno,
da torre do fogo que purifica
e das esferas gloriosas,
por Swedenborg,
que falava com os anjos nas ruas de Londres,
pelos rios secretos que em mim convergem,
pelo idioma que, há séculos, falei em Nortumbria,
pela harpa e a espada dos saxões,
pelo mar, que é um deserto resplandecente
e uma quantidade de coisas que nós não sabemos,
pela música verbal de Inglaterra,
pela música verbal da Alemanha,
pelo ouro, que reluz nos versos,
pelo épico inverno,
pelo nome de certo livro que não li, Gesta Dei per Francos,
por Verlaine, inocente como as aves,
pelo prisma de vidro e o peso do bronze,
pelas riscas do tigre,
pelas torres de San Francisco e da ilha de Manhattan,
pela manhã doTexas,
por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral
e cujo nome ignoramos, como ele desejaria,
por Séneca e Lucano, de Córdoba,
que escreveram, antes do espanhol, toda a literatura espanhola,
pelo geométrico e bizarro xadrez,
pela tartaruga de Zenão e o mapa de Royce,
pelo odor medicinal do eucalipto,
pela linguagem, que o saber pode simular,
pelo esquecimento, que apaga o passado,
pelo costume, que nos repete e confirma como um espelho,
pela manhã, que nos oferece a ilusão de um princípio,
pela noite, sua treva e sua astronomia.
pelo valor e felicidade dos outros,
pela pátria, sentida no jasmim ou numa velha espada,
por Whitman e Francisco de Assis, que escreveram já o poema,
pelo dado de o poema ser inesgotável
e confundir-se com a soma das criaturas
e nunca mais vir o último verso
e variar de homem para homem,
por Frances Haslam, que pediu perdão aos filhos
de morrer tão devagar,
pelos minutos antes do sono,
pelo sono e pela morte,
esses tesouros ocultos,
pelos íntimos dons que não conto,
pela música, misteriosa forma do tempo.


(Trad. A.M.)

 .

6.6.24

Elías Moro (Alguém)

 



 

ALGUIEN

 

alguien es aquel que camina bajo su sombrero de dudas
la mujer que arrastra un cestillo de sonrisas y alimentos
el conductor de autobús que ve en el semáforo en rojo
la operación de anginas de su hijo pequeño
y en el verde el beso cotidiano de su mujer
alguien es el feliz poseedor de las tabas de la hechicera
quien conoce sortilegios contra la mansedumbre y el frío
el que ha vivido huracanes y está indemne
el que estuvo en la ópera del horror con un triángulo cosido en el pecho
y sin saber bien cómo ha logrado sobrevivir a sus iguales
alguien es quien desprecia el peligro
el que hace reír a los demás sin dañar a nadie
el que abre un libro y despierta las caricias de las páginas
el que se viste de etiqueta para saludar a los insectos
la novia del paracaidista que le tiene miedo a las alturas
alguien es el asesino del atardecer
el detective que todo lo indaga en pos de la verdad
el juez que sentencia y condena
el reo que sueña sin tregua con la fuga y el perdón
alguien es el impúdico y el inocente
el incrédulo y el sagaz
aquella que parió tres vidas
y vio morir a las tres
alguien era yo hasta que llegaste a mi vida
y entonces fuiste lo más importante
 

Elías Moro

  

Alguém é o que caminha sob o seu chapéu de dúvidas
a mulher que arrasta um cesto de sorrisos e alimentos
o condutor de autocarro que vê no sinal vermelho
a operação às anginas do seu filho pequeno
e no verde o beijo diário de sua mulher
Alguém é o feliz possuidor dos dedos da feiticeira
que conhece sortilégios contra o frio e a mansidão
o que aguentou furacões e está indemne
o que esteve na ópera do horror com um triângulo cosido no peito
e sem saber bem como conseguiu sobreviver a seus pares

Alguém é quem despreza o perigo
o que faz rir os outros sem fazer mal a ninguém
o que abre um livro e desperta as carícias das páginas
o que se veste de etiqueta para saudar os insectos
a noiva do paraquedista que tem medo das alturas
Alguém é o assassino do entardecer
o detective que tudo indaga atrás da verdade
o juiz que sentencia e condena
o réu que sonha sem trégua com a fuga e o perdão
Alguém é o impúdico e o inocente
o incrédulo e o sagaz
aquela que pariu três vidas
e viu morrer as três
Alguém era eu até que tu chegaste
e foste então o mais importante

 
(Trad, A.M.)



>>  El juego de la taba (blogue) /  Voces del extremo (5p) / Fragments de vida (2p) / Revista Rotula (Haikus) / Carlos Alcorta (Recensão) / Mayora (Crítica)

.

 

.

4.6.24

Mario Quintana (Aula inaugural)

 



AULA INAUGURAL 

 

É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis
como na guerra do Paraguai
mas eram bem falantes
e todos os seus gestos eram ritmados como num balé
pela cadência de metros homéricos.
Fora do ritmo só a danação.
Fora da poesia não há salvação.
A poesia é dança e a dança é alegria.
Dança, pois, teu desespero, dança.
Tua miséria, teus arrebatamentos,
teus júbilos
e,
mesmo que temas imensamente a Deus,
dança como David diante da Arca da Aliança;
mesmo que temas imensamente a morte
dança diante da tua cova.
Tece coroas de rimas...
Enquanto o poema não termina
a rima é como uma esperança
que eternamente se renova.
A canção, a simples canção, é uma luz dentro da noite.
(Sabem todas as almas perdidas...)
O solene canto é um archote nas trevas.
(Sabem todas as almas perdidas...)
Dança, encantado dominador de monstros,
tirano das esfinges,
dança, Poeta,
e sob o aéreo, o implacável, o irresistível
ritmo de teus pés,
deixa rugir o Caos atônito...


Mario Quintana

[Quintana Eterno]

.

2.6.24

Joan Margarit (Fechando o apartamento)

 



CERRANDO EL APARTAMENTO DE LA PLAYA 


Ya está limpio, ordenado.
Los armarios cerrados, igual que las ventanas.
Nada al descuido encima de los muebles.
El dormitorio con la cama a punto,
la mesita de noche y el retrato
de la muchacha con los ojos
iluminados por una sonrisa.
Todo el invierno sola y escuchando el mar.
 

JOAN MARGARIT
No estaba lejos, no era difícil
(2011)

 


Está já limpo, arrumado.
Os armários fechados, assim como as janelas.
Nada esquecido em cima dos móveis.
O quarto com a cama pronta,
a mesinha de cabeceira e o retrato
da moça com um sorriso
a iluminar-lhe os olhos.
Sozinha o inverno todo, ouvindo o mar.


(Trad. A.M.)

.

1.6.24

Luis Eduardo Aute (De tudo há)




De todo hay,
en la viña del Señor:
príncipes en los charcos
y sapos en los palacios,
estrellas en los pozos
y gusanos en las nubes,
payasos en la Academia
y poetas en el circo,
demonios en la Iglesia
y ángeles en el prostíbulo,
señores en la cárcel
y criminales en el Poder,
piratas en el desierto
y camellos en el mar,
murciélagos videntes
y luciérnagas sin luz…
De todo hay,
y bueno es que así sea.
Sólo una cosa
no me cabe en la cabeza:
tantísima sobredosis
de sub-lime
estulticia.


Luis Eduardo Aute

 

 

De tudo há,
na vinha do Senhor:
príncipes nos charcos
e sapos nos palácios,
estrelas nos poços
e minhocas nas nuvens,
palhaços na Academia
e poetas no circo,
demónios na igreja
e anjos no prostíbulo,
senhores na cadeia
e bandidos no poder,
piratas no deserto
e camelos no mar,
morcegos com vista
e pirilampos sem luz…
De tudo há,
e bom é que assim seja.
Só uma coisa me não cabe na cabeça,
tão grandíssima sobredose
de sub-lime
estultícia.

(Trad. A.M.)

.