31.1.22

Pedro Salinas (Pergunta mais além)





PERGUNTA MAIS ALÉM



Porque pergunto eu onde estás,
se não estou cego,
nem tu estás ausente?
Se te vejo
ir e vir,
a ti, corpo alto
que se termina em voz,
como em fumo a chama,
no ar, intocável.


E pergunto-te, sim,
pergunto: tu és de quê,
és de quem?
e tu abres os braços
e mostras-me
a alta imagem de ti
e respondes que minha.
E eu pergunto-te, sempre.


Pedro Salinas


.

30.1.22

Isabel Fraire (Talvez o único poema)




TALVEZ O ÚNICO POEMA
                   que podemos escrever
seja o primeiro
                   nossa primeira visão
                              também a última 

isso explica
               a unidade da obra
                            sua constância temática 
                                              o eterno retorno 

e também a segurança dos jovens
                    que sabem
                            que na idade deles
                                o amor é eterno


Isabel Fraire

 (Trad. A.M.)


>>  Isabel Fraire (sítio of) / Wikipedia

.


28.1.22

Pedro Tamen (Não digo do Natal)





Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,

e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.

Pedro Tamen

26.1.22

José Emilio Pacheco (Dentadas)




DENTELLADAS

 

Qué suerte tuve: no aprendí a morder.
Y para defenderme sólo cuento
con mis púas afiladas.
Cuando me erizo nadie se me acerca.

Los animales de mi especie
no hacen servicio militar,
nunca van a la guerra
ni sirven en las fuerzas policiales.
No luchan con pit bulls hasta desgarrarse.
Tampoco han sido miembros de ninguna jauría.
No se han encarnizado con los ciervos
ni desventraron conejos.

Los deportes violentos nos horrorizan.
Damos la espalda
cuando en el Coliseo tinto en sangre
otros se hacen pedazos a dentelladas.

Y limpios de agresión vamos entrando
en las fauces abiertas del matadero.

José Emilio Pacheco

 [Trianarts]


  

Que sorte que eu tive, não aprendi a morder.
E para me defender conto só com minhas puas afiadas.
Quando me eriço ninguém se chega perto.

Os animais da minha espécie
não fazem serviço militar,
nem vão para a guerra,
nem servem na polícia.
Não lutam com pit bulls até se dilacerarem.
Tão pouco andaram em matilha,
nem se encarniçaram com os cervos,
nem estriparam coelhos.

Temos horror aos desportos violentos,
e viramos as costas
quando outros no Coliseu tinto de sangue
se desfazem às dentadas.

E limpos de agressão vamos entrando
nas fauces abertas do matadouro.


(Trad. A.M.)

.

25.1.22

José Cereijo (Algumas poucas palavras)




Unas pocas palabras
en la frontera misma del silencio,
como las que se retiran,

discretas, cuando es hora
de que los cuerpos hablen.
Unas pocas palabras: signos,
indicios solamente. Un poco
de aire conmovido
entre la mano y la página.
Es bastante. Es incluso demasiado.


José Cereijo

[Sureando]

 

  

Algumas palavras poucas
na fronteira mesma do silêncio,
como as que se retiram,
discretas, quando chega
a hora de os corpos falarem.
Algumas poucas palavras – signos,
indícios apenas. Um pouco
de ar comovido
entre a mão e a página.
É bastante. É mesmo demasiado.


(Trad. A.M.)

.

23.1.22

Carlos de Oliveira (Caem do céu calcário)




(VIII)

 

Caem
do céu calcário,
acordam flores
milénios depois,
rolam de verso
em verso
fechadas
como gotas,
e ouve-se
ao fim da página
um murmúrio
orvalhado.
 

Carlos de Oliveira 


.

21.1.22

José Bergamín (A vida é nossa paixão)




La vida es nuestra pasión.
La verdad, nuestra razón.

(Cuando de verdad queremos
—lo que de vida soñamos—
La verdad, la padecemos
—la vida, la razonamos.)

La vida es nuestra razón.
La verdad, nuestra pasión.


José Bergamín

 

 

A vida é nossa paixão.
A verdade, nossa razão.

(Quando de verdade queremos
- o que de vida sonhamos -
A verdade, sofremos,
- a vida, interrogamos.

A vida é nossa razão.
A verdade, nossa paixão.


(Trad. A.M.)

.

20.1.22

Clara Janés (Agora imóvel)




AHORA INMÓVIL

 

Como el azote de un eterno viento
veo la vida que golpea al tiempo.
Muestra el ahora su absoluto en llamas,
      pleno, perfecto.                      

Ciega mis ojos la existencia pura.
Ata mis manos el espacio. Tengo
presos los pies entre la red del aire,
      presa la mente.

Nada desea, atenazada, el alma,
sólo un pilar donde dejar los huesos.
Se hace el silencio y el olvido todo.
      Todo sosiego.

Clara Janés

 

 

Como o açoite de um vento antigo,
assim vejo a vida a bater no tempo.
Mostra o agora seu absoluto em chamas,
               inteiro, pleno, perfeito.

Cega meus olhos a existência pura,
e as mãos ata-mas o espaço.
Os pés tenho presos na teia do vento
               e a mente também.

Nada deseja a alma, atazanada,
só um pilar a que encostar os ossos.
Vem então o silêncio, mais o esquecimento.
               Tudo tranquilo.

 

(Trad. A.M.)

 

>>  Cervantes (antologia) / A media voz (24p) / Clara Janes (37p+linques) / Wikipedia

.

18.1.22

Luís Filipe Parrado (Sonho)




SONHO

 

Alcançar com as palavras
o que aquele célebre pintor grego da Antiguidade,
de que fala Plínio na sua História
Natural,

conseguiu com a luz e
as cores. Ao pintar
um rapaz segurando um cacho de uvas
estas tornaram-se tão reais
que os pássaros
as vinham
debicar.

LUÍS FILIPE PARRADO
Roma não perdoa a traidores
Língua Morta (2021)

.

16.1.22

José Antonio Labordeta (Cesaraugusta dois)




CESARAUGUSTA DOS

 

Cuando el cierzo desciende y se alza la niebla,
toda la ciudad -mi Zaragoza amada- se cubre de palabras
que surgen del silencio hacia la nada.
Es entonces -el enorme Paseo
se hace suave y hermoso- cuando veo las cosas
como fueron: El niño, la explanada,
la vieja que vendía cacahuetes y almendras.
Pero cuando otra vez
el aire del Moncayo violentamente baja,
surgen los comerciantes
en paños y en alhajas
aupando a un tonto sabio
que viene a hablar del alma.
¡Ay mi ciudad
con tantos pedestales
cubiertos de anónimas palabras!:
¿A dónde te diriges?
Sólo tu espesa niebla
permite ver las cosas
igual que se veían en la infancia.


José Antonio Labordeta

 


Quando a ventania desce e a névoa levanta,
toda a cidade – Saragoça do meu coração – se cobre de palavras
que aparecem do silêncio viradas ao nada.
É aí – quando o enorme Passeio
se torna belo e suave – que eu vejo tudo
como era dantes: A criança, a esplanada,
a velha que vendia amendoins e amêndoas.
Mas quando novamente
desce com violência o ar do Moncayo,
surgem os comerciantes
de tecidos e jóias
a erguer um sábio louco
que aparece a falar da alma.
Ai minha cidade
com tantos pedestais
cobertos de anónimas palavras!
Para onde te diriges?
Só tua espessa névoa
permite ver as coisas
tal como se viam na infância.


(Trad. A.M.)

.

15.1.22

José Antonio Fernández Sánchez (Quando quero tremer)




Quando quero tremer leio e escrevo.
Construo pontes de palavras,
misturo versos como argamassa
e quando sinto frio
cubro-me, então tremo.

José Antonio Fernández Sánchez

[Poetas siglo XXI]

(Trad. A.M.)

.

13.1.22

José Carlos Ary dos Santos (Soneto presente)




SONETO PRESENTE

 

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.


José Carlos Ary dos Santos

[Um reino maravilhoso]

 .

11.1.22

José Ángel Cilleruelo (Transparência)




TRANSPARENCIA  

 

Hay épocas en que la luz
solo anhela las transparencias.
Se pasa horas en los puestos
de pigmentos, revuelve y selecciona
los que, sabiamente mezclados,
consigan cualidad diáfana
en su trazo. Prescinde de colores,
de urdimbres, ni siquiera la pared
blanca ante la que se reclina
a descansar la tarde le interesa.
Atiende solo a lo traslúcido.
Artista que despliega las bobinas
de sedas sobre lo real.
Las extiende ante todo cuanto quiera
pintar. Se ensimisma en los pliegues.
Aspira, como yo,
a mirar lo que no se muestra,
pero estoy viendo.

José Ángel Cilleruelo

[Poesia vim buscar-te]

 

 

Há alturas em que a luz
busca só as transparências.
Passa horas nas bancas
de pigmentos, remexe e escolhe
os que, sabiamente misturados,
lhe dêem no traço diáfana
qualidade. Prescinde de cores,
tessituras, nem sequer a parede
branca lhe interessa,
em face da qual a tarde se reclina a descansar.
Interessa-lhe só o translúcido.
Artista desenrolando os novelos
de sedas sobre o real,
estende-os diante do que quer
pintar. Enreda-se nas dobras.
Aspira, tal como eu,
a contemplar o que não se mostra,
mas que eu estou vendo.

 

(Trad. A.M.)

 

> Outra versão: Supra, fonte indicada.

 .

10.1.22

Abelardo Linares (Ofício do costume)




OFICIO DE LA COSTUMBRE



Del amor a las palabras queda sólo costumbre.
Se hace rito el misterio y un dios inútil
silencioso visita el asolado paisaje de nuestros sueños.
En espejos ardiendo miramos nuestro rostro
y la mano sostiene una flor que es de hielo y ceniza.
Si en ese atardecer canta un pájaro ciego,
¿qué nos devolverá su canto si aguarda ya la noche
para arrancar de nuestros ojos la luz última del mundo?

Abelardo Linares

 

 

Do amor das palavras fica apenas costume.
O mistério se faz rito e um deus inútil
silencioso visita o campo soalheiro de nossos sonhos.
Em espelhos a arder miramos o nosso rosto
e a mão segura uma flor de gelo e cinza.
Se nesse entardecer cantar um pássaro cego,
o que é que seu canto nos devolverá,
se a noite espera já
para nos arrancar dos olhos
a luz última do mundo?


(Trad. A.M.)


>>  A media voz (18p) / Wikipedia

.

8.1.22

À tua porta (CA-5)



(À TUA PORTA)



Já não acontece nada, agora,
nada mesmo,
a terra não treme,
os rios não param, 
nem a luz do sol sequer alumia,
quando digo o teu nome.
É noite,
morreste no meu coração.
E está bem assim.

(A.M.)

.

6.1.22

Gabriel Celaya (O último recurso)




EL ÚLTIMO RECURSO 

 

En los malos momentos, no os pongáis a llorar,
porque os harán callar
con la limosnita de un poco de pan. 

En los malos momentos, decid que no entendéis.
Y tras escuchar,
decid, porque es verdad, que seguís sin entender. 

Cuando os digan: "Caridad", vosotros decid: "Justicia",
porque pedís lo vuestro,
no descanso de conciencia para los que dormitan. 

Cuando os digan que el problema va a estudiarse,
salid gritando a la calle
las razones que los justos llamarán irracionales.

Gabriel Celaya

 

  

Nos piores momentos, não vos ponhais a chorar,
que eles calam-vos com a esmola
de um bocado de pão.

Nos piores momentos, dizei que não entendeis,
e depois de ouvir a resposta,
dizei, já que é verdade, que continuais sem entender. 

Quando vos disserem: ‘Caridade’, vós clamai: ‘Justiça’,
pois que pedis o que é vosso,
não a paz de consciência daqueles que dormitam. 

Quando vos disserem que o problema vai ser estudado,
vós saí a gritar para a rua
as razões que os justos chamarão irracionais.
 

(Trad. A.M.)

 .

5.1.22

Carmelo Guillén Acosta (Biografia)




BIOGRAFÍA

 

De pronto, suponedme un árbol.
No de esos en los que anidan pájaros
o viven rodeados de muchas atenciones.
Suponedme un árbol del que penden
desechos de ternura, hojas secas,
corazones echados a perder,
versos que a nadie le sirven de compaña.
Hecho y derecho
un árbol por las sobras conocido
a cuya sombra la gente se cobija.
Un buen árbol inútil,
sin más fruto que dar a ramas llenas ilusiones.
Humano, lo más a mano posible.

Carmelo Guilén Acosta

 

 

De repente, suponde-me uma árvore.
Não dessas em que fazem ninho os pássaros
ou que vivem cercadas de atenções.
Uma árvore, sim, de que pendem
restos de ternura, folhas secas,
corações perdidos, versos
que a ninguém servem de consolo.
Feita e direita
uma árvore de sobras
a cuja sombra se abrigam as pessoas.
Uma bela árvore inútil
sem outro fruto senão ilusões.
Humana, ali à mão de semear.


(Trad. A.M.)

.

3.1.22

Miguel Torga (Instante)




INSTANTE

 

A cena é muda e breve:
Num lameiro,
um cordeiro
a pastar ao de leve;
Embevecida,
a mãe ovelha deixa de remoer;
E a vida
pára também, a ver.
 

Miguel Torga

 .

1.1.22

Jorge Luis Borges (Fim de ano)




FINAL  DE AÑO

 

Ni el pormenor simbólico
de reemplazar un tres por un dos
ni esa metáfora baldía
que convoca un lapso que muere y otro que surge
ni el cumplimiento de un proceso astronómico
aturden y socavan
la altiplanicie de esta noche
y nos obligan a esperar
las doce irreparables campanadas.
La causa verdadera
es la sospecha general y borrosa
del enigma del Tiempo;
es el asombro ante el milagro
de que a despecho de infinitos azares,
de que a despecho de que somos
las gotas del río de Heráclito,
perdure algo en nosotros:
inmóvil,
algo que no encontró lo que buscaba.


Jorge Luis Borges

[Marcelo Leites]

 


Nem o pormenor simbólico
de trocar um três por um dois,
nem essa metáfora inútil
de um ciclo que morre e outro que nasce,
nem o cumprimento de um processo astronómico
aturdem e solapam
o planalto desta noite
e nos obrigam a esperar
as doze irreparáveis badaladas.
A causa verdadeira
é a suspeita geral e enganosa
do enigma do Tempo;
é o assombro ante o milagre de,
apesar de infinitos acasos,
apesar de sermos gotas do rio de Heráclito,
algo perdurar em nós:
imóvel,
algo que não encontrou o que buscava.


(Trad. A.M.)


> Outra versão: F.P.Amaral

.