19.10.19

Rosario Castellanos (Agonia além do muro)





AGONIA FUERA DEL MURO



Miro las herramientas,
el mundo que los hombres hacen, donde se afanan,
sudan, paren, cohabitan.

El cuerpo de los hombres, prensado por los días,
su noche de ronquido y de zarpazo
y las encrucijadas en que se reconocen.

Hay ceguera y el hambre los alumbra
y la necesidad, más dura que metales.

Sin orgullo (¿qué es el orgullo? ¿Una vértebra
que todavía la especie no produce?)
los hombres roban, mienten,
como animal de presa olfatean,
devoran y disputan a otro la carroña.

Y cuando bailan, cuando se deslizan
o cuando burlan una ley o cuando
se envilecen, sonríen,
entornan levemente los párpados, contemplan
el vacío que se abre en sus entrañas
y se entregan a un éxtasis vegetal, inhumano.

Yo soy de alguna orilla, de otra parte,
soy de los que no saben ni arrebatar ni dar,
gente a quien compartir es imposible.

No te acerques a mí, hombre que haces el mundo,
déjame, no es preciso que me mates.
Yo soy de los que mueren solos, de los que mueren
de algo peor que vergüenza.

Yo muero de mirarte y no entender.


Rosario Castellanos

[Emma Gunst]




Olho as ferramentas,
o mundo que os homens fazem, em que se empenham,
suam, parem, coabitam.

O corpo dos homens, esmagado pelos dias,
sua noite de ronco e patada
e as encruzilhadas em que se reconhecem.

Há cegueira e a fome ilumina-os
e a necessidade, mais dura do que metal.

Sem orgulho (orgulho o que é? uma vértebra
que a espécie ainda não produz?)
os homens roubam, mentem,
farejam como predadores,
devoram e disputam ao outro a carniça.

E quando bailam, ou escorregam
ou fintam a lei, ou quando
se fazem ruins, sorriem,
abrem os olhos levemente, contemplam
o vazio a abrir-se-lhes nas entranhas
e dão-se a um êxtase vegetal, inumano.

Eu sou de alguma beira, de outra parte,
sou dos que não sabem dar nem tomar,
para quem partilhar não é possível.

Não te chegues a mim, homem que fazes o mundo,
deixa-me, não é preciso matares-me.
Eu sou daqueles que morrem sozinhos,
de algo pior que a vergonha.

Eu morro de te olhar e não entender.


(Trad. A.M.)

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