TESTAMENTO DE DUDAS
¿Que será de estos textos míos, tan ajenos,
el día que ya no esté para nombrarlos?
¿Quién recogerá del suelo los versos
cuando se deshoje el tiempo que me toca?
¿Calcularán mis descendientes unos improbables beneficios,
o negarán toda relación con este trilero de poemas
que sólo quiso meter la mano y la palabra bajo las faldas de la vida?
(y alguna vez lo hizo)
¿Disputarán mis amantes la provocación de una estrofa,
olvidando que amar es repetirse a uno mismo?
¿Organizarán un congreso de despechos y perdones
con los pechos al aire y las copas y las piernas en alto?
¿Lamentarán haber entregado sus favores a un autor
más preocupado del misterio de unas ingles
que del devenir de los mercados?
Por suerte no lo sabré. Por eso escribo. Por eso amo.
(...)
Carlos Salem
[El huevo izquierdo]
O que será destes meus escritos, tão alheios,
no dia em que eu já cá não esteja para os nomear?
Quem apanhará do chão os versos
quando se desfolhar o tempo que me cabe?
Farão contas meus herdeiros de alguns improváveis benefícios,
ou negarão qualquer relação com este batoteiro de poemas
que quis só meter a mão e a palavra por baixo das saias da vida
(e conseguiu às vezes)?
Disputarão meus amores a provocação de uma estrofe,
esquecendo que amar não é mais do que repetir-se a si mesmo?
Organizarão um congresso de despeitas e perdões
com o peito ao vento e copos e pernas ao alto?
Lamentarão ter concedido seus favores a um autor
mais interessado no mistério de certas virilhas
do que no futuro dos mercados?
Não chegarei a sabê-lo, felizmente.
Por isso escrevo.
Por isso amo.
(Trad. A.M.)
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