23.9.09

Alexandre O'Neill (Seios)









SEIOS






Sei os teus seios.
Sei-os de cor.



Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.



Vitoriosos já,
Mas não ainda triunfais.



Quem comparou os seios que são teus
(Banal imagem) a colinas?



Com donaire avançam os teus seios,
Ó minha embarcação!



Porque não há
Padarias que em vez de pão nos dêem seios
Logo p'la manhã?



Quantas vezes
Interrogaste, ao espelho, os seios?



Tão tolos os teus seios! Toda a noite
Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!



Quantos seios ficaram por amar?



Seios pasmados, seios lorpas, seios
Como barrigas de glutões!



Seios decrépitos e no entanto belos
Como o que já viveu e fez viver!



Seios inacessíveis e tão altos
Como um orgulho que há-de rebentar
Em desesperadas, quarentonas lágrimas...



Seios fortes como os da Liberdade
-Delacroix- guiando o Povo.



Seios que vão à escola p'ra de lá saírem
Direitinhos p'ra casa...



Seios que deram o bom leite da vida
A vorazes filhos alheios!



Diz-se rijo dum seio que, vencido,
Acaba por vencer...



O amor excessivo dum poeta:
"E hei-de mandar fazer um almanaque
da pele encadernado do teu seio"
(Gomes Leal)



Retirar-me para uns seios que me esperam
Há tantos anos, fielmente, na província!



Arrulho de pequenos seios
No peitoril de uma janela
Aberta sobre a vida.



Botas, botirrafas
Pisando tudo, até os seios
Em que o amor se exalta e robustece!



Seios adivinhados, entrevistos,
Jamais possuídos, sempre desejados!



"Oculta, pois, oculta esses objectos,
Altares onde fazem sacrifícios
Quantos os vêem com olhos indiscretos"
(Abade de Jazente)



Raimundo Lúlio, a mulher casada
Que cortejaste, que perseguiste
Até entrares, a cavalo, p'la igreja
Onde fora rezar,
Mudou-te a vida quando te mostrou
("É isto que amas?")
De repente a podridão do seio.



Raparigas dos limões a oferecerem
Fruta mais atrevida: inesperados seios...



Uma roda de velhos seios despeitados,
Rabujando,
A pretexto de chá...



Engolfo-me num seio até perder
Memória de quem sou...



Quantos seios devorou a guerra, quantos,
Depressa ou devagar, roubou à vida,
À alegria, ao amor e às gulosas
Bocas dos miúdos!



Pouso a cabeça no teu seio
E nenhum desejo me estremece a carne.



Vejo os teus seios, absortos
Sobre um pequeno ser




Alexandre O’Neill


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