17.2.09

Gonçalo M. Tavares (O adultério)









O ADULTÉRIO






A mulher hesita entre o adultério e uma conversa.
Percebo: na mesa fala baixo e sorri muito
para um homem que não é o seu marido.
Mas ainda há tempo. Por enquanto nada foi feito.
Os pensamentos, felizmente, são reversíveis.
A mulher ao sair do café
poderá ser atropelada: um embate violento, vamos supor.
Poderá, então, quem sabe, permanecer seis meses no hospital,
com o marido ao ledo, e revistas;
todos os dias no horário permitido.
E, se tal acontecer, esta mulher não será adúltera.
O homem que não é o seu marido tem um fato escuro,
uma gravata cinzenta atravessada por uma subtil linha branca.
Está contente consigo próprio, é evidente, e com a gravata.
Vejo-os sair do café. Despedem-se. Faço uma pausa,
suspendo os meus projectos e observo-a a
atravessar a rua para o outro lado.
Um carro passa a grande velocidade,
mas ela já se encontra no passeio, protegida.
Do outro lado diz adeus ao homem de fato escuro,
sorri muito, abana a mão com um movimento excitado.
Ela desaparece por um lado, ele pelo outro.
Encontrar-se-ão de novo: isso é certo. Num outro dia.
Num sítio menos óbvio.
De regresso a mim penso no que é o destino,
e no que é o tempo,
e sei, tenho uma certeza clara: aquela mulher vai sofrer.



Gonçalo M. Tavares


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