23.2.09

Vitorino Nemésio (Caçadores)









(Caçadores…)





Conhecia-se o tempo bom pelo madrugar das matilhas e pelo bater da bota cardada rente às bermas da estrada.

Um cheirinho a coiro e a cotim misturava-se ao relento das vendas acabadas de abrir.

Experimentando as culatras, os expedicionários baforavam as primeiras fumaças do dia, com que a esperança da morte desportiva prefigurava no ar imaginárias chumbadas.

A canzoada, sem precisão de trompa para acusar o alerta, vinha farejar os coelhos cruzados no melhor do dia: o momento da tensão da partida, em que todo o mundo parece um coelho pendurado pelas pernas.

E tudo se passava tão longe da mísera realidade da ilha sulcada de grutas semeadas de bosta seca e de galhaduras de reses outrora arrastadas no enxurro, que Tejo, Mondego, Lis (pegara a moda corográfica no chamadoiro dos cães) não eram rios regando uma pátria ancestral e nebulosa, mas perdigueiros legítimos lambendo as canelas de seus donos.



- VITORINO NEMÉSIO, Corsário das Ilhas, 1956, Histórias de Mateus Queimado (Um tiro falhado).


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