
O POETA
Trabalha agora na importação
     e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
     Podia ser um trabalhador
     por conta própria,
um desses que preenche
     cadernos de folha azul com
     números
de deve e haver. De facto, o que
     deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
     acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
     do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
     e exportar as nuvens.
     Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
     de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
     escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
     passa a caminho
     da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
     e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
     interrupção da morte.
Nuno Júdice
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