(Até que recomeça a chover...)
O frio é mortal e durante dias me persegue esta imagem cinzenta, feia e gelada.
Até que recomeça a chover, a chover de mansinho e nunca mais despega…
É então que eu gozo…
Aconchega-te e sonha.
Sonha à tua vontade, sem limites.
Acende a fogueira e ouve-a cantar lá fora, descer em enxurradas, passar em trombas com o vento e pingar dos beirais.
Esquece o mundo, esquece a vida e deixa-te reluzir por dentro como os troncos secos que ardem na lareira…
Agora é mansa e musical - bate devagarinho nas vidraças.
Há momentos em que me chama.
Ouço um grito ao longe…
Avança com arrancos e desperta-me…
Por fim o aguaceiro passa, as janelas sossegam - sch!... sch!... (Como tudo está calado!).
Fica um pingo que se não sabe donde cai, um som de flauta perdido entre os pinheirais solenes e distantes…
- RAUL BRANDÃO,
Memórias, III, Balanço à vida.
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