23.10.08

Raul Brandão (Até que recomeça a chover)






(Até que recomeça a chover...)




O frio é mortal e durante dias me persegue esta imagem cinzenta, feia e gelada.

Até que recomeça a chover, a chover de mansinho e nunca mais despega…

É então que eu gozo…

Aconchega-te e sonha.

Sonha à tua vontade, sem limites.

Acende a fogueira e ouve-a cantar lá fora, descer em enxurradas, passar em trombas com o vento e pingar dos beirais.

Esquece o mundo, esquece a vida e deixa-te reluzir por dentro como os troncos secos que ardem na lareira…

Agora é mansa e musical - bate devagarinho nas vidraças.

Há momentos em que me chama.

Ouço um grito ao longe…

Avança com arrancos e desperta-me…

Por fim o aguaceiro passa, as janelas sossegam - sch!... sch!... (Como tudo está calado!).

Fica um pingo que se não sabe donde cai, um som de flauta perdido entre os pinheirais solenes e distantes…



- RAUL BRANDÃO, Memórias, III, Balanço à vida.

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