2.4.08

Raul Brandão (A que se reduz a vida?)





A que se reduz afinal a vida?

A um momento de ternura e mais nada…

De tudo o que se passou comigo só conservo a memória intacta de dois ou três rápidos minutos.

Esses sim!

Teimam, reluzem lá no fundo e inebriam-me, como um pouco de água fria embacia o copo.

Só de pequeno retenho impressões tão nítidas como na primeira hora: ouço hoje como ontem os passos de meu pai quando chegava a casa; vejo sempre diante dos meus olhos a mancha azul ferrete das hidrângeas que enchiam o canteiro da parede.

O resto esvai-se como fumo.

Até as figuras dos mortos, por mais esforços que faça, cada vez se afastam mais de mim…



- RAUL BRANDÃO, Memórias, I, prefácio.
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