25.5.06
Aquilino Ribeiro (Curtiam um taró)
Quando voltava costas, os epicuristas metiam-se de novo na cama a gozar mais uns minutinhos de vale-de-lençóis.
A mil metros de altitude, não era sem custo, ainda no Verão, que nos decidíamos a deixar o quente.
O ar cortava.
Batiam os picotos da serra todas as auras do céu, sem uma árvore, pode-se dizer, que lhes quebrasse o gume.
Na mata que se avistava ao longe, os pinheiros pareciam pasmados.
Os pássaros, se queriam empoleirar-se para cantar, tinham que fazê-lo em cima dos penedos.
As manhãs, que por uma disposição benigna refloriam indefectivelmente divinais e brancas como açucenas sobre um ermo assim escalvado, ressudavam uma digna algidez polar a qualquer altura do ano.
Não obstante os coturnos de grossa lã caseira e a fatiota de surrobeco ou saragoça, na sala do estudo as dentuças tilintavam como matracas.
Alguns alunos, conquistados ao cheviote das terras urbanizadas, curtiam um taró que lhes punha a penugem do rosto mais crespa que palha de arame.
- AQUILINO RIBEIRO, Uma luz ao longe, IV.
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