11.5.06
Aquilino Ribeiro (O prefeito Saraiva)
(Ao descoser do povo...)
Ao descoser do povo, o Sr. Saraiva deitou olhos amorosos para a tapadinha de regadio e bouça, e carpiu-se.
A garotada não deixava coalhar dois pinhões naqueles seus pinheiros mansos.
O pior é que, a botar abaixo as pinhas, faziam o calcadoiro de cem potros no picadeiro.
Num raio de muitos metros não se salvava uma espiga.
A sua vontade era empalar ali um malandro — e de olhos muito fitos no Loio, a exemplificar, levava a mão à bunda, em seguida à boca — como se faz aos gaios nos campos de milho.
O natural do prefeito era macambúzio e não tardou que mergulhasse no pélago limoso de suas cogitações, trupe-trupe, escarrapachado na burrica.
Quando tornei a olhar para ele, ia esbagoando o rosário e bichanava, tocados os seus lábios do deslize imperceptível dos padre-nossos.
Dali em fora, sempre a subir, via-se uma aguilhada de semeadura por dez de fragoedo e baldio.
As messes começavam a apendoar, para não desmentirem o ditado: Em Março bota o centeio o plumaço, em Abril o penduril; com Junho, foicinha em punho.
Mais bonito que a folha, mostrava-se ainda o maninho, picado das primeiras lantejoilas dos tojos e com as giestas a derreterem-se em maias argênteas e amarelas, e era pena que não as houvesse vermelhas.
Mas pela terra alastrava o verde, o verde dos esplêndidos matizes, entre diáfano nos bosques e encarniçado no mato galego, e polifonicamente luxurioso.
E, onde as águas não cantavam, sussurravam, levadas numa ladainha de brancura, de socalco para socalco.
- AQUILINO RIBEIRO, Uma luz ao longe (abertura).
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