29.5.06

Corpo presente (18)













APRENDER






O essencial ninguém te pode ensinar.
Tens que aprender por ti.
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António Botto (Nunca te foram)





Nunca te foram ao cu
Nem nas perninhas, aposto!
Mas um homem como tu,
Lavadinho, todo nu, gosto!


Sem ter pentelho nenhum
com certeza, não desgosto,
Até gosto!
Mas... gosto mais de fedelhos.


Vou-lhes ao cu
Dou-lhes conselhos,
Enfim… gosto.


António Botto


Fonte (poema) / Mais poemas

Aqui, também

E aqui

Ali

E ali também


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26.5.06

Mário Quintana (Bilhete)





BILHETE




Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Mário Quintana





Biografia

Mario Miranda Quintana nasceu em Alegrete, em 30 de julho de 1906.
Tem na simplicidade um método e isso a faz despreocupado em relação à crítica, faz poesia porque "sente necessidade", segundo suas próprias palavras, e nelas encontramos uma desconcertante capacidade de síntese, elemento poético surpresa com que conquista a memória de seus leitores.
Em 1928 ingressou no jornal O Estado do Rio Grande.
Após ter participado da Revolução de 1930, mudou-se para o Rio de Janeiro, retornando em 1936 para a Livraria do Globo, em Porto Alegre, onde trabalhou sob a direção de Erico Verissimo.
Traduziu Charles Morgan, Rosamond Lehman, Lin Yutang, Proust, Voltaire, Virginia Woolf, Papini, Maupassant.
Em sua poesia há um constante travo de pessimismo e muito de ternura por um mundo que, parece, lhe é adverso.
Morre em 5-Maio-1994.



Fonte (poema) / Mais poemas / Entrevista

Fonte (biografia) / Outros poemas

Mais poemas ainda

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25.5.06

Aquilino Ribeiro (Curtiam um taró)






Quando voltava costas, os epicuristas metiam-se de novo na cama a gozar mais uns minutinhos de vale-de-lençóis.

A mil metros de altitude, não era sem custo, ainda no Verão, que nos decidíamos a deixar o quente.

O ar cortava.

Batiam os picotos da serra todas as auras do céu, sem uma árvore, pode-se dizer, que lhes quebrasse o gume.

Na mata que se avistava ao longe, os pinheiros pareciam pasmados.

Os pássaros, se queriam empoleirar-se para cantar, tinham que fazê-lo em cima dos penedos.

As manhãs, que por uma disposição benigna refloriam indefectivelmente divinais e brancas como açucenas sobre um ermo assim escalvado, ressudavam uma digna algidez polar a qualquer altura do ano.

Não obstante os coturnos de grossa lã caseira e a fatiota de surrobeco ou saragoça, na sala do estudo as dentuças tilintavam como matracas.

Alguns alunos, conquistados ao cheviote das terras urbanizadas, curtiam um taró que lhes punha a penugem do rosto mais crespa que palha de arame.



- AQUILINO RIBEIRO, Uma luz ao longe, IV.

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22.5.06

Corpo presente (17)






ÚLTIMO





Cada verso pode ser o último.
E tem que ser belo…


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Mário Rui de Oliveira (Lamento pela morte de S.João da Cruz)





LAMENTO PELA MORTE DE S. JOÃO DA CRUZ



Marcham
silenciosas
pelo fim da tarde
as últimas palavras
do amor



Mário Rui de Oliveira

Mais poemas



19.5.06

Fernando Assis Pacheco (A filha)






A FILHA




Ajudai-me a cantar a filha.
Preciso de cantar
esta alegria simples que se abate
sobre uns ombros mesquinhos.
És tu a baga vermelha;
e vou até ao fim da vida
sorvendo o teu sumo;
e quando tantas voltas
me ainda faltam
chegas tu para arrancar
de vez algumas torvas raízes
presas ao coração.


Agosto não me diz nada.
Luanda é uma luz de pedra.
E quanto aos versos
há-de vir outro tempo
certamente mais feliz, mais
limpo do que este
na Rua Bocage entre duras
acácias da Câmara.
Preciso de cantar a filha.


Ajudai-me a cantar
os baços, incertos olhos.
A mão direita apertada.
A nenhuma aflição
do seu peito manso.
Coisas que não entendo;
pergunto e não entendo,
sequer ouvia alguém.
Ajudai-me que estou
sentado e só, aflito
num banco da Restinga.


Luanda é a noite
despojada de estrelas.
Não merece esta filha.



Fernando Assis Pacheco

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17.5.06

Eugénio de Andrade (Adeus)






ADEUS




Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.


Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.


Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.


Adeus.



EUGÉNIO DE ANDRADE
Os amantes sem dinheiro

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15.5.06

Coitado do Jorge (14)






NA LOJA DAS MEIAS




A carga erótica mais pesada dos últimos seis meses foi quando a menina, ao balcão, me perguntou se eu queria experimentar...
Depois, acrescentou: - “As meias”.




(Dedicado a
Pedro Mexia…)

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14.5.06

Corpo presente (16)






QUESTÃO



Como devo escrever?
A lápis, para poder apagar?

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Maria do Rosário Pedreira (Não adormeças)






NÃO ADORMEÇAS




Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.


Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas mais húmidas e chãs
com que em casa se cozinhavam perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.


O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.



Maria do Rosário Pedreira



11.5.06

Aquilino Ribeiro (O prefeito Saraiva)










(Ao descoser do povo...)











Ao descoser do povo, o Sr. Saraiva deitou olhos amorosos para a tapadinha de regadio e bouça, e carpiu-se.

A garotada não deixava coalhar dois pinhões naqueles seus pinheiros mansos.

O pior é que, a botar abaixo as pinhas, faziam o calcadoiro de cem potros no picadeiro.

Num raio de muitos metros não se salvava uma espiga.

A sua vontade era empalar ali um malandro — e de olhos muito fitos no Loio, a exemplificar, levava a mão à bunda, em seguida à boca — como se faz aos gaios nos campos de milho.

O natural do prefeito era macambúzio e não tardou que mergulhasse no pélago limoso de suas cogitações, trupe-trupe, escarrapachado na burrica.

Quando tornei a olhar para ele, ia esbagoando o rosário e bichanava, tocados os seus lábios do deslize imperceptível dos padre-nossos.

Dali em fora, sempre a subir, via-se uma aguilhada de semeadura por dez de fragoedo e baldio.

As messes começavam a apendoar, para não desmentirem o ditado: Em Março bota o centeio o plumaço, em Abril o penduril; com Junho, foicinha em punho.

Mais bonito que a folha, mostrava-se ainda o maninho, picado das primeiras lantejoilas dos tojos e com as giestas a derreterem-se em maias argênteas e amarelas, e era pena que não as houvesse vermelhas.

Mas pela terra alastrava o verde, o verde dos esplêndidos matizes, entre diáfano nos bosques e encarniçado no mato galego, e polifonicamente luxurioso.

E, onde as águas não cantavam, sussurravam, levadas numa ladainha de brancura, de socalco para socalco.



- AQUILINO RIBEIRO, Uma luz ao longe (abertura).

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9.5.06

Jaime Sabines (Pensando bem)





PENSÁNDOLO BIEN




Me dicen que debo hacer ejercicios para adelgazar,
que alrededor de los 50 son muy peligrosos la grasa y el cigarro,
que hay que conservar la figura y dar la batalla al tiempo, a la vejez.


Expertos bien intencionados y médicos amigos me recomiendan
dietas y sistemas para prolongar la vida unos años más.
Lo agradezco de todo corazón, pero me río de tan vanas recetas
 y tan escaso afán.
(La muerte también ríe de todas estas cosas.)


La única recomendación que considero seriamente es la de buscar
mujer joven para la cama, porque a estas alturas, la juventud sólo
puede llegarnos por contagio.



Jaime Sabines






Dizem-me que faça exercício para emagrecer,
que à volta dos 50 a gordura e o cigarro são muito perigosos,
que é preciso manter a linha e lutar contra o tempo e a velhice.


Peritos bem intencionados e médicos amigos recomendam-me
dietas e esquemas para prolongar a vida alguns anos mais.


Agradeço de todo o coração, mas rio-me de receitas tão vãs
e tão inútil afã.
(E a morte ri-se também de tudo isso.)


A única recomendação que encaro seriamente é a de buscar
mulher jovem para a cama, porque nestas alturas da vida
a juventude já só por contágio.



(Trad. A. M.)


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8.5.06

Coitado do Jorge (13)







SMS




Estou morto por te ver
- Como um astrónomo apaixonado
que tivesse sido operado à vista…


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7.5.06

Fernando Assis Pacheco (Animais de fogo)





ANIMAIS DE FOGO (*)




Um dia
o homem é posto à prova, interrogado
pelas areias moventes;
desaba sobre ele a tempestade
que o quer afogar.
Cautela com os animais de fogo!


Passou o tempo da viola.
Também não aceito cantar as Índias
mentirosas. Segue carta
explicando como a paz começa.


Há sempre um barco para embarcar,
um pé de videira para a sede.
No ano mais desabrigado da minha vida
não posso deixar que a tristeza
sujeite estes versos. Não quero deixar.


Eu estou quase a nascer outra vez
após alguns tropeços e febres malignas,
estou na margem florida do meu continente.


Não posso, não quero, não me vou deixar
transformar num poeta azedo.



Fernando Assis Pacheco




(*) Há uma outra versão primitiva, em "Cuidar dos Vivos" (1963).


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6.5.06

Miguel Torga (Bucólica)

                                              




BUCÓLICA




A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;


De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;


De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.


Miguel Torga


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Corpo presente (15)





PROGRAMA



Quanto menos eu te pedir
menos tu me negarás…


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4.5.06

Gabriel Celaya (Biografia)






BIOGRAFÍA




La vida que murmura. La vida abierta.
La vida sonriente y siempre inquieta.
La vida que huye volviendo la cabeza,
tentadora o quizá, sólo niña traviesa.
La vida sin más. La vida ciega
que quiere ser vivida sin mayores consecuencias,
sin hacer aspavientos, sin históricas histerias,
sin dolores trascendentes ni alegrías triunfales,
ligera, sólo ligera, sencillamente bella
o lo que así solemos llamar en la tierra.


GABRIEL CELAYA
Penúltimos poemas
(1982)






A vida que murmura. A vida aberta.
A vida sorridente e sempre inquieta.
A vida que foge, virando a cabeça,
tentadora ou, talvez, apenas miúda travessa.
A vida sem mais. A vida cega,
que quer ser vivida sem maiores consequências,
sem espaventos, sem históricas histerias,
sem dores transcendentes nem alegrias triunfais,
ligeira, apenas ligeira, simplesmente bela
ou lá como soi dizer-se na terra.


(Trad. A.M.)



Biografía
Rafael Múgica, nombre real del poeta español, nació en Hernani, Guipúzcoa en 1911.
Presionado por su padre, se radicó en Madrid donde inició sus estudios de Ingeniería y trabajó por un tiempo en la empresa familiar.
Conoció allí a los poetas del 27 y a otros intelectuales que lo inclinaron hacia el campo de la literatura, dedicándose desde entonces por entero a la poesía.
En 1947 fundó en San Sebastián, con su inseparable Amparo Gastón, la colección de poesía «Norte».
Obtuvo en 1956 el Premio de la Crítica por su libro «De claro en claro», al que siguieron entre otros, «Plural» 1935, «Cantos Íberos» 1955, «Casi en prosa» 1972, «Buenos días, buenas noches» 1976 y «Penúltimos poemas» en 1982.
En 1986 recibió el Premio Nacional de las Letras Españolas.
Falleció en 1991.



Fonte (poema) / Mais poemas

Biografia / Outros poemas

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Coitado do Jorge (12)






DESGOSTO





Pode chorar-se no blogue?
E o blogue?
Não encolhe?




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2.5.06

Um verso (14)






Um verso de Cesário
(Verde, dois, bem medidos):





“Teus olhos dizem mais
que muitas bibiotecas”.


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1.5.06

Corpo presente (14)

                               




MAXIMÁRIO-II





1
Só quem procura encontra.


2
Não buscar nunca uma razão
para aquilo que acontece.
Há sempre uma mão cheia delas.


3
O segredo está na ordem das coisas.
Só entende estas quem descobre aquela.


4
As coisas são como são,
não como se quer que elas sejam.
Está perto da verdade quem tal alcança.


5
Nunca dizer a verdade toda,
não dizê-la nunca toda de uma só vez.


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