18.1.07

Pablo Neruda (Poema 5 - Para que me oiças)






Para que me oiças
minhas palavras adelgaçam-se às vezes
como o rasto das gaivotas na praia.


Colar, ébrio cascavel
para tuas mãos suaves como uvas.


E miro-as, longínquas, minhas palavras.
Mais que minhas são tuas.
E trepam pela minha dor como a hera.


Elas trepam assim pelas paredes húmidas.
És tu a culpada desta brincadeira sangrenta.


Elas estão fugindo do meu abrigo escuro.
Tudo preenche-lo tu, tudo tu preenches.


Povoaram antes de ti a solidão que ocupas,
e estão mais do que tu acostumadas à minha tristeza.


Agora quero que digam o que quero dizer-te
para que tu as oiças como quero que me oiças.


O vento da angústia costuma arrastá-las.
E às vezes derrubam-nas furacões de sonhos.


Outras vozes escutas na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nesta onda de angústia.


Mas vão-se tingindo com o amor minhas palavras.
Tudo ocupa-lo tu, tudo ocupas.


Vou fazendo de todas um colar infinito
para tuas brancas mãos, suaves como uvas.



Pablo Neruda


(Trad. A. M.)


Original: Corte-na-aldeia
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