23.12.25

António Cabral (Sabrosa)




SABROSA

 

Canta o cuco nos campos de Sabrosa.
O ar fino vibra como um pandeiro.
O ano vai seco. Tempo é
de soltar os cães nos olhos das raparigas.


António Cabral

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21.12.25

Pedro Flores (Assim passava)

 



ASÍ PLANCHABA QUE YO LA VI


Cuántos pantalones
hubo de planchar aquella mujer
para que sus hijos tuvieran unos pantalones
que le dejaban los viernes
en el cesto de la ropa por planchar.
Pareciera que las arrugas
de los pantalones que planchaba
le trepaban por los brazos
y se alojaban para siempre en su rostro.
La muerte la encontró planchando
en el cuartito de la radio,
rociando con agua tibia pantalones ajenos
como una sacerdotisa bendiciendo
las piernas de un ejército invisible.
Y ahí debe de estar todavía,
nadie ha abierto la puerta desde entonces.
Ella no pudo acompañar a la muerte.
Le quedaba aún mucha ropa por planchar.

Pedro Flores

 

Quantas calças
aquela mulher teve de passar
para os filhos terem calças
que lhe deixavam à sexta
no cesto da roupa a passar.
Parecia que as gelhas
das calças que passava
lhe trepavam pelos braços
e se lhe alojavam no rosto.
A morte veio encontrá-la a passar
no quartito do rádio,
a borrifar calças alheias com água morna
como uma sacerdotisa a benzer
as pernas de um exército invisível.
E lá deve estar ainda,
ninguém abriu aquela porta desde então.
Ela não pôde acompanhar a morte,
ainda tinha muita roupa para passar.


(Trad. A.M.)

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20.12.25

Antonio Porchia (Vive-se na esperança)




Se vive con la esperanza de llegar
a ser un recuerdo.


Antonio Porchia



Vive-se na esperança de vir
a ser uma lembrança.


(Trad. A.M.)


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18.12.25

Andrea Cohen (Sem lua, mas)

 



NO MOON, BUT

 

I Knew it was
the beekeeper

who touched me,
not because she

tasted of honey,
but because she

was unafraid
of being stung.


Andrea Cohen

  

Soube que fora
a apicultora

que me tocara,
não porque ela

soubesse a mel,
mas porque

não tivera medo
de ser picada.


(Trad. FJCC)

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16.12.25

Antonio Gamoneda (Sinto o crepúsculo)

 



Siento el crepúsculo en mis manos.
Llega a través del laurel enfermo.
Yo no quiero pensar ni ser amado
ni ser feliz ni recordar.

Sólo quiero sentir esta luz en mis manos
y desconocer todos los rostros
y que las canciones dejen de pesar en mi corazón
y que los pájaros pasen ante mis ojos
y yo no advierta que se han ido.

Hay grietas y sombras en paredes blancas
y pronto habrá más grietas y más sombras
y finalmente no habrá paredes blancas.

Es la vejez.
Fluye en mis venas como agua atravesada por gemidos. Van
a cesar todas las preguntas. Un sol tardío
pesa en mis manos inmóviles y a mi quietud
vienen a la vez suavemente, como una sola sustancia,
el pensamiento y su desaparición.

Es la agonía y la serenidad.
Quizá soy transparente y ya estoy solo sin saberlo.
En cualquier caso, ya
la única sabiduría es el olvido.
 

Antonio Gamoneda 

 

Sinto o crepúsculo nas mãos,
chegando através do cravo doente.
E eu não quero pensar, nem ser amado,
nem ser feliz, nem recordar. 

Quero só sentir esta luz nas mãos
e desconhecer os rostos
e que as canções deixem de pesar-me no coração
e os pássaros me passem diante dos olhos
sem eu dar conta de que se foram. 

Há fendas e sombras nas paredes brancas
e breve haverá mais sombras e fendas
até deixar de haver paredes brancas. 

É a velhice.
Corre-me nas veias como água
atravessada por gemidos.
Cessarão as perguntas todas. Um sol tardio
pesa-me nas mãos imóveis, enquanto
o pensamento e a sua negação invadem,
à uma, a minha quietude. 

É a agonia e a serenidade.
Sou talvez transparente e já estou só, sem saber.
Em qualquer caso, há uma só sabedoria,
a do esquecimento.
 

(Trad. A.M.)

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15.12.25

Antonio Fernández Lera (Viver pior)

 



(48)

 

Viver pior
Sofrer mais
Dizê-lo
Não dizer
 

ANTONIO FERNÁNDEZ LERA
Poemas lentos 
(2012-18)
 

(Trad. A. M.)

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13.12.25

Amadeu Baptista (Faca)

 



FACA 

 

Vou constituir-te arguida
pelo assassinato dos meus sonhos.
O êxtase consentia-te
juras de amor, mas a verdade 

é que o amor é coisa ilimitada
e tu premeditavas dar-me
ao abandono, mais dia
menos dia. Aberta uma romã 

o mais que se consente
é usufruir dos brilhos que ela dá 
e agradecer ao templo escarlate  

em que nos foi permitido entrar. 
E não este desgosto, esta faca malsã 
que marca a tua ausência na minha pele.
 

Amadeu Baptista 

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