30.10.06

Cristóvão de Aguiar (A alegria que me alaga o íntimo)






A alegria que agora me alaga o íntimo por não ter ainda nesse tempo pousado a morte no limiar de ladrilho de nossa casa!

Pouco ou nenhum sentido se deitava a estas súbitas reinvenções de uma ternura serôdia.

As palavras eram apenas pedaços de pão ou pedras esquinadas que eu atirava, rasantes e zunindo, aos gargalos das galinhas sem culpa que debicavam contra as paredes revestidas de coucelos.

Ficavam desmaiadas até lhes mergulhar o pescoço bambo na selha de água para virem a si.

Não usavam ainda as palavras a máscara e os disfarces do entrudo da sintaxe.

Possuíam o chão de terra estrumado e conjugavam-se na alegria fundamental do verbo crescer — saboroso mistério de silenciosa seiva subindo, subindo.

Eram a casa terreira juncada de caruma e rescendendo a resina e a maresia.

Nelas se instalava o forno do pão, inchado de labaredas, que o esborralhadouro embandeirado na ponta com trapos escorrendo percorria como um falo florescente.

Não poderia nelas, palavras, caber a morte, esse substantivo subentendido de coisa nenhuma.



- CRISTÓVÃO DE AGUIAR, O fruto e o sonho, 1.ª parte, cap. II, abertura, da trilogia Raiz Comovida.

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