(Recado)
Às golfadas de magma que o vulcão da memória foi expelindo em dias e noites de tragédia e terramoto dei o nome de
Vindima de Fogo.
Uma ilha de palavras foi a pouco e pouco aflorando à superficie enegrecida das águas em fervedouro. Aqui está ela, já fria e apagada, com suas crateras tranquilas, cobertas de junça e bagacina, tão longe e diferente da erupção que lhe deu origem.
Que me perdoe a outra ilha, a ilha-mulher que recolhi à sombra do sangue no princípio do tempo e se estendeu para todo o sempre nos meus sonhos e pesadelos. É nela que vou mergulhando a pena e estas minhas raízes sem chão para lhe implorar uma gota de água e de frescura.
Ficou escrito que serei sempre um vagabundo interior, procurando a ilha-mulher nas coordenadas morrinhentas do meu corpo insulado. Entrego-te todavia este coágulo de sonho dia a dia estrangulado e fielmente reacendido. Toma-o em tuas mãos basálticas e, se sentires o rumor distante de uma erupção pretérita, empresta-lhe um pouco do teu fogo ainda não vindimado.
- CRISTÓVÃO DE AGUIAR,
Vindima de fogo, abertura, da trilogia
Raiz Comovida.
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