(E vai uma...)
O dia de cozedura de vavó Luzia calhava sempre à sexta-feira.
O chão da cozinha, revestido de tijolos vermelhos e que nos outros dias da semana se podia varrer com a língua, ficava, nesse dia, num verdadeiro esparrame: os molhos de lenha de ramada e de tremoceiros atados com um baraço de tabuga e emedados ao pé do talhão da água, os alguidares de barro da Vila em cima da amassaria com a massa levedando que era um louvar a Deus - ela nunca se esquecia de a benzer e encomendar no fim da amassadura, ao acrescentar-lhe o fermento - e vavó, lenço pela testa e amarrado atrás na nuca, a cova-do-ladrão, numa dobadoira viva, as faces tintas do lume, ora tendendo o pão já lêvedo, ora botando lenha no forno para o esquentar.
Todas as manhãs que Nosso Senhor botava ao mundo, no meu caminho para a escola do senhor professor Anacleto, o
Caniço, por ser acrescentado em tamanho e escanzelado de carnes, era certo como a Igreja que tinha paragem obrigatória na tenda do meu avô José dos Reis, à ilharga da casa.
Pedia-lhe a bênçao, vavô subença, Deus te abençoe, meu rico home, e, enquanto o dianho esfregava um olho e coçava o rabo pelado, dava meia volta pelas traseiras e ia ter à cozinha, onde era milagre não se encontrar vavó Luzia na lida das panelas, da lavagem ou do pão.
- CRISTÓVÃO DE AGUIAR,
A semente e a seiva, cap. I, abertura, da trilogia
Raiz Comovida.
.