31.8.13

Hilda Hilst (Dizeis que tenho vaidades)





Dizeis que tenho vaidades.
E que no vosso entender
Mulheres de pouca idade
Que não se queiram perder

É preciso que não tenham
Tantas e tais veleidades.

Senhor, se a mim me acrescento
Flores e renda, cetins,
Se solto o cabelo ao vento
É bem por vós, não por mim.

Tenho dois olhos contentes
E a boca fresca e rosada.
E a vaidade só consente
Vaidades, se desejada.

E além de vós
Não desejo nada.


Hilda Hilst


[Arte livre]

.

30.8.13

Jenaro Talens (Algo vai acontecer)





ALGO VA A SUCEDER



La muerte es como el sueño,
parecida a ti:
no puede ser pensada.
Abro los ojos y amanece el día.
No hay obsesión impune, ni fantasmas
que la luz no devore
sin más imperio que su voluntad,
ni otro poder que el sol que nos despoja.
Cómo olvidar que fuimos lo innombrado,
lo que negaba oscuridad a un mundo
hecho, como tú y yo, de sueños rotos.
No, no duermas. El pájaro del alba
dice que ayer no existe. No hay memoria,
ni significa nada. Sólo, mira
esta pasión que nos acoge, que
ha estallado, de pronto, insobornable,
como las ganas de vivir.

Jenaro Talens



A morte é como um sonho,
parecida contigo,
não pode ser pensada.
Abro os olhos e o dia amanhece.
Não há obsessão impune, nem fantasmas
que a luz não devore
sem mais império que a sua vontade,
nem outro poder senão o sol que nos despoja.
Como olvidar que fomos o não nomeado,
o que negava escuridão a um mundo
feito de sonhos desfeitos, como tu e eu.
Não, não durmas. O pássaro da aurora
diz que ontem não existe. Não há memória,
nem significa nada. Apenas, vê,
esta paixão que nos cinge, que
explodiu, de repente, incontornável,
como a gana de viver.

(Trad. A.M.)



>>  A media voz (32p) / Wikipedia

.

29.8.13

Herberto Helder (Não compreendo nada)





Até quando pode a memória, e quanto pode, sou o actor e o espectador cúmplice de uma vida perturbada, dramática e irónica.

O pouco que percebo dessa massa teatral caótica pode inscrever-se na pauta de uma interpretação menor.

Não compreendo nada.


- HERBERTO HELDER, Photomaton & vox (Photomaton), 2006.

.

María Belén Aguirre (No dia em que meu pai)





El día en que mi padre nos abandonó por primera vez,
ella me dijo:
“-María, venga. Tenemos que hablar”.
Puso un sillón en la galería.
Me sentó sobre sus piernas.
Me miró.
“-Ahora Ud. es el hombre de la casa”, me dijo.

Asentí.


María Belén Aguirre




No dia em que meu pai nos abandonou da primeira vez,
ela disse para mim:
- “Maria, vem cá, temos de falar”.
Puxou um cadeirão,
sentou-me no colo
e fitou-me.
- “Tu, agora, és o homem da casa” – disse-me.

E eu assenti.

(Trad. A.M.)

.

28.8.13

Valter Hugo Mãe (A natureza revolucionária da felicidade)





A NATUREZA REVOLUCIONÁRIA DA FELICIDADE



quem deixou sobre o coração
um feixe de luz
não cega nunca



VALTER HUGO MÃE
Contabilidade
Poesia 1996-2010
Alfaguara (2010)

.

27.8.13

María Sanz (Lucidamente triste)





LÚCIDAMENTE TRISTE



Marcada con el signo de las horas,
juiciosamente loca
dentro de una razón en cuarentena,
vienes a ser distinta
tras esos avatares que te arrastran.
Ningún minuto crece,
se transforma
tal vez como la idea sumergida
cuya derivación te da motivos
para sobrevivir entre dos aguas.
Liberada por todos los silencios,
lúcidamente triste
en medio de un destino por entregas,
vienes a ver tu sombra
tras esas claridades que no eclipsan.
Ningún instante fluye,
se dilata
quizá como el amor desposeído,
cuya verdad exige
cercarse y escapar al mismo tiempo.

María Sanz

[Poeta María Sanz]



Marcada com o signo das horas,
judiciosamente louca
dentro de uma razão de quarentena,
vens a ser diferente
com esses avatares que te arrastam.
Nenhum minuto cresce,
transforma-se
talvez como ideia submersa
cuja derivação te dá motivos
para sobreviver entre duas águas.
Liberada pelos silêncios,
lucidamente triste
a meio de um destino em prestações,
vens olhar a tua sombra
atrás de claridades que não eclipsam.
Nenhum instante corre,
dilata-se
quiçá como o amor despossuído,
cuja verdade exige
chegar-se e fugir ao mesmo tempo.

(Trad. A.M.)

.

26.8.13

Um verso (123)





Um verso de Rosa
(Rosa homem, já se vê):



Oiço os murmúrios do sol. Saboreio o que sou



António Ramos Rosa

.

Manuel Moya (De tudo, tudo)





De entre todo, quisiera la riqueza.
Sí, ser rico. Silbar, tenerlo todo,
de nada preocuparme,
mirar al cielo y decidir: “es mío el cielo,
mía la nube, ese color, esas calandrias”.
Que todo fuera mío, así la tarde
y la mano que ha lanzado el pedrusco,
mío todo, mío todo hasta caer exhausto de riqueza,
hasta molerme la espalda y los labios de riqueza,
hasta que el riñón y las uñas me estallen de riqueza.
Rico, sí,
como a su manera lo es la nieve o lo es la nutria,
rico hasta quedar exánime,
sin nada que decir, hasta que me arda el cuerpo,
tan rico como el clavo de una puerta,
como la luna tras el álamo,
o la garceta que remonta el agua
con un pececillo plateado,
rico y que al salir de casa todos me señalen:
ahí va él, tan ricamente como el pájaro
que cruza las altas cordilleras
y viene a anidar junto al Gran Río.
Quiero ser rico, muy muy rico,
que hasta me enferme ser tan rico,
que hasta me avergüence ser tan rico,
que todo me sobre, que prescinda de todo,
que nada me fuerce, que ante nada me incline,
que agradezca un mendrugo
mucho más que un diamante.

Manuel Moya


[Nodo 50]



De tudo, tudo, queria a riqueza.
Sim, ser rico. Assobiar, ter tudo,
não me preocupar com nada,
olhar para o céu e dizer: “é meu o céu,
minha a nuvem, aquela cor, as calhandras”.
Que tudo fosse meu, a tarde
e a mão que lançou a pedra,
tudo meu, tudo até tombar exausto de riqueza,
até me racharem de riqueza as costas e os lábios,
até rebentarem de riqueza as unhas e o rim.
Rico, sim,
como o são a seu modo a neve ou a lontra,
rico até ficar sem tino,
sem nada que dizer, até o corpo me arder,
tão rico como o prego de uma porta,
como a lua por trás do álamo,
ou a garça que levanta da água
com um peixinho prateado,
rico e que ao sair de casa todos me apontassem:
ali vai ele, tão ricamente como o pássaro
que atravessa as altas cordilheiras
e vem fazer ninho ao pé do Grande Rio.
Quero ser rico, muito muito rico,
até cair doente de tão rico,
até me envergonhar de ser tão rico,
que tudo me sobeje e prescinda de tudo,
que nada me force, não me incline ante nada,
que agradeça uma côdea de pão
bem mais do que um diamante.

(Trad. A.M.)

.

25.8.13

Ruy Belo (Emprego e desemprego do poeta)





EMPREGO E DESEMPREGO DO POETA



Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
ou no surdo verão as manhãs de domingo
Não lhe digais que é mão-de-obra a mais
que o tempo não está para a poesia

Publicar versos em jornais que tiram milhares
talvez até alguns milhões de exemplares
haverá coisa que se lhe compare?
Grandes mulheres como semiramis
públia hortênsia de castro ou vitória colonna
todas aquelas que mais íntimo morreram
não fizeram tanto por se imortalizar

Oh que agradável não é ver um poeta em exercício
chegar mesmo a fazer versos a pedido
versos que ao lê-los o mais arguto crítico em vão procuraria
quem evitasse a guerra maiúsculas-minúsculas melhor
Bem mais do que a harmonia entre os irmãos
o poeta em exercício é como azeite precioso derramado
na cabeça e na barba de aarão

Chorai profissionais da caridade
pelo pobre poeta aposentado
que já nem sabe onde ir buscar os versos
Abandonado pela poesia
oh como são compridos para ele os dias
nem mesmo sabe aonde pôr as mãos


Ruy Belo


[A Poesia das Palavras]

.

24.8.13

Luis Alberto de Cuenca (Noite de ronda)





NOCHE DE RONDA


En otro tiempo hubieras empleado la noche
en hablarle de libros y de viejas películas.
Pero ya eres mayor. Ahora sabes que a ellas
les aburren los tipos llenos de nombres propios,
que tu bachillerato les tiene sin cuidado.
De modo que le dejas tomar la iniciativa,
desconectas y finges que escuchas sus historias,
que invariablemente -recuerdas de otras veces-
versan sobre el amor, los viajes, la dietética,
su familia, el verano, la buena forma física,
el más allá, las drogas y el arte postmoderno.
De cuando en cuando asientes, recorriendo sus ojos
con los tuyos, rozando levemente sus muslos,
y elevas a los cielos una angustiosa súplica
para que aquella farsa termine cuanto antes.
Pasarán, sin embargo, todavía unas horas
hasta que, ebria y afónica, se abandone en tus brazos
y obtengas la victoria pírrica de su cuerpo,
que, pese a los asertos de tres o cuatro amigos,
será muy poca cosa. Y, cuando esté dormida,
saldrás roto a la calle en busca de una taza
de café gigantesca, maldiciendo las copas
que arruinaron tu hígado en la estúpida noche
y pensando que, al cabo, merece más la pena
no comerse una rosca y hablarles de tus libros,
amargarles la vida con Shakespeare y con Griffith.
O buscarse una sorda para que nada falte.

Luis Alberto de Cuenca



Noutros tempos levarias a noite
a falar-lhe de livros e de filmes antigos.
Mas estás velho. Agora sabes que elas
aborrecem tipos cheios de nomes próprios,
que o teu curso lhes é indiferente.
De modo que deixa-la tomar a iniciativa,
desligas e finges que lhe ouves as histórias,
versando invariavelmente – lembras
de outras vezes – sobre o amor, as viagens, a dietética,
a sua família, o verão, a boa forma física,
o Além, as drogas e a arte pós-moderna.
De vez em quando assentes, percorrendo-lhe os olhos
com os teus, roçando-lhe levemente a carne,
e elevas ao céu uma súplica angustiosa
para que a farsa termine quanto antes.
Passarão, contudo, ainda algumas horas
até que, ébria e afónica, ela se abandone a teus braços
e tu obtenhas a vitória pírrica de seu corpo,
aliás coisa pouca, apesar das juras de
três ou quatro amigos. Uma vez adormecida,
sairás para a rua estafado buscando uma taça
de café gigantesca, amaldiçoando os copos
que te arruinaram o fígado nessa estúpida noite,
e pensando, ao cabo e ao resto, que mais vale
não comer uma regueifa, nem falar-lhes dos teus livros,
nem amargar-lhes a vida com Shakespeare ou Griffith.
Ou então melhor será arranjar uma surda
para não faltar nada.

(Trad. A.M.)

.

23.8.13

Olhar (125)









Fajã da Caldeira de Santo Cristo

(S. Jorge)

.

Patricio Rascón (Três paus)





TRES PALOS


Una dolencia crónica
Libró a mi mujer de algo tan abominable
O más
Que la enfermedad

El trabajo

Que dignifiquen esa palabra
Todo lo que quieran
Los ignorantes
Y los interesados en que la ignominia prevalezca

Pero
El sustantivo trabajo
Viene del verbo trabajar
Y ese vocablo procede
del latín tripaliare

Tripaliare viene de tripalium

Tripalium era un yugo con tres palos
En los cuales se amarraban a los esclavos
No para cubrirlos de dignidad
Sino para azotarlos


Patricio Rascón


[El baul de calzas largas]



Uma doença crónica
livrou minha mulher de algo tão abominável
ou mais
que a enfermidade

O trabalho

Que dignifiquem essa palavra
quanto quiserem
os ignorantes
e os interessados em que prevaleça
a ignomínia

Mas
o substantivo ‘trabalho’
vem do verbo ‘trabalhar’
e tal vocábulo procede
do latim ‘tripaliare’

‘Tripaliare’ vem de ‘tripalium’

‘Tripalium’ era um jugo com três paus
onde se amarravam os escravos
não para cobri-los de dignidade
mas para os açoitar


(Trad. A.M.)

.

22.8.13

Pedro Tamen (Washington, D.C.)





(Washington, D.C.)


Como um velho como um cão
sentado num parque frente aos desportistas
ressentindo Pessoa o Campos como ele
como um velho como um cão
sentado num parque ao sol
a não pensar em nada ou repensando
as coisas sem interesse e sem razão


Deixar correr o tempo sem memória
entre memoriais de tudo quanto houve
valendo-me assim do que os outros lembram
para nada lembrar não tanto
como um velho sentado num parque:
como um cão.


Pedro Tamen


[Acontecimentos]

.

21.8.13

Karmelo C. Iribarren (Ao cair do sol)





AL CAER EL SOL



Nunca lo he visto antes,
pero conozco
a ese hombre.
(Si me acercase,
distinguiría en sus ojos
ese brillo gastado,
como sin vida,
que tanto me recuerda, por cierto,
a los oficinistas
de mi infancia).
Pronto
se llevará la cerveza a los labios,
le dará un sorbo,
y volverá a dejarla
suavemente sobre la barra.
Sin prisa. No la hay. No le hace falta.
Nada nuevo va a ocurrir
y lo sabe. Se encuentra
más allá de la esperanza,
en su perpetuo
atardecer.

Conozco a ese hombre, sí,
y me da miedo.

A veces, de madrugada,
poco antes de acostarme, me mira
desde el espejo.


KARMELO C. IRIBARREN
Atravesando la noche
(2009)




Nunca o vi antes,
mas conheço
esse homem
(Se me chegasse,
distinguiria em seus olhos
esse brilho gasto,
como que sem vida,
que tanto me lembra, por certo,
os escriturários
da minha infância).
Vai levar
a cerveja aos lábios,
dará um gole
e voltará a pô-la
suavemente sobre o balcão.

Sem pressa. Não há. Não precisa.
Não vai acontecer nada de novo
e ele sabe-o. Encontra-se
para além da esperança
em seu perpétuo
entardecer.

Conheço esse homem, sim,
e faz-me medo.

Às vezes, de madrugada,
antes de me deitar, olha-me
lá do fundo do espelho.


(Trad. A.M.)

.

20.8.13

Olhar (124)







(Campos de Coimbra)


.

Javier Lasheras (Aviso à navegação)





AVISO PARA NAVEGANTES



Que sepan también
quienes, con la venda en los ojos,
confunden el amor con una mirada
de amistad y caricias de cama,
que a cambio de esta afrenta
obtendrán mil veces multiplicada
la ira de todos los amantes.
El amor nunca transita
los caminos de lo posible.

Javier Lasheras



Quem, de venda nos olhos,
confunde o amor com um olhar
de amizade e carícias de cama,
saiba que em paga da afronta
receberá multiplicada por mil
a ira dos amantes.
O amor nunca anda
pelos caminhos do possível.

(Trad. A.M.)




>>  Portal de poesia (40p) / Javier Lasheras (blogue) / Poetas sigl.XXI (6p)

.

18.8.13

Josep M. Rodríguez (Não ainda)




AÚN NO


No te vayas aún, quédate un rato.
El día nace para destruirse,
y nuestra juventud es el periódico
de ayer.

Amanece conmigo.
Deja que sea la presa la que defina al cazador
y que este instante valga
por cualquier otro instante.

El sol es una broca
de luz:
se abre paso,
no nos necesita.

Si te quedas conmigo,
emergeremos juntos de la noche
igual que el tallo brota de lo oscuro:
Cada vez más fuertes.

No te vayas aún
y quédate conmigo:

Escucharemos cómo
ola
a ola
tartamudea el mar,
como aprendiendo a pronunciar tu nombre.

Josep M. Rodríguez

[Apología de la luz]



Não te vás ainda, fica um pouco.
O dia nasce para desfazer-se
e a juventude nossa é assim
o jornal de ontem.

Amanhece comigo.
Deixa ser a presa a definir o caçador
e que este instante valha
por outro qualquer instante.

O sol é uma broca de luz,
fura, abre passagem,
não precisa de nós.

Se ficares comigo,
juntos da noite emergiremos,
assim como o talo brotando do escuro:
Cada vez mais fortes.

Não te vás ainda,
fica comigo:

Escutaremos o mar,
como tartamudeia,
onda
a onda,
como que aprendendo a pronunciar teu nome.

(Trad. A.M.)


> Outra versão: O melhor amigo

.

17.8.13

Murilo Mendes (O poeta futuro)





O POETA FUTURO



O poeta futuro já se encontra no meio de vós,
Ele nasceu da terra
Preparada por gerações de sensuais e místicos:
Surgiu do universo em crise, do massacre entre irmãos,
Encerrando no espírito épocas superpostas.
O homem sereno, a síntese de todas as raças, o portador da vida
Sai de tanta luta e negação, e do sangue espremido.

O poeta futuro já vive no meio de vós
E não o pressentis.
Ele manifesta o equilíbrio de múltiplas direções
E não permitirá que logo se perca,
Não acabará de apagar o pavio que ainda fumega,
Transformando o aço da sua espada
Em penas que escreverão poemas consoladores.

O poeta futuro apontará o inferno
Aos geradores de guerra,
Aos que asfixiam órfãos e operários.


Murilo Mendes

[Luz & sombra]


.

16.8.13

Josefa Parra (Os lugares marcados)




LOS LUGARES MARCADOS



Los lugares marcados donde casi te tuve.
Una playa encendida a orillas del verano,
una mesa en un bar, un alero de sombra,
un camino de tierra oscurecido y solo
donde creció el deseo como una hierba amarga.
Tengo un mapa aprendido de memoria, un pequeño
mapa (apenas tamaño de una gota de lluvia)
señalado con cruces rojas igual que besos.


JOSEFA PARRA
Alcoba del água
(2002)



Os lugares marcados onde quase te tive.
Uma praia acesa nas margens do Verão,
uma mesa dum bar, um beirado de sombra,
um caminho de terra escuro e solitário
onde o desejo cresceu como erva amarga.
Tenho um mapa na memória, um mapa
pequeno (do tamanho apenas duma gota de chuva)
assinalado com cruzinhas vermelhas,
assim como beijos.


(Trad. A.M.)

.

15.8.13

Um verso (122)





Um verso de Al Berto:





o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial



.

María Belén Aguirre (Ornitologia)





ORNITOLOGÍA



Yo no sé cómo fue
pero ese día
se llenó la calle
de palomas.

Vos hacías como que no las mirabas
para que vinieran hasta nosotros.

Ellas temen del hombre
la mano que las capturará
si se descuidan.

Lo mismo que nosotros.
Pero con alas.


María Belén Aguirre



Eu não sei como foi
mas nesse dia
encheu-se a rua
de pombas.

Tu fazias que não olhavas
para elas
para que elas se aproximassem.

Elas temem do homem
a mão que as agarra
no caso de se descuidarem.

Tal como nós.
Mas com asas.

(Trad. A.M.)



>>  Praga en dos (2012) / Emma Gunst (10p) / Marcelo Leites (5p)

.

14.8.13

Miguel Martins (Era o Inverno de 69)





Era o Inverno de 69.
Havia notícias como há sempre,
e suponho que fizesse frio.

A parentela acorria,
acotovelava-se ao redor da cama,
fingia estar feliz, ou talvez estivesse,
sabe Deus porquê. (Ao mesmo tempo,
abrigava-se da chuva.)

Nunca fui tão pequeno, nem tão pouco
parvo. A partir de então, industriaram-me
nas artes e ciências de estar vivo,
excepto a respiração, que é oferecida:

comer, roubar, fugir,
ser intramuros e existir na gleba,
e desistir
silenciosamente.

Sim. Foi, para mim, o Inverno dos Invernos.

E não há meio de acabar.


Miguel Martins


[Hospedaria Camões]

.

13.8.13

José María Parreño (Da chuva)





DE LA LLUVIA



este otoño que tanto te quiero
te regalo la lluvia.
la lluvia es todo:
es canción triste, es compañía,
es llanto persistente sobre todo el paisaje,
es la caricia que hace temblar el suelo
y elevar el sexo de las flores.
es la orden húmeda que implanta
los más espesos olores.
te la regalo porque es como tú,
extensa, repentina,
de estatura cansada por el sol de la tarde,
de ojos también cayéndose camino del invierno
y porque en ella yo me siento tan dulce
como me siento en ti.


de todo lo que vuela y nos hace sufrir
nada más compasivo y simple que la lluvia,
y nada tan frágil y a la vez tan invicto
y nada como su misma promesa de frutos y verdor.
mírala, como un mar derrumbado,
como ruinas de una atmósfera de agua que existió.
muchas veces
me empapa de nostalgia y me hace nudos
que escuecen al tragar.
será porque la lluvia
cubre bosques que has amado conmigo,
nos ha mojado juntos, imparcial, minuciosa,
en lejanas provincias junto al mar.
ya para siempre tendrás lo que te he dado,
de mi regalo nunca podrás huir
ni devolvérmelo.
y cuando llueva, cada gota en tu cuerpo será un beso,
un beso que no pide nada a cambio,
que atravesará los impermeables, los paraguas,
diciéndote con su idioma monótono y dormido
que te quiero.


José María Parreño



este Outono que tanto te quero
ofereço-te a chuva.
a chuva é tudo,
é canção triste, é companhia,
é choro persistente sobre a paisagem,
é a carícia que faz a terra tremer
e elevar o sexo das flores.
é a ordem húmida que implanta
os mais espessos odores.
ofereço-ta, pois é como tu,
extensa, repentina,
de estatura cansada pelo sol da tarde,
de olhos caindo também a caminho do Inverno,
e porque nela eu me sinto tão doce
como me sinto em ti.


de tudo o que voa e nos faz sofrer
nada mais simples e compassivo do que a chuva,
e nada tão frágil e tão invicto
e nada como a sua promessa de frutos e verdura.
olha para ela, como um mar derrubado,
como ruínas de uma atmosfera de água que houve.
muitas vezes me alaga de saudade e faz-me nós
que ardem ao engolir.
será porque a chuva
cobre os bosques que amaste comigo,
e ela molhou-nos aos dois, imparcial, minuciosa,
em distantes províncias à beira-mar.
reterás para sempre aquilo que eu te dei,
meu presente não enjeitarás, nem poderás devolvê-lo.
e quando chover, cada gota em teu corpo será um beijo,
um beijo que nada pede em troca,
que atravessará os impermeáveis e guarda-chuvas,
dizendo-te na sua língua monótona e dormente
que eu te quero muito.


(Trad. A.M.)

.

12.8.13

Mark Strand (A mão suja)





A MÃO SUJA



Tenho a mão suja,
devo cortá-la.
Não faz sentido lavá-la,
a água está suja
e o sabão ordinário,
não faz espuma.
A mão está suja
e já assim está há que anos.
Eu escondia-a dentro
do bolso das calças,
ninguém desconfiava.
Mas as pessoas vinham ter comigo,
querendo um aperto de mão.
Eu negava-me
e a mão escondida,
qual lesma escura,
deixava-me marca na coxa.
Então cheguei à conclusão
de que era o mesmo,
usá-la ou não usá-la,
o nojo era igual.
Ah! quantas noites
lavei essa mão
nos fundos da casa,
esfreguei-a, poli-a,
sonhando que se fizesse
diamante ou cristal,
ou até, quem sabe,
uma mão branca vulgar,
a mão limpa dum homem
que pudessem apertar,
beijar, ou segurar
num momento desses
em que duas pessoas se confessam
sem dizerem uma palavra...

Só para sentir
a mão imprestável,
letárgica, de caranguejo,
abrir os dedos sujos.
Sujidade ruim,
não é lama ou fuligem,
nem a porcaria empastada
duma crosta antiga,
nem o suor da camisa dum operário.
Antes uma porcaria triste,
feita de doença e humana angústia.
Não negra, que o negro é puro,
antes estúpida,
uma porcaria estúpida e cinzenta.

É impossível viver
com esta mão grosseira
que repousa sobre a mesa.
Corta-a. Já.

Corta-a em bocados
e atira-a ao mar.
Com tempo, com esperança
e suas artimanhas,
outra mão há-de aparecer,
pura, transparente como vidro,
e há-de amarrar-se ao meu braço.


Mark Strand

(Trad. A.M.)

.

11.8.13

Laura Wittner (Outra cidade)





OTRA CIUDAD



Cuando levanto la vista veo nieve,
nieve refulgiendo desde el televisor.
Como siempre, titilan sobre el mapa
los lugares donde una no está.
Seguro extrañaría el mercado de flores
y despertar en este piso octavo
que se abre desafiando al viento.
La verdad es que hubo un solo día de nieve
y que hay una posible segunda versión
para las cosas conocidas.
Las valijas están hechas desde siempre
y además están sobre el sofá
en posición de espera.
Ese momento dura, se sostiene,
es una manera de estar:
estar a punto de ser abandonado.
El pozo negro de las valijas hechas,
reverso del desembarco:
el deseo humano por lo incompleto
que se refleja, dicen,
en la predilección por lo pequeño,
lo breve, el fragmento.


Laura Wittner


[El poeta ocasional]



Quando levanto a vista vejo neve,
neve a refulgir na televisão.
Como sempre, no mapa cintilam
os lugares onde não estamos.
De certeza estranharia o mercado de flores,
assim como acordar num oitavo piso
que se abre desafiando o vento.
A verdade é que houve um só dia de neve
e que há uma segunda versão possível
para as coisas conhecidas.
As malas estão feitas desde sempre
e além disso estão sobre o sofá
em posição de espera.
O momento perdura, suspende-se,
é uma maneira de estar,
estar quase a ser abandonado.
O poço negro das malas feitas,
o reverso do desembarque:
o gosto humano da incompletude,
reflectindo-se, dizem,
na predilecção do pequeno,
do breve, do fragmento.

(Trad. A.M.)


.

10.8.13

Mario Quintana (O último poema)





O ÚLTIMO POEMA



Enquanto me davam a extrema-unção,
eu estava distraído…
Ah, essa mania incorrigível de estar
pensando sempre noutra coisa!
Aliás, tudo é sempre outra coisa
- segredo da poesia –
E, enquanto a voz do padre zumbia como um besouro,
eu pensava era nos meus primeiros sapatos
que continuavam andando, que continuam andando,
até hoje
pelos caminhos deste mundo.


Mario Quintana

.

9.8.13

José Luís García Martín (Encontro-2)





Uma mão me estendes
lá do fundo do sonho,
uma mão amputada
que me afaga e foge.
Eu busco-a sem pressa
por livros e recantos,
só lábios encontro,
pátios, cigarros,
crianças a despedir-se,
algumas gotas de sangue.
Lá pelo fundo do sonho,
afastas-te devagar,
quero gritar teu nome,
mas não sei quem tu és.
Na rua deserta,
ao dobrar uma esquina,
viras-te a olhar-me
e sou eu quem me olha.

José Luís García Martín


(Trad. A.M.)


> Outra versão: Rua das Pretas (A.M.)

.



8.8.13

Ver (143)






(Azenhas do Mar)

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Francisca Aguirre (Última neve)





ÚLTIMA NIEVE



Una hermosa mentira te acompaña,
pero no llega a acariciarte.
Sólo sabes de ella lo que dicen,
lo que te explican libros enigmáticos
que narran una historia fabulosa
con las palabras llenas de significación,
llenas de claridad y peso exactos,
y que tú no comprendes sin embargo.
Pero tu fe te salva, te mantiene.

Una hermosa mentira te vigila,
aunque no puede verte, y tú lo sabes.
Lo sabes de esa forma inexplicable
en que sabemos lo que más nos hiere.

Llueve desde los cielos tiempo y sombra,
llueve inocencia y loco desconsuelo.
Un incendio de sombras te ilumina,
mientras la nieve apaga las estrellas
que una vez fueron permanentes ascuas.

Una hermosa mentira te acompaña;
a infinitos millones de años luz,
intacta y compasiva, se extiende la nevada.

Francisca Aguirre



Uma bela mentira te segue,
mas não chega a acariciar-te.
Dela sabes só o que te dizem,
o que consta em livros enigmáticos
que contam uma história fabulosa
com palavras ricas de significado,
claríssimas e de peso exacto
e que tu contudo não compreendes.
Mas a tua fé te salva e te sustém.

Uma bela mentira te vigia,
embora não te veja, e tu sabe-lo bem.
Sabe-lo desse jeito inexplicável
em que se sabe aquilo que mais nos fere.

Chove tempo e sombra caindo do céu,
chove inocência e louco desconsolo.
Um incêndio de sombras te ilumina,
enquanto a neve apaga as estrelas,
brasas vivas até há pouco.

Uma bela mentira te segue,
a muitos milhões de anos-luz,
intacta e compassiva, estende-se a nevada.

(Trad. A.M.)

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7.8.13

Mário Cesariny (Exercício espiritual)





EXERCÍCIO ESPIRITUAL



É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem


É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora


Mário Cesariny

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6.8.13

Hugo Mujica (Estrela fugaz)





ESTRELLA FUGAZ



A cada bosque
sus hojas al viento,
a cada vida su
espera:
su sábana blanca ondeando
en la noche
bajo una estrella que cae.

Hugo Mujica




A cada bosque
suas folhas ao vento,
a cada vida sua
espera:
seu lençol branco ondulando
à noite
sob uma estrela cadente.

(Trad. A.M.)

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5.8.13

Coitado do Jorge (79)





A BRASA



Estávamos, eu e a Monica, de volta das brasas a assar umas febras.
Ela, porém, descuidou-se e deixou a minha um bocado estorricada.
Embaraçada, olhou-me e disse, fazendo gala da sua proverbial intimidade com a língua de Camões:

- "Vês? Querias comer uma febra? acho que vais é comer uma brasa"...

E eu, que nem rato, falando só com os meus botões: "Deus te oiça, Deus te oiça"...

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Irene Sánchez Carrón (As palavras)






LAS PALABRAS/LOS TESOROS



Las palabras me aturden.

Son como lentos buques
que surcan sin descanso
los mares de los siglos
y van de puerto en puerto
cargando su bodega de tesoros.

Después llegan a mí
-pobre mortal
con las horas contadas-
y, eternas, se me ofrecen.

Yo las siento escalar mis altos muros,
y siento sus raíces en mis huesos
y su savia correr venas adentro.


Irene Sánchez Carrón


[Emma Gunst]



Aturdem-me as palavras.

São como lentos navios
sulcando sem descanso
os mares dos séculos
e vão de porto em porto
carregando o porão de tesouros.

Depois vêm a mim
- pobre mortal
com as horas contadas -
e, eternas, se oferecem.

Eu sinto-as escalar meus muros,
sinto suas raízes em meus ossos
e sua seiva correr-me veias adentro.


(Trad. A.M.)

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4.8.13

Maria do Rosário Pedreira (Pudesse eu morrer hoje)





Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite –
e deitar-me na terra; e não ouvir senão o rumor das ervas
e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras,
nem das aves negras nos meus braços de mármore,
nem de te ter perdido – não ter medo de nada. Pudesse


eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo –
das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;
de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo
deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida
e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo
já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde
para eu pensar em devolver-te os dias que roubara. Pudesse


eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,
a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi –
porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempre
o que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam
nas mãos); e pudesse eu deixar de escrever esta manhã


e pudesse eu morrer
mas ouço-te a respirar no meu poema.


Maria do Rosário Pedreira


[Abro páginas]


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3.8.13

Jonio González (Epigramas)





EPIGRAMAS


I
de tus palabras no nació la libertad
amor mío
de la contemplación de tu cuerpo
no extraje pepitas de oro
ni violencia de perros que se muerden
a la sombra de los ministerios
me obligaron a amarte
a la luz de las conspiraciones
y de los decretos

II
me animaría a mirar tus ojos
de aquí hasta Roma
a aprenderme de memoria tus cartas
y la música de tu silencio
me animaría a pecar por vos
y cargar bolsas de sal
hasta lo alto de los barcos
como mi padre al finalizar la guerra
puerto de Barcelona
año mil novecientos treinta y nueve

Jonio González

[De sibilas y pitias]



I
de tuas palavras não nasceu a liberdade
amor meu
da contemplação de teu corpo
não tirei pepitas de ouro
nem violência de cães a morder-se
à sombra dos ministérios
fui obrigado a amar-te
à luz de decretos
e conspirações

II
a olhar teus olhos me animaria
daqui até Roma
e a aprender de cor as tuas cartas todas
e a música do teu silêncio
me animaria também a pecar por ti
e a carregar sacas de sal
até ao alto dos barcos
como meu pai ao acabar a guerra
porto de Barcelona
ano mil novecentos e trinta e nove


(Trad. A.M.)

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2.8.13

Camilo Castelo Branco (A Brasileira de Prazins - Voc.)





afazer (habituar/ No quinteiro... se afez a reparar na Marta de Prazins)
alcouce (bordel/ identificaram-se numa intimidade de tasca e de...)
alicantina (mentira, falsidade/ cheia de lástimas mendigas, mentirosas... muitas alicantinas)
alma (de cântaro/lembra-se, seu alma de cântaro?)
almofaçar (almofaçando as barbas conspurcadas do vómito/ limpar com almofaça, escova)
apercebido (preparado, munido, prevenido/ andava... com todos os utensílios infestos ao diabo)
arremangar (arregaçar as mangas/ dois homens de tamancos, arremangados, com os peitos cabeludos)
atrigar (afligir, inquietar-se/aí vou, aí vou, não se atrigue)
azevieira (atrevida, esperta/ ela é que me parece mais levantada, mais...)
aziumado (azedo/ revessava ao caminho público golfos aziumados de vinhaça)
bamboar (bambolear/ bamboava-se hilariante na cadeira)
banabóia (pateta, idiota/ - Valha-te o diabo, banabóia!)
banzeiro (que se agita brandamentegaivotas que se espicaçam sobre o mar...)
barbante (as coroas, penduradas em barbantes/ fios, de Brabant)
bataréu (arcobotante, calço, muro de suporte/ dissera que o... dum cunhal estava torto)
bute (botim, calçado/ nos pés os butes do amo)
caipira (brega, provinciana/ as duas Bragas, a fiel, a..., pletórica de fidalgos)
cambalacho (acordo, combinação/ você quer fazer um...?)
carepa (crosta/ limparam-se da carepa)
carranquear (fazer carranca, má cara/ continuou o exorcista, carranqueando cada vez mais)
catixa (caticha?/ Tarrenego! ... Cruzes, canhoto!/ interj. nojo)
cevo (isca, engodo, pasto, alimento/ e a rejeitasse ao... sensual do marido)
charlateira (dragona de metal dourado/ ganhara as charlateiras de general e uma coroa de conde)
cherinola (chirinola, léria, armadilha/ bem sabia que os exorcismos eram cherinolas)
colmilho (dente canino, presa/ molossos de colmilhos ensanguentados)
combro (cômoro, socalco, canteiro/ inclinaram-no sobre um... de mato molhado)
corcovo (salto de cavalo, pinote/ ladeando a besta em corcovos chibantes)
couceira (couce, soleira/ a porta rangeu ligeiramente na... desengonçada)
cróia (mulher ordinária/ a pagar vinho ao Alho mais à... da filha)
desatremar (errar, fora de termos/ falava pouco, e não desatremava)
diatese (diátese, disposição para contrair doenças afins/ predomina a... da imbecilidade)
duraque (sarja forte, usada em sapatos de senhora/ sapatos de... sem tacões)
entarroada (com tarro/ um arrastado pigarro de goelas...)
escabujar (voltara-se a ver a velha.../ estrebuchar)
escandecência (vivacidade, ódio intenso, sanha/ imitações das... eróticas da Sulamita)
escandecida (assanhada/ com a cara... numa congestão de júbilo)
esmagriçado (teu tio está velho e...)
espipada (bojuda como pipa/ calça branca... com joelheiras)
espostejar (fazer em postas/ foi... os miguelistas a Braga)
estiar (parar, de chover/ enquanto não estiava a chuva)
estridor (ruído agudo, estrondo/ o rodar das portas que se escancaravam com...)
estrupido (ruído, barulho/ era um pigarro...com tamanho estrupido que parecia)
fachoqueiro (facho/ arranja aí um... de palha)
faiante (farsola, impostor/ Este homem não é D.Miguel, é um...)
ferragoulo (farragoulo, gabão de mangas curtas/ uns ferragoulos de mescla à laia de capote de soldado)
figínia* (na integridade da sua missão...)
foliculário (escriba, plumitivo reles/ foliculários que desacreditam as virtudes do álcool)
frouxel (penugem macia, almofada de/ um corpo nu em frouxéis de arminhos)
gamenho (fedelho, tunante/ o que decerto praticaria um... decidido a fingir-se D.Miguel)
gargajola (rapaznespigado/ o... esperava ser amparado pelo outro)
gigo (tipo de cesto/ tinha um... de livros velhos)
golfo (golfada/ revessava ao caminho público golfos aziumados de vinhaça)
gorilha* (criança, pequeno, menino/ um atavismo que me retrocede aos meus saudosos tempos de...)
graieiro (grão/ que meu pai não tivesse algum... na asa)
imperlar (emperlar, dar aparência de pérola/ sem deixar bonina em que a aurora imperle uma lágrima)
impeticar (implicar/ chegara-lhe aos ouvidos que os estudantes... lhe impeticavam com a filha)
improperar (verberar, censurar/ improperou-lhe severamente o seu delito
incendido (encendido, acendido/ olhar vesgo... com os lampejos da candeia)
infesto (nocivo, pernicioso/ andava apercebido com todos os utensílios... ao diabo)
intanguido (entanguido, encolhido, enfezado/ nos outros filhos intanguidos, escrufulosos)
jolda (bando, choldra, rancho/ o pedreiro chamou os bravos da sua..)
justar (contratar, combinar/ você justou comigo uma porca por quatro moedas)
leicenço (furúnculo/ a respeito das sezões e dos leicenços acreditava mais na lanceta)
lurado (furado, com luras/ o pavimento lurado do caruncho)
malhal (calço, madeiro/ as pipas, em vez de malhais de pau, assentavam sobre missais)
não (... que ele, o mundo sempre dá voltas/ expressão de concordância)
nisa* (foi buscar a espada, cingiu a banda sobre a nisa de saragoça)
obra (cerca/ obra de dez moedas, mais pinto menos pinto)
obreia (pediu... ao Nunes/ massa farinha, para hóstias ou colar papel)
ourela (margem, beira/abeirando-se à... do rio)
ourelo (em mangas de camisa, meias e ourelos achinelados/ ourela do pano
pacho (penso/ que lhe compunha o... na ferida)
panria (pânria, indolência/ o escocês continuava na sua... sem se importar da guerra)
pantalonas (calças/ enfiando as pernas sujas nas...)
paparreta ( pretenciosa/ dic.>s.m./ com vaidade...)
piranga (pelintra/ andava por lá miserável, um...)
piteireiro (bêbedo/outros piteireiros, do mesmo credo)
poder (muitos/ caía aí o poder do mundo de Braga e Guimarães)
pontilhosa (de pontinhos, pontos nos is/ D.Teresa, muito... em não admitir equívocos)
porvindouro (que está para vir/ agradeci o... filho da Velhaca)
pronto (num.../ num repente/ entras logo, imediatamente, num...)
puridade (perguntou-lhe, à puridade, se ele negava os milagres/ em segredo)
quer não (- contrariava uma lavradeira - foi má mulher/ expressa discordância)
quinchoso (quintal/ topa a gente por esses... esses marotos)
resbunar (rebusnar, resmungar/ uma gata maltesa que lhe resbunava no regaço)
restrugir (rugir, retumbar/num... de tempestade)
revelim (infantas cristãs... nos revelins dos castelos roqueiros/ obra externa que defende ponte, muralha, etc)
rodilhão (roldão/ numa arremetida impetuosamente esbandalhada, de...)
saburrento (de saburra, sarro/ depunha a hóstia nas línguas saburrentas das beatas)
sacatrapo (pano de sacar/ enroscou o... na ponta da vareta de ferro)
seresino* (os seresinos faziam excursões e batiam os realistas)
seresma (bruxa, mulher preguiçosa/ rogando pragas à... de Prazins)
sevamente* (engoliam... como quem devora... um Deus)
silabada (erro de pronúncia ou no acento da sílaba/ davam poucas... no Missal)
sobpor (óbvio-pôr sob/ sobpondo ao reconhecimento os escrúpulos de espião)
solau (romance rimado/ fazia solaus em que havia abencerragens e infantas cristãs)
songa (songamonga, sonso, dissimulado/ a songuinha que não olha direita pra um home)
superciliosa (carrancuda, séria/ pouco... em pontos de honra)
tosquenejar (toscanejar, cabecear, dormitar/ as mulheres aconchegavam-se para... o seu sono da manhã)
trinque (nova, esmerada/ vestia casaca no trinque muito lustrosa)
vágado (tontura, vertigem, desmaio/ disse que tinha vágados e que se queria ir deitar)
veleiro (veloz, rápido, despachado/ os mais veleiros levavam-no esfalfado)
zanagra (zanaga/o, vesgo, zarolho/ o de Rio Caldo, que é..., está cónego)
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(*) N/ encontrado nos dicionários

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Laura Wittner (Epigrama)





EPIGRAMA


Dijiste algo y entendí mal.
Los dos reímos:
yo de lo que entendí,
vos de que yo festejara
semejante cosa que habías dicho.
Como en la infancia,
fuimos felices por error.

Laura Wittner

[Emma Gunst]



Disseste alguma coisa
e eu entendi mal.
Rimo-nos ambos,
eu do que entendi
e tu de que eu festejasse
com tal coisa que disseras.
Como na infância,
fomos felizes por engano.

(Trad. A.M.)



>>  Se lo dico non lo faccio (blogue) / La infancia del procedimiento (8p) / Zapatos rojos (2p)

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1.8.13

Manuel de Freitas (Antes do último comboio)





ANTES DO ÚLTIMO COMBOIO



Às vezes, é tão bom esquecer a literatura
- e, acima de tudo ou de nada, a poesia,
com os seus devaneios de donzela perra,
a latir mazelas, agruras e evidências.


Passeámos juntos pelo arraial
de Oeiras, sob o rumor contínuo
de comboios e sardinhas (menos pontuais
mas boas). Luzes, carrosséis e bares
pediam-me a demora que não pude ter,
enquanto os gatos, soberanos, atravessavam
devagar a noite. Falávamos de nada, calmamente.


Às vezes - ou melhor: sempre - sabe bem
deixar para outro dia a literatura, pensar que
os poetas não passam de estátuas inúteis num jardim
concebido por bestas que nem sequer os leram.


É inegável que um churro ou uma imperial
são muito mais necessários do que qualquer soneto.
De uma maneira ou de outra, as luzes vão em breve
apagar-se, indiferentes ao riso que nos juntou
e que veio cair, por azar, no chão deste poema.


Manuel de Freitas


[O último tango]

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