28.1.07

Mario Benedetti (Papel mojado)





PAPEL MOJADO



Con ríos
con sangre
con lluvia
o rocío
con semen
con vino
con nieve
con llanto
los poemas
suelen
ser
papel mojado



Mario Benedetti
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Aquilino Ribeiro (Uma página de memórias)






(Uma página de memórias…)




… ia às festas, às feiras e romarias com eles, bailava nos terreiros e, frequentando os serões estabulares, tomava parte em zaragatas, bodeganas, bandeado em suas maltas.


Levei tão longe o meu aldeanismo que nos despiques de povo para povo, últimos vestígios ou últimos reflexos das antigas guerras tribais, vislumbráveis nestas rixas, eu alinhava na falange do lugar, armado de varapau e revólver.


- AQUILINO RIBEIRO, Um escritor confessa-se, ed. 1972, p.133.

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23.1.07

Carlos de Oliveira (Vento)





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VENTO


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As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.



Carlos de Oliveira






22.1.07

Mário Quintana (Livros)





Livros não mudam o mundo,

quem muda o mundo são as pessoas.






Os livros só mudam as pessoas.





Mário Quintana
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21.1.07

Fernando Assis Pacheco (Rascunhos e fragmentos)






RASCUNHOS E FRAGMENTOS





Abençoado seja este dia que passou
comigo inteiro tomates e tudo que já sei
que no geral imito menos mal
os ricos de espírito, amen.

Abençoado o par de meias grossas lavadas pelo Beja.
Abençoado o atado de caricocos.
Abençoado o relato do CUF-Beira Mar há bocado
quando pensei na mulher e estava só.
Abençoada a cuca ao pé do arame.


Abençoado o meu domínio
sobre os nervos desfeitos, shazam!
Abençoada a leitura: David Diop,
Charles Olson (Maximus),
Restif de la Bretonne. Cito de memória.


Abençoado o chuveiro fchquinho.
Abençoada a malta na lerpa.
Abençoada a escala que hoje não nos lixaram.
Abençoada esta brisa.


Abençoados os campos de minas: ninguém sabe, ch.
Abençoado o aviso de Ezra Pound «that war
is the destruction of restaurants».
Abençoado o ouvido para a música.
Abençoado um ceguinho qualquer
(George Shearing, Roses of Picardy).


Abençoado o ponteiro mais pequeno.
Abençoada a noite longa.
Abençoado o suor na virilha que é bom sinal.
Abençoado o calendário das Caves Aliança
com cinquenta e dois domingos garantidos Bairrada.
Abençoado o meu tio Manuel Mendes
de quem me lembro em particular (podias agradecer!).


Abençoado hoje, amanhã e até ao fim da semana.
Abençoado o quilo, o quimo.
Abençoado o esfíncter anal q.b. aflito (e a caca).
Jesus Cristo, Clausewitz, amen.


Abençoado o papel branco onde escrevo
por ora emendo os versos dum batalhão de Estremoz.
Abençoado o Gadanha, o Rossio. Pela ausência.
Abençoados o cabo clarim e o cabo auxiliar de serviços religiosos, dois inúteis.
Abençoada a salve rainha, inútil.


Abençoado o heli pra cavar do golpe de mão.
(Perguntei ao capita se fazia golpes de mão a pensar na glória,
ameaçou-me com o Forte Roçadas. Há um humor
que se joga na dita sinistra — e ganha
a dura dextra. Tu sabes, mestra!)


Càbou pois. Abençoados os ricos de spirits.
Càbou. Abençoada a Antiqua.



Fernando Assis Pacheco


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19.1.07

Paul Valéry (Sentimentos)







(Sentimentos)














É preciso ser especialmente tolo para atribuir a um poeta os sentimentos que aparecem nos seus versos.

E é preciso que os versos sejam especialmente maus para 'exprimirem' os sentimentos do autor.

Ao menos os que ele conhece em si…




Paul Valéry

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18.1.07

Um verso (28)






Um verso de Paz
(é isso, Octavio Paz):





As estrelas são filhas da noite.



[Barcos de flores]

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Pablo Neruda (Poema 5 - Para que me oiças)






Para que me oiças
minhas palavras adelgaçam-se às vezes
como o rasto das gaivotas na praia.


Colar, ébrio cascavel
para tuas mãos suaves como uvas.


E miro-as, longínquas, minhas palavras.
Mais que minhas são tuas.
E trepam pela minha dor como a hera.


Elas trepam assim pelas paredes húmidas.
És tu a culpada desta brincadeira sangrenta.


Elas estão fugindo do meu abrigo escuro.
Tudo preenche-lo tu, tudo tu preenches.


Povoaram antes de ti a solidão que ocupas,
e estão mais do que tu acostumadas à minha tristeza.


Agora quero que digam o que quero dizer-te
para que tu as oiças como quero que me oiças.


O vento da angústia costuma arrastá-las.
E às vezes derrubam-nas furacões de sonhos.


Outras vozes escutas na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nesta onda de angústia.


Mas vão-se tingindo com o amor minhas palavras.
Tudo ocupa-lo tu, tudo ocupas.


Vou fazendo de todas um colar infinito
para tuas brancas mãos, suaves como uvas.



Pablo Neruda


(Trad. A. M.)


Original: Corte-na-aldeia
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15.1.07

Cristóvão de Aguiar (Os dedos calmantes da ausência)





Os dedos calmantes da ausência demoraram-se, nessa noite, em vir descer sobre os olhos pregados no tecto a sua cortina de penumbra.

Na taça transbordante dos meus ouvidos ecoavam, dolorosamente nítidas, as conversas que haviam enchido a tarde e a imaginação.

Ainda dei fé da estreloiçada da carroça do Ti Manuel Botelho, que, aos sábados, chegava da cidade tarde da noite.

A partir daí, porém, passaram as coisas e os sons a distanciar-se na névoa espapaçada do sono, pesado e saboroso, que principiava a pousar nas pálpebras estrenoitadas.

O macho escarvava agora muito longe, nitrindo de sonho e de desejo pela maquia de milho, no conchego da baia lastrada de palha nova.

Vagaram as desenfreadas correrias dos gatos em cima do telhado.

Acomodava-se o rezingar de ruindade do cão do vizinho.

E apagou-se, nos meus ouvidos, o último ruído que constrói o silêncio da noite velha — caí num buraco de sombra, e anulei-me.



- CRISTÓVÃO DE AGUIAR, O fruto e o sonho, Epílogo, cap. III, princípio, da trilogia Raiz Comovida.
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Yannis Ritsos (O sentido da simplicidade)







O SENTIDO DA SIMPLICIDADE



Escondo-me atrás de coisas simples,
para que me encontres.
Se não me encontrares, encontrarás as coisas,
tocarás o que minha mão já tocou,
os traços juntar-se-ão de nossas mãos,
uma na outra.


A lua de agosto brilha na cozinha
como pote estanhado (pela razão já dita),
ilumina a casa vazia e o silêncio ajoelhado,
este silêncio sempre ajoelhado.


Cada palavra é a partida
para um encontro - muita vez anulado –
e só é verdadeira quando, para esse encontro,
ela insiste, a palavra.


(Trad. E. Andrade)


Nota bio: EPDLP

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Corpo presente (30)




MORTE






Fica pouco
daquilo que morre

11.1.07

Maria do Rosário Pedreira (Guarda tu)






Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi
talvez para sempre ― a casa e o cheiro dos livros,
a suave respiração do tempo, palavras, a verdade,
camas desfeitas algures pela manhã,
o abrigo de um corpo agitado no seu sono. Guarda-o


serenamente e sem pressa, como eu nunca soube.
E protege-o de todos os invernos ― dos caminhos
de lama e das vozes mais frias. Afaga-lhe
as feridas devagar, com as mãos e os lábios,
para que jamais sangrem. E ouve, de noite,
a sua respiração cálida e ofegante
no compasso dos sonhos, que é onde esconde
os mais escondidos medos e anseios.


Não deixes nunca que se ouça sozinho no que diz
antes de adormecer. E depois aguarda que,
na escuridão do quarto, seja ele a abraçar-te,
ainda que não te tenha revelado uma só vez o que queria.


Acorda mais cedo e demora-te a olhá-lo à luz azul
que os dias trazem à casa quando são tranquilos.
E nada lhe peças de manhã ― as manhãs pertencem-lhe;
deixa-o a regar os vasos na varanda e sai,
atravessa a rua enquanto ainda houver sol. E assim
haverá sempre sol e para sempre o terás,
como para sempre o terei perdido eu, subitamente,
por assim não ter feito.


Maria do Rosário Pedreira

 

8.1.07

Edgar Morin (A tragédia)






E isto é também a tragédia: trazemos em nós uma tal necessidade de amor, que por vezes um encontro no momento certo - ou talvez no momento errado - desencadeia o processo da fulminação e da fascinação.


- EDGAR MORIN, Amor, poesia e sabedoria, Lisboa (Piaget), 1999, p. 34.
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Jaime Sabines (O dia)












O DIA







Amanheceu sem ela.
Mal se mexe.
Recorda.


(Meus olhos, mais delgados,
sonham-na.)


Que fácil a ausência!


Nas folhas do tempo
essa gota do dia
escorrega, treme.


Jaime Sabines



(Trad. A.M.)

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5.1.07

Paul Valéry (Entre o som e o sentido)








(Entre o som e o sentido...)





O poema, esta hesitação contínua entre o som e o sentido.




Paul Valéry


Um verso (27)





Um verso de Camões
(poeta zarolho, que foi um grande português):




“Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;”
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias mor tristeza.*





(*Ops, 1-2-3… afinal são três)
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Fernando Assis Pacheco (Sem que soubesses)













SEM QUE SOUBESSES





Falei de ti com as palavras mais limpas,
viajei, sem que soubesses, no teu interior.
Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,
tropeçavas em mim e eu era uma sombra
ali posta para não reparares em mim.



Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei da parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.



Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.




Fernando Assis Pacheco
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1.1.07

Cristóvão de Aguiar (Mestre Libório sofria pela calada)






Também o mestre Libório sofria pela calada.
Não só devido ao seu descosimento intestinal, mas também por causa da mulher.
A Maria Santa fazia-lhe a vida negra.
Em casa era o mestre Libório um cordeirinho.
Amante como ninguém de festas e procissões, precisava, no entanto, utilizar de manha e cautela se acaso queria ir assistir a alguma.
E que a mulher só se encontrava consigo contradizendo. Dela é que devia partir a iniciativa. Ficar por baixo é que nunca, a não ser...

Depressa o mestre Libório lhe deu com o jeito: virava do avesso a casaca das palavras, e tudo batia certo.
Se sentia um desejo por algum prato mais apetitoso, chegava à beira da Santa e desabafava:
Sabes, mulher, ao vir para casa, vi os pedreiros das obras do senhor Esmeraldo comendo chouriço cozido com ovos e pão trigo; até me senti embrulhado; há lá nada que chegue aos charrinhos assados na sertã, com molho de vilão e pão de rala!...
Escutava-o a Santa, calada, mas depois não se continha e explodia:
Pois vais também comer o mesmo, para aprenderes a não ser biqueiro.


- CRISTÓVÃO DE AGUIAR, O fruto e o sonho, 2.ª parte, cap. VI, abertura, da trilogia Raiz Comovida.
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