16.3.06

Vitorino Nemésio (Loa)





LOA




Meu Menino Jesus dos triguenhos no prato,
Não enxugues a tua lágrima de vidro,
Não apagues a tua estrela de prata suspensa no quarto ainda morno,
Não deixes envelhecer os velhos tios de retábulo
Ajoelhados em torno:
Deixa estar as palhinhas urinadas no estábulo,
Que a chuva cheira bem e o pão tufa no forno.
Dorme, Menino Jesus, aquele milho amarelo
Que o Joaquim Pacheco secou na escuridão do seu muro,
E manda um navio de nevoeiro
Ao poeta que embarcou no FunchalDeixando o lenço de sua mãe molhado no último adeus.
Anda, Menino Jesus, e não me queiras mal
Se eu te disser que assim é que te sinto Deus.
Manda o navio de nevoeiro
Pela primeira vaga que vires redonda e rebentada:
Tua mão outra vez a atira contra a noite,
Como se não tivesse batido nessa grande praia parada.
E deixa as minhas faltas à missa,
Esquece os pontos fracos da minha velha teologia,
E o orgulho, a razão, o materialismo passageiro…
Mandes tu pelo mar o navio de nevoeiro!



VITORINO NEMÉSIO
O Bicho Harmonioso
(1938)

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