24.1.08

Miguel Torga (Algarve)






O Algarve, para mim, é sempre um dia de férias na pátria.

Dentro dele nunca me considero obrigado a nenhum civismo, a nenhuma congeminação telúrica nem humana.

Debruço-me a uma varanda de Alportel e apetece-me tudo menos ser responsável e ético.

As coisas de Trás-os-Montes tocam-me muito no cerne para eu poder esquecer a solidariedade que devo a quem sofre e a quem sua.

E isto repete-se com maior ou menor força no resto de Portugal.

Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros.

Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa!

A brancura dos corpos e das almas, a limpeza das casas e das ruas, e a harmonia dos seres e da paisagem lavam-me da fuligem que se me agarrou aos ossos e clarificam as courelas encardidas que trago no coração.

No fundo, e à semelhança dos nossos primeiros reis, que se intitulavam senhores de Portugal e dos Algarves, separando sabiamente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria.

Também me não vejo fora dela.

Julgo-me numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo e primaveril.



- MIGUEL TORGA, Portugal (O Algarve).

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